Migalhas de Peso

Os parques de papel e o compromisso estatal de zelar pela integridade físico-ecológica das unidades de conservação

Espera-se que o Poder Público implemente as unidades de conservação e cumpra a obrigação imposta pela Constituição de 1988.

29/5/2015

O Brasil é abençoado por Deus, canta há muito tempo Jorge Ben Jor. É o país que tem a maior biodiversidade do planeta, em função da ampla extensão territorial e dos diversos tipos de clima e biomas aqui existentes. Reconhecendo a necessidade de proteção desse patrimônio, a Constituição de 1988 impôs ao Poder Público a incumbência de definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção, obrigação que não tem sido cumprida à risca por boa parte dos entes federados. A maioria das unidades de conservação são parques de papel, existem tão somente na letra fria do ato normativo que as criou e passam por uma situação de descaso e abandono cada vez maior.

Em decisão de fevereiro de 2015, a Justiça do Estado de MG determinou medidas urgentes para a efetiva implantação do Parque Estadual de Cerca Grande, no Município de Matozinhos, na região metropolitana de Belo Horizonte. A decisão judicial estabeleceu um prazo de 90 dias para que o Estado de MG e o Instituto Estadual de Florestas (IEF) designem um gerente e quatro guarda-parques para atuação exclusiva no Parque, elejam e empossem os membros do Conselho Consultivo da unidade de conservação e disponibilizem pelo menos dois veículos novos para a realização de vistorias e vigilância na unidade. Os réus ainda deverão remeter, bimestralmente, ao juízo de Matozinhos, todas as atas do conselho gestor, pareceres técnicos, autos de fiscalização e infração, relatórios e manifestações relacionadas à implantação a ao funcionamento do parque.

As condenações contra o Estado de MG e o IEF tendem a aumentar. Segundo investigações do MP do Estado de MG, há 73 unidades de conservação estaduais de proteção integral em MG, mas, desse total de áreas protegidas (605.921,67 hectares), 426.392,44 hectares sequer foram desapropriados pelo Estado de Minas, de forma que mais de 70% das unidades de conservação mineiras existem apenas "no papel".

A situação é caótica. Um relatório do Tribunal de Contas do Estado de MG elaborado em 20141 verificou que "79% das unidades de proteção integral administradas pelo IEF não possuem plano de manejo, sendo que 58% destas foram criadas há mais de cinco anos". Outro problema apurado pela Auditoria do TCEMG foi a "dificuldade no combate aos incêndios" e a conclusão apontou para a relação desgastada entre a administração da unidade de conservação e a população do seu entorno, comprovando que a maioria das unidades representa apenas uma proteção virtual do Meio Ambiente.

Espera-se que o Poder Público mude essa realidade, implementando as unidades de conservação e cumprindo a obrigação imposta pela Constituição de 1988. Nas palavras do Ministro do STJ Herman Benjamin, quando do julgamento do REsp 1.071.741 – SP, "a criação das unidades de conservação não se justifica por si só mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade – diretamente associada à insustentável e veloz destruição de habitat natural –, se não vier acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um "sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada" existirá, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita". Portanto Estado Brasileiro, mãos a obra, faça os Parques de Papel existirem. Só assim vamos cantar que continuamos um País bonito por natureza.

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1 Disponível aqui. Acesso em 16 de maio de 2015
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*Leandro Eustaquio é coordenador do departamento de Direito Ambiental da banca Décio Freire e Associados. Mestre em Direito Público pela PUC/MG e professor de Direito Ambiental.

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