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A discricionariedade pública na aplicação de sanções punitivas no âmbito da lei de anticorrupção e do decreto Federal 8.420/15

Como a lei de anticorrupção e o seu decreto regulamentador afetarão as pessoas jurídicas autuadas no território nacional?

7/4/2015

A lei Federal 12.846/13, hodiernamente conhecida como “Lei Anticorrupção” preceitua que as pessoas jurídicas que praticarem atos lesivos contra a administração pública, nacional ou estrangeira (art.1º) estarão sujeitas à aplicação das penalidades legais cominadas, fundamentalmente, no artigo 6º da mesma Lex.

Note-se que o inciso I do mencionado artigo, apregoa que a multa para tais instituições será fixada no patamar compreendido entre 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício, anterior ao da instauração do processo administrativo.

No mesmo dispositivo, no parágrafo 4º, a mencionada legislação estabeleceu que na impossibilidade de utilização do critério de faturamento da pessoa jurídica autuada, a multa aplicável se dará na escala financeira abarcada entre R$ 6.000,00 (seis mil reais) e R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).

O recém editado decreto Federal 8.420/15 assentou (a partir do seu artigo 17) os critérios objetivos de fixação das penalidades, conforme os percentuais de faturamento da pessoa jurídica investigada e o vulto dos contratos ilicitamente firmados e eventualmente mantidos entre públicos e particulares.

A novidade fica a cargo do artigo 23, parágrafo primeiro, do citado decreto, o qual possibilita a aplicação da multa sancionatória em patamar inferior àquele estipulado pela lei anticorrupção – 0,1% (um décimo por cento) do faturamento bruto – às empresas que firmarem Acordo de Leniência, ab-rogando-se, via de consequência, a segunda parte do parágrafo 2º, artigo 16, da lei Federal 12.846/13, que impõe a aplicação de multa mínima.

Pois bem, inicialmente, cumpre pontuar o conceito de discricionariedade administrativa, o qual legitima aos integrantes do Poder Público à aplicação das sanções para as empresas que infrinjam a lei anticorrupção.

A discricionariedade pública é definida pela ilustre e tradicional doutrina administrativista como a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente.” (Destaques).

No caso da lei anticorrupção, ainda que o novel decreto regulamentador tenha estabelecido critérios mais objetivos para a aplicação de penalidades, ao que parece, resta considerável margem de discricionariedade do administrador na aplicação (ou não) das penalidades às empresas sob investigação.

Em nosso entendimento, para que as penalidades atendam ao Due Process of Law, pilar fundamental do Estado Democrático de Direito, os Princípios Públicos que devem orientar o agente público na imposição de eventual multa decorrente da legislação em apreço são:

A) O Princípio da Legalidade (observância do administrador público à norma legislativa); B) O Princípio da Finalidade Administrativa (o agente deve aplicar a penalidade buscando ao propósito real da lei, independente das suas convicções pessoais); C) O Princípio da Razoabilidade (ainda que exista certo grau de discricionariedade, o administrador deve atender à lei e aos critérios de convencimento racional); D) O Princípio da Proporcionalidade (o agente deve resguardar a competência administrativa na medida de sua validade e na intensidade correspondente à finalidade pública); E) O Princípio da Motivação (segundo o qual, todo o ato deve possuir motivação anterior ou temporal à expedição do ato público); F) Princípio da Impessoalidade (o agente público deve conferir igual tratamento a todos os administrados, para não cometer injustiças fundadas em favoritismos ou beneficiamento de certo nicho sócio econômico), além de outros não menos importantes.

Certo é que a legislação e sua norma regulamentar conferem poder bastante amplo ao administrador público na fixação das penalidades, especialmente porque apenas delimita os patamares variáveis de incidência das sanções, deixando, contudo, à própria discricionariedade deste a avaliação e a aplicação – ou não – dos critérios punitivos, possibilitando que a penalidade se norteie pela conveniência política, por interesses escusos ou pela simples concorrência desleal de mercado.

É importante ponderar que na aplicação das penalidades legalmente previstas, a autoridade deverá considerar critérios de colaboração da empresa com as eventuais investigações em curso. Aliás, a efetividade da empresa junto aos Programas de Integridade, bem como o seu fomento institucional devem ser observados como formas salutares e positivas no combate à corrupção institucional, proporcionando aplicação de sanções menos gravosas às entidades sob investigação, conforme previsto no próprio Decreto Federal recém editado.

Importa salientar, aliás, que o Programa de Integridade mostra-se como principal fator de redução das penalidades administrativas previstas na lei anticorrupção, abatimento esse que poderá alcançar patamar de até 4% (quatro por cento) do valor da multa, de acordo com o artigo 18, inciso V, do decreto Federal 8.420/15.

Assim, muito embora haja, agora, critérios objetivos de aplicação de sanções, as balizas ainda permitem uma atuação subjetiva do agente administrativo, razão pela qual a atuação da empresa nos procedimentos de acompanhamento interno se mostra ainda mais importante, a fim de que as penalidades decorrentes da inovadora legislação sejam justas e compatíveis com a sua conduta.

Portanto, no entendimento de que a Lei Anticorrupção e seu Decreto Regulamentar complementam e especificam a lei Federal 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), é que se impõe a prudência, a cautela e o bom senso do administrador público nas investigações em curso e naquelas que ainda se pretendam realizar junto às pessoas jurídicas que mantenham contratos com o Poder Público, a fim de se evitar a lesão aos eminentes Preceitos Constitucionais, vetores da sociedade moderna.

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1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, in “Curso de Direito Administrativo”, Ed. Malheiros, 30 Ed: São Paulo, p. 988/989.

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*Rubens Approbato Machado, Ricardo Rodrigues Farias, Marcelo Rodrigues Ferreira Dias e Lucas Lazzarini são advogados da banca Approbato Machado Advogados.

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