Uma das metas do PNE era elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta.
Para atingir a meta de elevar a taxa de matrícula na educação superior da população de 18 a 24 anos era necessário ampliar o número de vagas nas faculdades e universidades mantidas pelo Poder Público, incluído o federal.
Como a ampliação do número de vagas em faculdades e universidades públicas exige investimentos, a União resolveu criar o ProUni com o escopo de caminhar em direção ao alcance da meta de elevar a taxa de matrículas na educação superior.
Por meio do ProUni, gerido pelo Ministério da Educação, são concedidas de bolsas de estudos integrais e parciais de cinquenta por cento, para cursos de graduação e sequenciais de formação específica ministrados por faculdades, centros universitários e universidades mantidas pela iniciativa privada, a estudantes brasileiros não portadores de diploma de curso superior, que tenham cursado o ensino médio completo em escola pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral.
As bolsas integrais são concedidas a estudantes cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até um salário mínimo e meio e as parciais aos estudantes cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até três salários mínimos.
Para incentivar as mantenedoras de instituições de ensino privadas a aderirem ao ProUni visando à concessão de bolsas de estudo integrais e parciais, a lei 11.096/2005 (assim como fazia a Medida Provisória 213/2004) concede isenção de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS).
Pois bem, aqui já se revela o primeiro problema: a lei 11.096/2005 porta-se como se estivesse concedendo incentivo fiscal a todas as mantenedoras de instituições de ensino superior, o que não é verdade.
Por determinação da Constituição Federal, as mantenedoras de instituições de educação sem fins lucrativos têm direito à imunidade do Imposto de Renda (alínea c do inciso VI do artigo 150).
Assim, para a mantenedora de instituição de educação sem fins lucrativos, a isenção do IRPJ não consiste em incentivo para aderir ao ProUni, porque ela já não o paga, dado que é imune.
Relativamente à CSLL, a isenção também não consiste em incentivo para a mantenedora de instituição de educação sem fins lucrativos aderir ao ProUni, porque ela não pratica o seu fato gerador.
A verdade é uma só: para essa mantenedora, somente a isenção da COFINS e do PIS consiste em incentivo fiscal para adesão ao ProUni visando à concessão de bolsas de estudos.
Sucede que a Receita Federal do Brasil (RFB) não reconhece a isenção do PIS, donde surge outro problema.
Consoante a RFB, a mantenedora sem fins lucrativos não tem direito à isenção do PIS concedida pelo artigo 8º da lei 11.096/2005, porque, em seu entender, essa isenção abrange somente o PIS incidente sobre o faturamento.
As mantenedoras de instituição de educação sem fins lucrativos pagam o PIS sobre a folha de salários. Logo, no entender da RFB, ao aderirem ao ProUni, somente têm direito à isenção da COFINS.
Para terem direito à isenção do PIS incidente sobre a folha de salários, em razão da adesão ao ProUni, essas mantenedoras precisam acionar o Poder Judiciário.
Já, as mantenedoras de instituição de educação sem fins lucrativos qualificadas como entidades beneficentes de assistência social mediante certificado expedido pelo MEC (antes era pelo CNAS) não tiveram incentivo fiscal algum para a adesão ao ProUni, porque a Constituição Federal assegura-lhes, também, direito à imunidade da COFINS e do PIS (§ 7º do artigo 195).
Em síntese: a verdade é que a isenção do IRPJ, da CSLL, da COFINS e do PIS somente constitui incentivo fiscal para adesão ao ProUni para as mantenedoras de instituições de educação com fins lucrativos.
Muitas mantenedoras de instituições de educação com fins lucrativos e sem fins lucrativos, beneficentes e não-beneficentes, aderiram ao ProUni sob a vigência da Medida Provisória 213/2004 e começaram a ofertar as bolsas de estudo do programa no primeiro semestre de 2005. Outras aderiram sob a égide da lei 11.096/2005 e começaram a ofertar bolsas no segundo semestre de 2005.
Depois da adesão, as mantenedoras se depararam com um problema: a obrigatoriedade de comprovação de quitação dos tributos e contribuições administrados pela Receita Federal, o que ocorre por meio de certidão negativa de débitos ou de certidão positiva com efeitos de negativa.
A Medida Provisória 213/2004 não exigia a apresentação de certidão negativa de débitos como condição para adesão ao ProUni, assim como também não exige a lei 11.096/2005, que resultou de sua conversão.
Ocorre que, em consonância com o § 3º do artigo 195 da Constituição Federal, a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não pode contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Em conformidade com o § 3º do artigo 195 da Constituição Federal, a lei 9.069/1995 estipula, em seu artigo 60, que a concessão ou o reconhecimento de qualquer incentivo ou benefício fiscal, relativos a tributos e contribuições administrados pela Receita Federal fica condicionada à comprovação da quitação de tributos e contribuições federais.
Diante disso, em 29 de junho de 2005, foi publicada a lei 11.128 estabelecendo até 31 de dezembro de 2005 para as mantenedoras atenderem ao disposto no artigo 60 da lei 9.069/1995, ou seja, apresentarem certidão negativa de débitos ou certidão positiva com efeitos de negativa, sob pena de desvinculação do ProUni, sem prejuízo para os estudantes beneficiados com as bolsas e sem ônus para o Poder Público.
Considerando-se que muitas mantenedoras não possuíam certidão, o prazo de 31 de dezembro de 2005 foi estendido quatro vezes: até 31 de dezembro de 2006, até 31 de dezembro de 2008, até 31 de dezembro de 2011 e, por fim, até 31 de dezembro de 2012.
A lei 11.128/2005 determina que, anualmente, ao final do ano-calendário, as mantenedoras devem apresentar a certidão para se manterem vinculadas ao ProUni.
Aqui se instaurou mais um problema: o artigo 60 da lei 9.069/1995 condiciona apenas a concessão ou o reconhecimento de qualquer incentivo ou benefício fiscal à comprovação da quitação de tributos e contribuições federais.
Entretanto, o MEC desvinculou do ProUni mantenedoras de instituições de educação sem fins lucrativos beneficentes de assistência social que não obtiveram isenção com a adesão ao programa, porque tinham e têm direito à imunidade do IRPJ, da COFINS e do PIS e não praticam o fato gerador da CSLL.
Afora todos esses problemas, as mantenedoras de instituições de educação com fins lucrativos e sem fins lucrativos não-beneficentes tiveram uma surpresa durante a execução do termo de adesão ao ProUni: a limitação da isenção ao preenchimento das vagas ofertadas para as bolsas de estudo do programa.
A Medida Provisória 213/2004 e, depois a lei 11.096/2005, que resultou de sua conversão, concederam a isenção o IRPJ, da CSLL, da COFINS e do PIS às mantenedoras de instituições de educação com fins lucrativos e de COFINS e PIS às mantenedoras de instituições de educação sem fins lucrativos não-beneficentes sem limitá-la à ocupação efetiva das bolsas ofertadas. Dessas últimas, a RFB não reconhece a isenção do PIS que pagam sobre a folha de salários.
Sucede que o criador do ProUni olvidou-se de considerar dois fatores: um, o não preenchimento de todas as vagas ofertadas para bolsas ProUni; dois, a evasão dos alunos ocupantes de vagas ofertadas para bolsas ProUni.
O não preenchimento das vagas ofertadas e a evasão demonstraram a desproporcionalidade das bolsas efetivamente ocupadas em relação à isenção concedida. Em 2009, o Tribunal de Contas constatou e informou à União que ela estava concedendo isenção como contrapartida por bolsas ofertadas e não efetivamente ocupadas.
Essa demonstração conduziu à edição da lei 12.431, publicada em 27 de junho de 2011.
A lei 12.431/2011 estipula que a isenção do IRPJ, da CSLL, da COFINS e do PIS deve ser calculada na proporção da ocupação efetiva das bolsas.
Em 13 de setembro de 2013, foi publicada a Instrução Normativa RFB 1.394, regulamentando a sistemática imposta pela lei 12.431/2011 e preconizando que todas as mantenedoras deveriam observar a Proporção de Ocupação Efetiva de Bolsas (POEB), apesar de terem celebrado o termo de adesão para o período de 10 (dez) anos, sem que essa exigência existisse.
Eis mais um problema: o termo de adesão foi celebrado por 10 (dez) anos nos termos da lei 11.096/2005 e a IN RFB 1.394/2013, desconsiderando o princípio da irretroatividade, mandava aplicar a nova regra, que limitou a isenção à proporção de ocupação efetiva das bolsas.
Em 02 de julho de 2014, foi publicada a Instrução Normativa RFB 1.476 determinando que a nova regra somente se aplica às mantenedoras que aderiram ao ProUni a partir de 27 de junho de 2011, data da publicação da lei 12.431.
A despeito desses problemas, as primeiras adesões, efetivadas sob a vigência da Medida Provisória 213/2014 e cujas bolsas começaram a ser ofertadas no primeiro semestre letivo de 2005, completaram seu tempo de vigência: dez anos.
Encerrada a vigência das adesões, muitas mantenedoras se depararam com a necessidade de decidir, em novembro de 2014, se iriam renová-las e celebrar um novo termo por mais 10 anos.
Presentes nas ponderações para a tomada de decisão pela renovação ou não da adesão esteve presente o fato de o ônus ser maior que o bônus, pois o Poder Público costuma exigir mais do que efetivamente concede.
Para as mantenedoras das instituições de educação sem fins lucrativos qualificadas como entidades beneficentes de assistência social, na decisão pesou o fato de as bolsas ProUni serem utilizadas como gratuidade para a renovação de suas certificações como tais pelo MEC.
A lei 12.101/2009, que prescreve os requisitos para certificação das mantenedoras de instituições de educação superior como entidades beneficentes de assistência social, estipula que somente serão aceitas como gratuidade as bolsas do ProUni e, excepcionalmente, serão aceitas bolsas fora desse programa, ou seja, bolsas da própria mantenedora, se não forem preenchidas as bolsas ofertadas no âmbito do ProUni e se for cumprida a proporção de uma bolsa integral para cada nove estudantes pagantes no ProUni.
Vê-se, pois, que, se a mantenedora da instituição de educação superior sem fins lucrativos qualificada, pelo MEC, como entidade beneficente de assistência social quiser manter-se como tal, a decisão somente pode ser pela renovação da adesão ao ProUni por mais 10 anos.
Ademais, a lei 11.096/2005 amarrou o ProUni ao Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (FIES), ao estabelecer que terão prioridade na distribuição dos recursos disponíveis as mantenedoras de instituições de direito privado que aderirem ao programa, o que influenciou na tomada de decisão das mantenedoras para a renovação da adesão por mais 10 anos.
Nos 10 anos de ProUni, completados em 2014, respondi muitas consultas de mantenedoras e constatei que algumas aderiram ao programa, e decidiram renovar a adesão em 2014, porque a oferta de bolsas de estudo, como forma de inclusão de estudantes carentes no ensino superior, integra seus programas de assistência social, independentemente de programa de Estado ou de governo.
Para o Estado ou governo, a renovação da adesão ao ProUni é uma maneira de caminhar na direção do alcance de uma das metas do PNE, atualmente, aprovado pela lei 13.005, publicada em 26 de junho de 2014, de elevar a taxa de matrícula na educação superior, sem a necessidade de ampliar vagas nas faculdades e universidades públicas.
A possibilidade de incluir mais jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior aumentará quando a União perceber que o critério socioeconômico para concorrer às bolsas de estudo do ProUni precisa ser alterado.
Ao longo destes 10 anos, verifiquei que a maior contribuição para o não preenchimento de todas as bolsas ofertadas é a insuficiência de público com renda familiar mensal per capita de até um salário mínimo e meio.
Muitos dos jovens entre 18 e 24 anos, hoje, que querem ingressar no ensino superior têm renda familiar mensal per capita superior a um salário mínimo e meio. O que não significa que consigam arcar com os custos de um curso superior, que não inclui apenas o valor da mensalidade escolar, sem prejudicar o seu sustento.
10 anos de ProUni revelaram ser necessária a elevação do critério socioeconômico para a efetiva ocupação de bolsas integrais, o que, por conseguinte, requer a elevação do critério para a concessão de bolsas parciais.
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* Maria Ednalva de Lima é advogada especialista em Direito Tributário e Educacional do escritório Maria Ednalva de Lima Advogados Associados e doutora em Direito Tributário pela PUC/SP.