Migalhas de Peso

Sobre a proposta de retardar o início de vigência do novo CPC. O CPC/1973 há anos está cientificamente revogado

Há anos o "processo civil brasileiro" encontra-se em "estado de transição".

26/6/2015

Diante da proposta do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de retardar o início de vigência do Novo Código de Processo Civil, antes de mais nada parei para refletir. Afinal, é respeitável integrante da Corte Máxima do nosso País, com vasta produção científica, especialmente destacando a preocupação com a questão de não realização do juízo de admissibilidade do recurso extraordinário nas instâncias inferiores.

No entanto, não posso deixar de expressar, embora com todo respeito, a minha preocupação com a proposta.

Primeiramente, retardar não modifica a regra. Portanto, o problema em 2016 será o mesmo em 2017, 2018, 2019 e 2020, ou, provavelmente, será pior.

Em segundo lugar, o juízo de admissibilidade (salvo no caso de repercussão geral já rejeitada) é superado pela interposição do agravo, então não estamos falando de uma barreira absoluta, ao contrário.

O Novo CPC amplia consideravelmente as formas de nuclearização de julgamentos, estimulando julgamentos com contraditório sociocoletivo e não demandas repetitivas individuais, inclusive nos Tribunais Estaduais e Regionais Federais, reduzindo drasticamente os efeitos deletérios das ações de massa, dentre tantas outras inovações esperadas pela comunidade jurídica.

Como último ponto em relação ao STF e ao STJ. Chegou a hora de reconhecermos que o bloqueio de acesso deve se dar pelo próprio órgão investido constitucionalmente e não por mecanismos de delegação.

Claro que a estrutura pode e precisará ser alterada, pois órgãos de superposição (Tribunais de vértice) não podem ser órgãos de "terceira ou quarta instâncias", mas a resposta negativa deve partir do órgão Constitucionalmente investido, ainda que com um modelo diferenciado do usual de julgamento.

Muito provavelmente a celeridade na negativa dos recursos sem condições de admissibilidade e sua realização "no" próprio órgão competente, não necessariamente nas turmas, sem expectativas efetivas de "mais uma chance", terá o efeito didático e o papel institucional do órgão assumido, que ainda não temos, de desestimular estes recursos salvo em situações excepcionalíssimas.

Agora sobre o ponto mais sério. Sobre o "Processo Civil" como um todo.

Há anos o "processo civil brasileiro" encontra-se em "estado de transição".

Muitos grupos de discussão formaram-se e estão em plena atividade há tempos discutindo seriamente sobre o Novo CPC.

Nós processualistas do Brasil inteiro temos nos reunido há anos (2 vezes por ano, pelo menos), assumindo cada um pessoalmente os custos, para debatermos no Fórum Permanente de Processualistas (que se iniciou com o nome de Encontro de Jovens Processualistas....) sobre o Projeto e sobre o Novo CPC, já havendo mais de 300 enunciados interpretativos, todos somente aprovados com unanimidade de centenas de participantes.

Há mais de um ano está estruturado, inclusive operacional e juridicamente, o Centro de Estudos Avançados de Processo, o CEAPRO, do qual tenho a honra de ser fundador e Diretor de Relações Institucionais. Temos inúmeros grupos temáticos, líderes, debates, artigos escritos, obras coletivas já produzidas e em produção.

Nunca processualistas se reuniram tanto no Brasil. A verdade é que grandes amizades aconteceram, há importantíssimos encontros de Escolas diversas, Universidades Federais, Privadas; por exemplo, integrantes da USP e da PUC em São Paulo se reúnem para debater processo, com visitas recíprocas, que já são um marco na história do processo civil brasileiro. O mesmo ocorrendo em todas as regiões do Brasil.

Há obras coletivas de "alta expressão" que, com colaboradores internacionais interessadíssimos no Brasil, já foram ou estão em fase final de preparação.

Praticamente toda semana há um evento, um encontro.

Sobre as obras, uma colocação. Há mais de 4 anos as editoras brasileiras praticamente paralisaram a publicação de obras sobre processo civil, que agora são publicadas já sobre o Novo CPC.

Inúmeros cursos nos últimos anos tiveram redução drástica de participantes porque todos esperavam o "Novo CPC".

Nos Tribunais, inúmeros julgados, até estimulados por estudos e pela nova legislação que terá vigência a partir de março/2016, já utilizam a "terminologia" do Novo CPC (pesquisem "precedente" nos sites dos tribunais, p. ex.) e até algumas normas que são muito mais "reveladoras explícitas" do que já estava no antigo CPC estão sendo aplicadas.

Nas Universidades nossas aulas no Mestrado, Doutorado, Especialização e Graduação são sobre o Novo CPC, com interessantíssimas colocações de nossos alunos.

Nas Bancas de Mestrado e Doutorado, as pesquisas são sobre o Novo CPC.

Alunos e advogados caminham com o Novo CPC debaixo do braço ou em seus celulares e tablets.

O Brasil teve uma lei aprovada após longo trâmite legislativo. Houve sanção presidencial. Nós brasileiros fomos comunicados, com a publicação, da vacatio legis de um ano.

A teoria da confiança não pode se limitar aos negócios privados e públicos, deve alcançar o agir institucional também. Com pontos positivos e negativos, nós temos uma nova legislação e já assumimos nosso papel na sociedade acreditando na Lei publicada.

Enfim, o CPC/73 está "cientificamente revogado", no sentido de não ser mais alvo de reflexões nas Universidades, nas Escolas Superiores das inúmeras carreiras jurídicas, nas pesquisas, nas teses. E isto há anos!

Esta ausência de reflexões da lei vigente é necrosante no sistema processual.

Propor o adiamento na vigência do Novo CPC, especialmente de 2, 3 ou 5 anos, é prolongar este preocupante "estado de transição", com seríssima possibilidade de minar as estruturas de debate existentes, reduzir drasticamente o interesse da coletividade e, o mais grave, frear este momento de fervor intelectual e científico em que as carreiras jurídicas estão dialogando como nunca.

A comunidade brasileira está com a palavra para análise de tema delicadíssimo.

________________

*William Santos Ferreira é Professor de direito processual civil na Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado da PUC/SP, advogado da banca William Ferreira & Joaquim Ferreira | Sociedade de Advogados.

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