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Política v.s. Direito – Os Limites da Jurisdição Constitucional

Paira em torno da figura institucional da Corte Constitucional aspectos muito polêmicos que normalmente se concentram em um ponto, essencialmente. A tensão entre política e Direito que no fundo lança ao ar o seguinte questionamento: os graves problemas políticos que advém de debates democráticos e de confrontos de forças políticas no lócus onde mais elas se desenvolvem – o Parlamento – podem ser resolvidas com os critérios e métodos de uma decisão judicial? Mas essa questão de fundo tem interesse menor para o presente escrito – e apenas para ele – por demandar muito espaço para sua honesta discussão, o que aqui não me proponho a fazer.

17/3/2006


Política v.s. Direito – Os Limites da Jurisdição Constitucional


Alcimor A. Rocha Neto*


Paira em torno da figura institucional da Corte Constitucional aspectos muito polêmicos que normalmente se concentram em um ponto, essencialmente. A tensão entre política e Direito que no fundo lança ao ar o seguinte questionamento: os graves problemas políticos que advém de debates democráticos e de confrontos de forças políticas no lócus onde mais elas se desenvolvem – o Parlamento – podem ser resolvidas com os critérios e métodos de uma decisão judicial? Mas essa questão de fundo tem interesse menor para o presente escrito – e apenas para ele – por demandar muito espaço para sua honesta discussão, o que aqui não me proponho a fazer.


Quando a Corte Suprema age dessa forma não passa ela a agir mais como um órgão político – eminentemente político, quero dizer – do que jurisdicional. Não passa a exarar decisões políticas encobertas por um manto de sentença – sentido amplo? São os problemas políticos judicializáveis a ponto de se vir a submetê-los a soluções técnico-jurídicas com parâmetros pré-estabelecidos, o que é muito próprio de todo e qualquer litígio processual comum?


São muitos os questionamentos que cabem sob o teto desta problemática que proponho, vale dizer, sob a questão da tensão entre política e direito.


Ontem o Supremo Tribunal Federal suspendeu um depoimento na CPI dos Bingos quando provocado, via Mandado de Segurança, por um Senador da República. E aqui busco inserir esse caso concreto no problema teórico que acima expus.


Sou dos que entendem que a jurisdição constitucional não somente é legítima instância de controle da vontade majoritária como também é instrumento necessário para que uma democracia possa ser realmente tida como tal. Penso que o princípio democrático somente é efetivado, de fato, quando há, no ordenamento constitucional de um dado Estado, mecanismo de controle da vontade majoritária, vale dizer, quando há um poder contra-majoritário. Há-se que se trazer à tona o fato de que o princípio democrático não se confunde com o princípio majoritário. Se assim o fosse, poder-se-ia, com toda convicção e certeza, aduzir que o regime democrático seria sinônimo de ditadura da maioria. Parece um absurdo e realmente o é.


Pode-se, pois, concluir que não será sempre a vontade da maioria o elemento concessor do caractere de democrático a determinado algo – regime de governo, Estado, órgão etc. Em um efetivo regime democrático existem normas e princípios que não podem ser modificados nem mesmo pela unanimidade e isso não implica na negativa do regime democrático. Ora, se a negativa, nesse caso, da possibilidade de a maioria deliberar sobre determinados assuntos não exprime nenhum sentimento ou ideologia antidemocrática – e parece que ninguém pode argumentar de modo contrário a isso – porque com relação à jurisdição constitucional esse argumento seria válido? Dito de outro modo: argumentam os que posicionam contra a legitimidade da justiça constitucional que o fato de não serem os membros que a compõe eleitos diretamente pelo povo – único detentor do poder soberano, ou o poder soberano, em si – retirariam dela todo e qualquer elemento legitimador. Ou seja, como a maioria nenhum poder direto mantém sobre a jurisdição constitucional, careceria ela do elemento democrático, tendo em vista que atuaria à revelia dos detentores do poder soberano. Mas a maioria nada pode contra as cláusulas pétreas – e nem a unanimidade, ressalte-se. E esse fato ao invés de negar o princípio democrático faz, mesmo, é torná-lo mais efetivo, quando afasta de maiorias circunstanciais deliberações que poderiam desfigurar a própria organização do Estado.


O princípio democrático ganha nova configuração no Estado contemporâneo de modo que nele passa o controle jurisdicional da constitucionalidade a constar como uma atenuante dos riscos de arbítrio a ser levado à cabo por parte de um dos poderes sobre os outros. Ensina Ana Paula de Barcellos que “a doutrina contemporânea da separação de poderes é um mecanismo engajado em um propósito: controlar o exercício do poder [...] garantindo-se o Estado de Direito e, principalmente, os direitos fundamentais”1.Este o papel central do controle jurisdicional da constitucionalidade na nova democracia.


Com efeito, a jurisdição constitucional efetiva o princípio democrático antes de feri-lo. A justiça constitucional realiza a democracia, por exemplo, ao assegurar um correto processo legislativo na elaboração das leis ou quando protege a minoria contra os ataques da maioria, analisando o conteúdo das normas, e não apenas seus aspectos procedimentais. E não é a justiça constitucional que determina que a minoria deve ser protegida, é a própria Constituição que o faz. Ora, qual o objetivo da Carta Fundamental ao exigir um quorum de três quintos para se emendar a Constituição se não for o de exigir a participação da minoria nas decisões políticas de grande importância? Sem a participação da minoria no processo de mudança constitucional, caso venha a se efetivar tal modificação, ela será escancaradamente inconstitucional. E quem haveria de proteger o interesse das minorias na constitucionalidade da lei – entendida aqui no sentido amplo – senão a jurisdição constitucional? Caso se deixasse a cargo do próprio Parlamento essa decisão ele estaria a julgar a si próprio e a maioria deliberaria segundo suas conveniências, declarando constitucional uma lei escancaradamente contrária à Constituição.


Todas essas considerações, entretanto, não impedem que se reconheça ilegitimidade na decisão do STF que suspendeu ontem depoimento na CPI dos Bingos.


Um dos mais importantes princípios guias da interpretação constitucional – se é que se pode vir a escaloná-los levando-se em conta suas maiores ou menores importâncias – é o da presunção de constitucionalidade das leis e atos emanados do poder público. Tal princípio poderia, em enxutíssimas palavras, ser resumido na seguinte expressão: in dubio pro constitucionalidade. Esse princípio hermenêutico constitucional tem uma implicação material muito importante: ele significa uma confiança outorgada ao Poder Legislativo – e aos demais – na observância e na interpretação correta dos princípios constitucionais.2


Como parece muito óbvio, não é que se vai reduzir a Constituição ao seu fundo real, homenageando-se atos e instrumentos normativos infraconstitucionais em detrimento da Carta Política. Não é que se a reduzirá à uma “mera folha de papel”, para usar, cá, uma expressão do esquerdismo hegeliano de Lassale. Não é isso. Apenas se pretende, com tudo isso, alertar para a excepcionalidade da atuação de um poder na esfera d’outro.


É somente diante de casos excepcionais que o Direito pode ser usado como instrumento para limitar atuações fiscalizatórias da política. Uma “fumaça do bom direito” não tem – ou não deve ter – o condão de conceder fundamento para a anulação de um ato eminentemente político como o é a convocação de alguém para depor numa Comissão Parlamentar de Inquérito.


Se o que se fez ao analisar a medida cautelar em mandado de segurança no caso específico que aqui se analisa, lançando-se mão de um “juízo prévio e sumário” onde “a cognitio é, por definição, superficial e provisória, porque se atém à estima de dados unilaterais, ante o caráter de urgência da tutela pretendida”3, como se admitir que essa análise superficial possa aferir com a clareza meridiana que reclama a interferência de um poder noutro, que há abuso no ato eminentemente político da CPI dos Bingos?


Se diante de uma dúvida fundada – e é o caso, pois a cognição na cautelar é apenas superficial e precária – deve-se optar pela constitucionalidade, está mais que claro que houve desrespeito, por parte do STF, ao princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder público.
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1 BARCELLOS, Ana Paula de. Separação de Poderes, Maioria Democrática e Legitimidade do Controle de Constitucionalidade. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, v. 53, 2000, p. 84.

2 ENTERRIA, Eduardo Garcia de. La Constitucion como norma y el Tribunal Constitucional. Madrid: Civitas, 1994.
3 Essas palavras são do eminente Ministro Cezar Peluso na decisão em que concede a liminar para suspender o depoimento na CPI dos Bingos.

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*Bacharelando em Direito na Universidade de Fortaleza, 19 anos e autor do livro "Direito Constitucional e Teoria Política".






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