Migalhas de Peso

Um novo Direito do Trabalho para o Brasil

Não adianta mais querer ser o herói dos hipossuficientes, mas adianta, sim, tirar eles da hipossuficiência.

1/7/2015

Diz Yone Frediani em trabalho publicado na Revista Magister de Direito do Trabalho, como tema em evidência, (FLS 2/17), que:

“O mundo mudou e o Brasil evoluiu, destacando-se omo potência econômica, porém, continua à margem das inovações que se apresentam no campo da legislação trabalhista, porque insiste em continuar atado a um modelo de relações entre empregado e empregador dos anos 1950. A consequência desse modelo obsoleto e da inércia do Legislativo, permitiu o avanço da jurisprudência sobre um espaço originalmente pertencente aos representantes escolhidos pelo voto direito para a Câmara dos Deputados FederaL e Senadores. O Judiciário especializado não vê com bons olhos a prestação de serviços por meio de outras formas contratuais fora da relação de emprego. A busca da garantia por meio do reconhecimento da relação de emprego é irreal e ilusória. O desafio atual projeta a multiplicação de trabalhadores jurídica e legitimamente autônomos, aos quais, certamente, não poderão ser aplicadas as regras de proteção contidas na CLT.”

Vejam, na época do rádio iniciava-se a proteção ao empregado, como um hipossuficiente que era, dando-lhe garantias na lei, sempre ampliadas por magistrados que viviam em um país no qual existiam dois polos diversos: o econômico, que detinha o capital e o representado pelo trabalho do empregado, ainda recentemente liberto da escravidão, mas que precisava da legislação do Estado e dos Juízes para a garantia de alguns direitos, mesmo que poucos.

Surgiu a época da televisão e, por muito tempo, a proteção continuou a mesma e a relação de emprego em quase nada mudou.

Vieram as conquistas eletrônicas e o mundo inteiro ficou diferente. Aquela noção de país, vinculado a uma nacionalidade forte, a noção existente de imprensa, dando notícias sobre os fatos locais, os acontecimentos internacionais, cujo alcance mundial demorava algum tempo, a política dos coronéis dos Estados que pouco chegava à Capital Federal, e muito menos ao conhecimento do povo, tudo isso foi se transformando, em progressão geométrica, num acontecimento quase que momentâneo, e o que era notícia de jornais, rádios e televisões, passou a ser de conhecimento imediato da população mediante as redes sociais.

O Brasil, os demais países, não são mais os mesmos, o mundo agora é realmente globalizado, mas o que fizemos em termos de legislação, de modificações doutrinárias e jurisprudenciais em torno do trabalhador brasileiro?

Não fizemos nada, ou seja, continua ele, na mentalidade dos magistrados e da própria legislação trabalhista, o protegido de 1943, como se as demais mudanças no mundo não lhe afetasse.

Então se faz necessário pensar: se o homem não alterou essa estrutura arcaica do trabalhador não foi também por que ele próprio não alterou sua estrutura? Ou melhor dizendo, o homem político, e aqui digo político no sentido de possuir poderes, esse homem teria interesse na evolução da camada humana mais pobre e inferior culturalmente da sociedade, para que tal volume de pessoas adquirisse certa autonomia profissional?

Em uma democracia, que depende o cargo de poder de eleição, na qual o voto é obrigatório, integrando os entes superiores dos poderes Executivo e Legislativo, e na qual o Judiciário formado de cargos decorrentes de exigentes concursos, mas também composto, em suas camadas mais elevadas, de cargos preenchidos algumas vezes com o beneplácito dos mais poderosos, interessa mesmo aos homens do Poder que o trabalhador tenha maior dignidade própria, e não decorrente de benesses concedidas , desviadas dos recursos dos demais integrantes do Estado que pagam impostos?

Apenas para refletir, não é interessante que a bolsa família, o auxílio-alimentação, o auxílio transporte, e outros benefícios concedidos dessa forma, evidentemente que ressalvando que melhor é concedê-los do que nada, não é interessante para o poder constituído que essas pessoas recebam tais vantagens e a elas sejam garantidos pequenos benefícios na Justiça do Trabalho, sem outros direitos mais dignos a serem concedidos?

Por que seria interessante para o governante dar meios e modos para que os trabalhadores evoluam da situação calamitosa em que se encontram, em sua maioria, se poderão eles melhorar seu índice cultural e melhor votar, afastando do poder quem os explora?

Essas são apenas algumas reflexões para se ter uma noção maior do que está acontecendo no país com o emprego.

Sinto dizer, mas parece-me uma verdade. Não há interesse em melhorar a vida digna do trabalhador, e a Justiça do Trabalho, que tem realmente esse interesse, é enganada por benesses a ele concedidas pelo Governo, mediante normas legisladas ou decretadas, ampliando essas defesas de 1943, como se estivesse garantindo o “coitadinho” contra os abusos do “patrão”, sem perceber em que, numa época na qual vivemos, TUDO EVOLUI, MENOS O HOMEM E SUA GANÂNCIA DE PODER.

Parece-me, entretanto, que a revolução indústria e tecnológica, como se vê no dia a dia, mal está começando e tudo indica que os trabalhos, como os da atualidade, serão raros em pouco tempo.

As empresas virtuais, o teletrabalho, a terceirização, os sistemas eletrônicos que substituem de forma melhor o trabalhador, tudo isto é uma realidade que se amplia com uma rapidez que nós não conseguimos evitar, nem acompanhar.

O trabalhador, de forma amadora e querendo ser eficaz ao empresário dizia a ele antigamente: “deixa que eu faço este trabalho em casa”. Hoje esse trabalho em casa está se transformando em um novo tipo de trabalho, o qual transforma a subordinação em para - subordinação, a jornada de trabalho em tarefas ou em confiança existente entre as partes, e a pessoalidade deixa de ser um elemento primordial ao contrato.

Conforme trecho de artigo citado no Valor Econômico de 17.3.14, a OIT entende que o declínio do contrato de trabalho com duração indeterminada e a polarização da mão de obra são duas tendências importantes que começam a marcar o mundo do trabalho nos países desenvolvidos e devem se propagar nos emergentes.

De acordo com artigo de minha autoria publicado em Revista Magister de Direito do Trabalho, fls 57,

“Conforme constata a OIT, várias experiências vêm sendo estudadas para atenuar os efeitos negativos dessa desregulação decorrente desses novos tipos de trabalho que vêm sendo exigidos. A Itália adotou mais de quarenta tipos de contratos de trabalho para garantir um mínimo de proteção ao trabalho. A Austrália criou novas formas de seguro social, não mais vinculados ao emprego. A Alemanha criou novas formas de barganha coletiva e o Japão adotou modos de resolução de disputa, de forma individual e não mais coletiva.”

Mas o Direito do Trabalho no Brasil não avança para dar ao trabalhador direitos a garantir seus empregos futuros, substituição de “bolsas” protecionistas, por bolsas de estudos, seguros decorrentes de demissões tecnológicas, cursos dentro das empresas de eletrônica e conhecimento que proporcione aos empregados aprofundados estudos do que será a empresa em breve futuro e o que poderá ele fazer para manter um trabalho nessa nova época de tecnologia.

Vejo, após cinquenta anos defendendo processos na JT, magistrados obrigando as empresas a garantir para o futuro, em acordos e convenções coletivas, benefícios concedidos por determinado período, dependendo da situação das partes naquele espaço de tempo, e lembro daquilo que Sussekind chamava de proteção que desprotege.

Em quase todas as reclamações trabalhistas, mesmo naquelas em que o empregado pede um benefício que, se não pago, já tem a penalidade própria, nelas se pede hoje, como rotina, um dano moral qualquer, porque sempre sabe o trabalhador, ou seu advogado, que algum valor vai receber dentro dessa fábrica de danos morais.

Sabe-se que o empregado, até os dias atuais, reclama na Justiça do Trabalho sem pagar custas, nem depósitos, nem honorários advocatícios, ou seja, pode reclamar o que quiser , sem qualquer razão, que nada gastará, enquanto que se põe a culpa no grande volume de causas somente no empregador que não quita devidamente os contratos.

Mas por outro lado, e contra o empregado, a Justiça do Trabalho que lhe é tão afeta, batalha em favor dos acordos judiciais nos quais se amplia a estatística de decisões do julgador, mas também nos quais o empregado sempre perde, porque, realizado o acordo, receberá nunca igual ou mais do que lhe é devido.

É certo que a defesa do trabalhador através de seu princípio protetor deve ser observada pela Justiça do Trabalho, mas é necessário que se aprecie as condições de evolução do empregado a uma para - subordinação, ou a uma autonomia do trabalho em certas categorias de trabalhadores que executam seus serviços, mais por tarefas, ou com maiores conhecimentos do que o próprio empregador, por conta e risco próprios.

Conforme o saudoso professor Amauri Mascaro Nascimento, o autônomo hoje não é mais apenas o autônomo clássico, o profissional liberal, o médico, o advogado, o engenheiro, o arquiteto, o dentista , a podóloga e tantos que exerçam uma atividade econômica por conta própria porque os sistemas de produção de bens, de serviços, de produção de informações, o avanço da tecnologia criou novas realidades com reflexos amplos inclusive sobre as formas pelas quais o trabalho é prestado.” (LTr 72/2008 n. 09).

É preciso que na própria subordinação criem os tribunais, mesmo através dos dissídios coletivos, acordos e convenções, meios e modos de ser o trabalhador elevado a uma categoria com maior dignidade e possibilidades de evolução, ao invés de lhe dar migalhas de benefícios, com o que são enganados por “estar ganhando mais”.

O direito do trabalho não mais somente cuida dos conflitos entre empregados e empregadores, mas, após a EC 45/04, teve sua competência ampliada para apreciar todos os conflitos decorrentes da relação de trabalho, o que significa dizer que o constituinte demonstrou, nessa alteração, o que o mundo vem demonstrando com a desenvoltura da globalização e com a evolução do homem que também se globaliza: o trabalhador que interessa ao direito do trabalho não é mais somente o hipossuficiente, que se quer cada vez menos, mas aquele que evolui, com dignidade, com a evolução do próprio mundo social.

Essas forças da globalização, tecnologia, transição demográfica e mudanças climáticas tendem cada vez mais, e com uma velocidade incrível, a alterar o que de estável há no direito do trabalho, na JT e na legislação trabalhista.

O mundo não é mais o mesmo, e amanhã não será mais o mesmo de agora em que escrevo essas linhas.

Estamos no limiar de uma nova forma de trabalho que transforma dia a dia, e transformará de forma impensável, as relações de trabalho no nosso mundo, e, em especial no Brasil.

Não adianta mais querer ser o herói dos hipossuficientes, mas adianta, sim, tirar eles da hipossuficiência.

Como afirma a Dra. Yone Frediani, em trabalho já citado,

"Importante é enfatizar que a busca da garantia por meio do reconhecimento da relação ee emprego é irreal e ilusóri8a, visto que o empregado, ao chegar ao fim de sua vida produtiva, aposenta-se e, em 90% dos casos concretos, necessita permanecer no mercado de trabalho porque os rendimentos que obtém da previdência social afrontam a dignidade da pessoa humana, já que não permitem ou garante a manutenção de suas necessidades básicas descritas no artigo 7º da Constituição Federal anteriormente apontados.

Assim sendo, o desafio atual irreversível e inevitável projeta a multiplicação de trabalhadores jurídica e legitimamente autônomos, aos quais, certamente, não poderão ser aplicadas as regras de proteção contidas na CLT, já que destinadas, tão somente, aos trabalhadores que mantém contrato de trabalho, não sendo demais repetir-se que a valorização do trabalho prevista constitucionalmente independe de sua execução de forma subordinada ou autônoma.”

É preciso promover uma grande revolução no direito do trabalho e na Justiça do Trabalho, para que se adaptem ao novo mundo que estamos ingressando, pois se a tecnologia vem em favor de todos, o novo modo jurídico de ver este progresso poderá vir a transformar para melhor a vida do trabalhador e a convivência dele com o progresso econômico das empresas no país.

Resumindo diria aos integrantes dos Poderes desta República: “parem de deixar os trabalhadores pobres mais pobres, mais hipossuficientes, mais dependentes. O mundo já passou dessa fase".

________________

*José Alberto Couto Maciel é sócio-advogado da banca Advocacia Maciel.

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