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A suspensão do Whatsapp: os fins que não justificam os meios

Além de desproporcional, não há lógica que justifique a decisão. A punição a todos os usuários certamente não é o melhor caminho.

15/3/2015

No final de fevereiro, fomos surpreendidos novamente, como diria Mário Jorge Lobo Zagallo. Um juiz de primeira instância do Piauí determinou que operadoras de telefonia suspendessem, em todo o território nacional, o aplicativo Whatsapp.

Mas qual seria o motivo que levou à medida tão extrema? Ameaça à segurança nacional? Algum golpe de estado sendo tramado por grupos escusos do aplicativo? Estariam todos os usuários brasileiros do Whatsapp envolvidos no esquema investigado pela Lava Jato, sendo coagidos a fazer algum tipo de delação premiada por meio da proibição do uso do aplicativo, que certamente causaria muitas crises de abstinência?

Nenhuma das anteriores. Na verdade, não teria sido cumprida decisão do juiz determinando que a empresa proprietária do aplicativo colaborasse com investigações de um crime, supostamente cometido por determinados usuários do mesmo.

De fato, o suposto crime é de alta gravidade. Todavia, não há qualquer justificativa, tanto do ponto de vista jurídico quanto lógico, para a suspensão total do aplicativo em âmbito nacional.

Segundo determinada linha de argumentação, o artigo 12 da lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet), fundamentaria essa decisão, especialmente seus incisos III e IV.

“Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
(...).
III – suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou
IV – proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11”.

Primeiramente, deve-se levar em conta que tais sanções são as mais gravosas. O juiz tinha à disposição a aplicação das sanções previstas nos dois primeiros incisos: advertência e multa. São medidas que atingem apenas a empresa, e não os milhões de usuários.

De qualquer forma, os dois últimos incisos são claros ao permitir a suspensão ou proibição apenas das atividades previstas no artigo 11 da lei. Quais seriam essas atividades?

“Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros”.

Ou seja, o artigo 12, em combinação com o 11, é claro ao possibilitar a suspensão ou proibição apenas das seguintes operações, caso haja desrespeito à legislação brasileira: coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações.

A suspensão ou proibição total de um aplicativo por óbvio não encontra abrigo no Marco Civil; no caso do Whatsapp, a decisão não poderia atingir o livre tráfego de dados e comunicações, mas simplesmente a coleta, armazenamento, guarda e tratamento deles por meio da empresa proprietária.

Se houve descumprimento de decisão judicial, o magistrado tem à sua disposição uma série de sanções cíveis, e até mesmo criminais, para coagir a empresa que administra o aplicativo e seus funcionários à colaboração com a investigação. A punição a todos os usuários certamente não é o melhor caminho.

Além de desproporcional, não há lógica que justifique a decisão. A suspensão das atividades em todo o território nacional do Whatsapp não traria qualquer vantagem para a elucidação dos fatos investigados. O prejuízo seria enorme e as vantagens incertas.

O Tribunal de Justiça do Piauí decidiu, felizmente, conceder mandado de segurança para suspender a decisão de primeiro grau. De forma certeira, o Desembargador Relator comparou a situação a uma hipotética suspensão dos serviços dos Correios, caso a empresa estivesse se negando a colaborar com a investigação de um crime de tráfico de drogas que estivesse sendo cometido por meio do serviço de entrega de cartas e encomendas.

Se for seguido o raciocínio de que os fins justificam os meios, neste caso nem os fins seriam alcançados. Felizmente, por enquanto o aplicativo está liberado – pelo menos até uma próxima decisão megalomaníaca.

______________

*Marcelo Frullani Lopes é advogado graduado na USP, sócio do escritório Frullani Lopes Advogados.

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