Migalhas de Peso

Mínimo existencial e correção da tabela do imposto de renda pessoa física

O mínimo existencial, no contexto do IR da pessoa física, busca livrar da incidência deste tributo o valor necessário para que o indivíduo consiga bancar uma existência digna.

20/4/2015

O mínimo existencial, no contexto do imposto de renda da pessoa física, busca livrar da incidência deste tributo o valor necessário para que o indivíduo consiga bancar uma existência digna, considerada aquela em que ele possua acesso à saúde, à educação, à moradia, à alimentação, ao lazer e, enfim, àquilo que possibilite ao ser humano mais do que existir, viver. Neste diapasão, como a inflação reduz o poder aquisitivo da moeda, é necessário que sejam atualizados (corrigidos) os valores mencionados na sistemática do imposto de renda para a pessoa física, para se salvaguardar os valores destinados ao mínimo existencial. Sem isto, tributa-se manifestação de capacidade contributiva inexistente ou apenas formal, dado que substancialmente os efeitos da inflação distorcem a proteção que, em especial, a faixa de isenção pretendera estabelecer.

Para não ficarem à mercê da atividade legislativa, alguns contribuintes, atentos e proativos, buscaram o Judiciário, almejando que este determinasse, para os casos concretos que lhe foram conduzidos, a correção da deturpação mencionada. Algumas sentenças chegaram a ser proferidas favoravelmente aos contribuintes, embora na maioria dos processos as decisões fossem contrárias, com o Judiciário aduzindo não ser seu papel atualizar os valores constantes da tabela do imposto em tela. O embate culminou com a importante decisão proferida pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 1º de agosto de 2011, nos autos do 388.312/MG, com acórdão publicado em 11 de outubro do mesmo ano e cuja ementa, em excerto, se transcreve:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CONSTITUCIONAL E ECONÔMICO. CORREÇÃO MONETÁRIA DAS TABELAS DO IMPOSTO DE RENDA. LEI N. 9.250/1995. NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR E CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DO NÃO CONFISCO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, A ELE NEGADO PROVIMENTO.

(...)

2. A vedação constitucional de tributo confiscatório e a necessidade de se observar o princípio da capacidade contributiva são questões cuja análise dependem da situação individual do contribuinte, principalmente em razão da possibilidade de se proceder a deduções fiscais, como se dá no imposto sobre a renda. Precedentes.

3. Conforme jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal Federal, não cabe ao Poder Judiciário autorizar a correção monetária da tabela progressiva do imposto de renda na ausência de previsão legal nesse sentido. Entendimento cujo fundamento é o uso regular do poder estatal de organizar a vida econômica e financeira do país no espaço próprio das competências dos Poderes Executivo e Legislativo.

4. Recurso extraordinário conhecido em parte e, na parte conhecida, a ele negado provimento.

O Ministro Marco Aurélio restou vencido. Segundo ele, a ausência de atualização da tabela propiciava enriquecimento sem causa do Estado e contrariava os princípios da legalidade, do não-confisco e da capacidade contributiva, e a atuação do Poder Judiciário que reprimisse essa situação não transgrediria a separação de Poderes. Após consignar que a "simples reposição do poder aquisitivo da moeda não se confunde com acréscimo", destacou:

O mesmo mecanismo que reflete a atualização da dívida ativa deve servir ao balizamento do cálculo do imposto de renda devido, tendo em conta a impossibilidade de se agasalhar, em um Estado que se quer Democrático de Direito, o enriquecimento sem causa, especialmente por parte do Estado. Fuja-se à apatia; fuja-se à acomodação que em nada contribui para o aprimoramento cultural. Fuja-se à tentação de se deixar simplesmente as coisas como estão, assumindo o Supremo o papel de guarda, na concretude da Constituição Federal.

Sobre a legalidade, explicou que se a União tributa a renda e a tabela não é atualizada, com as correções dos rendimentos percebidos, pessoas que estavam na faixa de isenção são guindadas ao patamar de incidência da exação e outras que já nela se encontravam são deslocadas para um nível de maior ônus (alíquota superior). Nessa ordem de ideias, a União passa a arrecadar mais sem que haja editado lei majorando o tributo.

Já de acordo com a Ministra Carmen Lúcia, para a constatação das transgressões suscitadas em relação aos mencionados princípios constitucionais, seria necessário aferir a situação de cada contribuinte, afirmando, igualmente:

Ademais, os efeitos da natural perda de valor da moeda frente à inflação apurada em período de estabilidade econômica não parecem comprometer o direito a uma existência digna dos contribuintes, mormente se considerada a parcela da população brasileira responsável pelo recolhimento desse tributo, especialmente os substituídos pelo sindicato-recorrente, cuja espécie de tributação incide na fonte, evidenciando a capacidade econômica desses para suportá-la.

De sua banda, a Ministra Ellen Gracie entendeu que a análise do desrespeito aos princípios do não-confisco e da capacidade contributiva não demandaria, sempre, o estudo da situação de cada contribuinte e mencionou precedente da própria Corte em abono à sua afirmação. Todavia, disse que haveria tal necessidade quanto ao imposto de renda. Adiante, aduziu a Ministra:

Mesmo com todo o efeito da inflação dos anos de 1996 em diante, em 2001 a faixa isenta de R$ 900,00 ainda alcançava 5 (cinco) salários mínimos de R$ 180,00, razão por que não vislumbro possibilidade de conclusão no sentido de que tenha havido tributação do mínimo vital.

Ainda a Ministra Ellen Gracie asseverou que a correção pretendida poderia ensejar reflexos inflacionários, no que contou com a concordância do Ministro Gilmar Mendes. O Ministro Celso de Mello pontuou que acolher a correção pretendida feriria o princípio da separação de Poderes. Não obstante divergirem do Ministro Marco Aurélio, vários de seus pares consignaram em seus votos a preocupação com a situação fática de fundo, qual seja, a ausência de correção da tabela com consequente tributação de valores de vencimentos elevados nominalmente apenas para fazer frente à inflação, sem, portanto, representarem efetivo incremento na representatividade da riqueza.

____________

*Trecho do livro: IMPOSTO SOBRE A RENDA: FUNDAMENTOS E CONTRADIÇÕES

**Paulo Adyr Dias do Amaral é Professor de Direito Tributário do IBMEC/MG

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