O presente trabalho visa analisar a decisão monocrática proferida pelo ministro Raul Araújo, nos autos da Medida Cautelar 24.318 – SP, que mudou o paradigma a respeito do fumus boni iuris para concessão de efeito suspensivo a Recurso Especial.
Como é cediço, o Recurso Especial é recebido tão somente no efeito devolutivo, sem a suspensão da decisão recorrida, com fulcro no artigo 542, § 2º, do CPC, assim como não tem o condão de impedir a execução provisória da sentença, nos termos do artigo 497, do CPC.
Em suma, a interposição de Recurso Especial contra o acórdão guerreado não tem efeito suspensivo, razão pela qual, em regra, a sentença pode ser executada provisoriamente.
Entretanto, o STJ pacificou entendimento de que em alguns casos, desde que haja periculum in mora e fumus boni iuris, é possível o ajuizamento de Medida Cautelar para atribuir efeito suspensivo ao Recurso Especial. Sobre a Medida Cautelar ensinam Wambier e Talamini1:
O processo cautelar é aquele por meio do qual se obtém meios de garantir a eficácia plena – tomada esta expressão no sentido de produção efetiva de efeitos no mundo empírico – do provimento jurisdicional, a ser obtido por meio do futuro (ou concomitante) processo de conhecimento, ou da própria execução (seja esta desenvolvida em processo autônomo ou não).
Destarte, segundo José Roberto dos Santos Bedaque2, o legislador não somente assegurou o acesso ao meio estatal de solução de conflitos, muito mais que isso, garantiu a todos o acesso à ordem jurídica justa, com o fito de que o jurisdicionado pudesse valer-se de mecanismos para a satisfação do direito. Portanto, todos têm a garantia de ação, não a certeza ou probabilidade de obter reconhecido o direito, mas, sobretudo, a garantia de poder contar com um instrumento adequado para o alcance de um objetivo.
Em outras palavras, a Constituição assegurou um ordenamento jurídico e um processo organizado para a solução de conflitos, e mais, organizou os procedimentos a serem seguidos para permitir a adoção de decisões adequadas3, logo, em certas circunstâncias ainda que a lei não atribua efeito suspensivo ao Recurso (Especial) pode-se afirmar que é adequado o manejo de Medida Cautelar para tal fim. Nesse sentido, leciona Fredie Didier Jr4:
A interposição de recurso especial ou extraordinário não impede a execução provisória do julgado. Isto porque tais recursos, via de regra, não são dotados de efeito suspensivo. Interposto o recurso, poderá a parte contrária já promover a execução provisória do julgado, mediante petição dirigida ao juízo competente (CPC-475-P) instruída com as cópias relacionadas no §3º do art. 475-O do CPC (...) Se a execução provisória puder causar lesão grave o de difícil reparação ao recorrente, este pode intentar uma medida cautelar, destinada a dar efeito suspensivo ao recurso excepcional. A medida cautelar somente pode ser ajuizada no tribunal superior, se já admitido o recurso (enunciado n.634 da súmula do STF). Enquanto não admitido o recurso, a cautelar deve ser intentada perante o presidente ou vice-presidente do tribunal local (enunciado n. 635 da súmula do STF).
Destarte, em regra, compete ao Tribunal de origem a apreciação de pleito de efeito suspensivo ao Recurso Especial pendente de juízo de admissibilidade, de acordo com as súmulas 6345 e 6356 ambas do STF, contudo, em casos excepcionais, o STJ admite a competência para atribuir efeito suspensivo ao Recurso Especial ainda pendente de análise na instância ordinária:
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL AINDA NÃO SUBMETIDO A JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NA ORIGEM. EXCEPCIONALIDADE. CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA. DÍVIDA PRETÉRITA.
1. Nos termos das Súmulas 634 e 635/STF, compete ao Tribunal de origem a apreciação de pleito de efeito suspensivo a recurso especial pendente de juízo de admissibilidade. Todavia, em casos excepcionalíssimos, como no caso dos autos, o STJ tem admitido a atribuição de efeito suspensivo a recurso especial pendente de análise na instância ordinária.
2. Na hipótese, o Requerente discute na ação declaratória subjacente ao recurso especial dívidas pretéritas, consubstanciadas em diferença de consumo cobrada pela concessionária de energia elétrica referentes ao período de abril de 2006 a fevereiro de 2009, que totalizam o montante de R$ 6.860,57 (e-STJ, fl.62).
3. É ilegítimo o corte de fornecimento de energia elétrica quando a inadimplência do consumidor decorrer de débitos pretéritos. Precedentes: EDcl na MC 15.434/SP, Rel. Min. Humberto Martins,Segunda Turma, DJe 19.11.2010; (AgRg no REsp 1.145.884/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 17.11.2010; REsp 1.194.150/RS,Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 14.9.2010; AgRg no Ag1.258.939/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe16.8.2010.
4. Restou demonstrado o fumus boni iures, bem como o periculum in mora, o qual decorre da privação de bens jurídicos essenciais, como é caso do fornecimento de energia elétrica, fundamental à digna sobrevivência do Requerente e de sua família, justificando a excepcionalidade da concessão cautelar. Medida cautelar procedente.
(STJ - MC: 16655 SP 2010/0046555-9, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 14/12/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2011)
E mais, já foi admitida pelo Superior Tribunal de Justiça a concessão de efeito suspensivo a Recurso Especial ainda não interposto:
AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO ESPECIAL AINDA NÃO INTERPOSTO. HIPÓTESES EXCEPCIONALÍSSIMAS. CABIMENTO.
1. "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem." (Súmula do STF, Enunciado nº 634).
2. Esta Corte tem admitido a concessão de efeito suspensivo a recurso especial já interposto, mas pendente do juízo de admissibilidade, ou até mesmo àqueles ainda não interpostos, mas somente para situações excepcionalíssimas, onde se constata, de pronto, o "manifesto risco de dano irreparável e inquestionável a relevância do direito, ou seja, o alto grau de probabilidade de êxito do recurso, tornando indispensável a concessão da providência pleiteada para assegurar a eficácia do resultado do recurso a ser apreciado por este Tribunal" (AgRgMC nº 8.101/SP, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, in DJ 24/5/2004), ou, ainda, em decisões manifestamente teratológicas. Precedentes.
3. Em restando demonstrados o periculum in mora e o fumus boni iuris, aliado ao fato de tratar-se de situação excepcionalíssima a exigir a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial, é de ser concedida a medida cautelar.
4. Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg na MC: 15794 GO 2009/0137230-0, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 13/10/2009, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/10/2009)
Portanto, em síntese, O Superior Tribunal de Justiça admite a concessão de efeito suspensivo a Recurso Especial já interposto, mas pendente do juízo de admissibilidade, ou até mesmo àqueles ainda não interpostos, contudo apenas em casos excepcionais, em que reste demonstrado o periculum in mora e o fumus boni iuris, ou seja, haja risco de dano irreparável e inquestionável relevância do direito, consubstanciada no alto grau de probabilidade de êxito do recurso, tornando indispensável a concessão da providência pleiteada para assegurar a eficácia do resultado do recurso a ser apreciado por este Tribunal.
Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça, nos autos da Medida Cautelar 24.318 – SP, flexibilizou seu entendimento a respeito fumus boni iuris, posto que concedeu efeito suspensivo ao Recurso Especial não com base na plausibilidade de êxito do Recurso Excepcional, mas com base na probabilidade de êxito de ação prejudicial (fator exógeno):
Por sua vez, o fumus boni iuris também está presente, decorrendo da própria existência da ação anulatória do referido negócio jurídico que originou a dação em pagamento referente a dois apartamentos, os foram fisicamente unidos e constituem o imóvel no qual residem os ora requerentes, segundo afirmam, contrapondo-se à ação reivindicatória.
Explica-se, no caso em análise o Recurso Especial era originário de uma Ação de Imissão na Posse, contudo contemporânea a essa demanda foi ajuizada Ação Anulatória, prejudicial, que visava infirmar o título que deu base ao pedido de imissão.
Por isso, a decisão do Superior Tribunal de Justiça é inovadora e salutar ao direito, posto que efetiva o acesso à ordem jurídica justa, haja vista que inexoravelmente está-se diante de um caso excepcional, em que a própria demanda prejudicial (Anulatória) atesta a ocorrência do fumus boni iuris.
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1 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, vol. III, 12ª ed., Revista dos Tribunais, 2013, pp. 45/46.
2 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da Amplitude de Produção Probatória in Garantias Constitucionais do Processo Civil. José Rogério Cruz e Tucci (org). Revista dos Tribunais: São Pulo, 1999. p. 151.
3 BRESSAN, Gabriel Barreira. Neoprocessualismo: entre efetividade e segurança jurídica. Novas Edições Acadêmicas: Saarbrücken, maio de 2015, p. 82.
4 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Vol. III, Ed. Podium, 10ª ed., p. 292.
5 Não compete ao supremo tribunal federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem.
6 Cabe ao presidente do tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade.
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*Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme é mestre, doutor em Direito e sócio de Almeida Guilherme Advogados Associados.
*Gabriel Barreira Bressan é mestre em Direito e membro de Almeida Guilherme Advogados Associados.
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