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De quem é o embrião?

A evolução da biotecnologia traz mudanças significativas no campo da genética humana, proporcionando aos casais interessados na procriação a utilização de várias técnicas cientificamente aprovadas e recomendadas.

26/4/2015

Um casal concebeu dois embriões durante o período de união estável e concordou em congelá-los com a intenção futura de serem gerados pelo procedimento da maternidade de substituição. Ocorreu, no entanto, a separação e veio à tona a questão da preservação dos embriões. A mulher pretendia descartá-los, enquanto que o homem, mais conservador, chegou a propor um trato no sentido de que, se um dos dois morresse, o outro poderia utilizá-los. Tal proposta, no entanto, foi recusada pela companheira e o imbróglio teve início.

A evolução da biotecnologia traz mudanças significativas no campo da genética humana, proporcionando aos casais interessados na procriação a utilização de várias técnicas cientificamente aprovadas e recomendadas. É uma nova realidade que se apresenta em razão da evolução da embriologia e da engenharia genética. O casal estéril poderá atingir a procriação com a utilização de componentes genéticos de ambos, de um só ou de nenhum deles.

Não se questiona que o assunto é envolvente, mas carece de considerações éticas e jurídicas. Daí, a necessidade de regulamentação de todas as técnicas científicas de reprodução humana assistida, inserindo na legislação alguns conceitos que já se sedimentaram neste noviciado legislativo. Muitas outras recomendações poderão ser apresentadas para se buscar uma perfeita adequação entre o universo científico e a realidade social, com um olhar arguto dirigido especialmente para os princípios éticos, acompanhados da necessária acomodação legal. O homem, como ser racional que é, deve procurar sempre o florescimento humano, ponderar os bens existentes e fazer sua escolha compatível com a dignidade humana.

No caso em questão, trata-se de fecundação homóloga, utilizando os componentes genéticos do casal para a formação dos embriões, que poderão ser implantados no útero da companheira ou de terceira pessoa. Com o fim da convivência do casal, e consequentemente afastada a intenção procriativa, é de se indagar quem teria direito ao material fertilizante congelado.

A lei 11.105/05, conhecida como lei de biossegurança, em seu artigo 5º, quando trata da utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia, mediante a doação de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, dentre os requisitos exigidos, estabelece, no § 1º, a obrigatoriedade do consentimento dos genitores, responsáveis pela cessão do material fertilizante ou biológico.

E a lei não dá margem à dúvida, pois ao se referir a genitores, deixou bem claro que se trata daqueles que escolheram a via da reprodução assistida com a finalidade procriativa e somente eles poderão autorizar a utilização excepcional dos embriões criopreservados, excedentários ou não.

Apesar da Constituição do Brasil1 estabelecer que o planejamento familiar é livre decisão do casal e o Estado deverá proporcionar recursos científicos para o exercício desse direito para aqueles que não conseguem atingir a procriação, não há ainda legislação ordinária para estabelecer todos os pressupostos e requisitos para a reprodução assistida. Mesmo assim, o Código Civil Brasileiro, em vigor a partir de 2002, em iniciativa exemplar, ensaiou os primeiros passos na regulamentação das inseminações e fecundações homóloga e heteróloga (art. 1597).

Supletivamente, no entanto, o Conselho Federal de Medicina editou a resolução 2013/13, estabelecendo as normas técnicas e éticas do procedimento. No item V, nº 3, é taxativo ao afirmar: “No momento da criopreservação os pacientes devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos embriões criopreservados, quer em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los”.

No nº 4 cria a possibilidade do descarte embrionário: "Os embriões criopreservados com mais de 5 (cinco) anos poderão ser descartados se esta for a vontade dos pacientes, e não apenas para pesquisas de células-tronco, conforme previsto na lei de biossegurança".

Aqui o termo "genitores" foi substituído por "pacientes", uma vez que a infertilidade humana é vista como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas.

Tramita pelo Congresso Nacional o projeto de lei 478/07,2 que dispõe sobre o Estatuto do Nascituro, conforme recomendação do Pacto de São José da Costa Rica, já aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Equivocadamente, define o nascituro como sendo o ser humano concebido, mas não nascido, compreendendo aquele concebido in vitro, ou por qualquer outro meio científico eticamente aceito. Tal interpretação equivocada transita pela contramão de direção e bate de frente com ainda recente decisão da Suprema Corte.

O STF, na ADIn 3510-0, que teve como relator o ministro Ayres Brito, definiu que o embrião extrauterino não é uma vida a caminho de outra vida e não reúne possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas indicadoras de um cérebro humano em gestação. Somente com a transferência para o útero materno será considerado spes vitae.

Na mesma histórica ação ficou resolvido que "a decisão por uma descendência ou filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição rotula como direito ao planejamento familiar, fundamentado este nos princípios igualmente constitucionais da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável; a opção do casal por um processo in vitro de fecundação de óvulos é implícito direito de idêntica matriz constitucional, sem acarretar para ele o dever jurídico do aproveitamento reprodutivo de todos os embriões eventualmente formados e que se revelem geneticamente viáveis".

Ora, fica claro que somente o casal, compreendendo a inequívoca manifestação de vontade do homem e da mulher, poderá determinar o destino a ser dado aos embriões, por não haver a obrigatoriedade do aproveitamento reprodutivo de todos eles. E, mesmo no caso de ausência de embriões, mas com a reserva de sêmen do marido falecido, a mulher poderá utilizá-lo e se submeter a uma das técnicas de reprodução humana, desde que haja documento expresso autorizando o procedimento, visando à realização de um projeto parental post mortem, nos termos do inciso III do art. 1597 do CC.

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1 Artigo 226 § 7º da Constituição da República Federativa do Brasil.
2 Disponível em https://miguelmartini.com/mandato/proposições/ver.php?id=
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.

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