A biotecnologia e a biotecnociência avançam com tamanha intensidade que nem mesmo o homem, destinatário de todos os seus recursos e benefícios, consegue acompanhar o ritmo da evolução. Quando ainda se está vivenciando uma nova técnica e procurando se ajustar a ela para atingir resultados cada vez mais satisfatórios, outra invade o mercado e dita regras mais precisas, com maiores chances de sucesso. "Praticamente todos os dias, adverte Moser, somos bombardeados com o anúncio de novas experiências e descobertas no campo da genética. Aquilo que ainda há 30 anos era apresentado como "problemas de fronteira", agora passa a ser problema do cotidiano"1.
É o caso, por exemplo, da reprodução humana assistida. A evolução da engenharia genética e os progressos científicos na área da reprodução têm solucionado a contento o problema da infertilidade, criando várias formas de procriação assistida, com a manipulação dos componentes genéticos dos dois sexos. As técnicas de procriação assistida, por meio da inseminação artificial e fecundação in vitro, culminando com a gestação de substituição, conhecida como barriga de aluguel, trazem grande esperança para os casais que pretendem a procriação, mas não atingem pela via natural. Não nos moldes, é claro, apregoado por Aldous Huxley, na fábula futurística do Admirável Mundo Novo, em que eliminou a figura do pai e da mãe e introduziu a criação de bebês manipulados em laboratório, nascidos de proveta.
A reprodução assistida carece de legislação ordinária para estabelecer todos os pressupostos e requisitos exigidos para sua prática. Isto porque a legislação sempre sucede a pesquisa e irá se posicionar somente quando a experiência for bem sucedida e receber a aprovação para ser utilizada na sociedade. Mesmo assim, o Código Civil brasileiro, em vigor a partir de 2002, em iniciativa exemplar, ensaiou os primeiros passos na regulamentação das inseminações e fecundações homóloga e heteróloga (art. 1597).
Mas não basta. As novas técnicas e procedimentos que vão se enfileirando nas clínicas de reprodução assistida necessitam de um ordenamento para regulamentá-los juridicamente e o instrumento utilizado pelo Conselho Federal de Medicina é justamente a edição de resolução, que vem a ser a fórmula encontrada para exteriorizar suas deliberações em assunto de sua competência, impondo uma ordem, estabelecendo procedimentos técnicos e éticos ou apontando uma medida a ser seguida por profissionais da área.
O Conselho Federal de Medicina editou a resolução 2013/2013 que, dentre outras previsões, estabeleceu no item dois dos princípios gerais: "As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente, e a idade máxima das candidatas à gestação de RA é de 50 anos". A mesma regra prevalece quando se tratar de doadora temporária de útero, possibilidade existente aos parentes dos parceiros interessados, num parentesco consanguíneo até o quarto grau (mãe, irmã, tia e prima), respeitando sempre o limite de idade de 50 anos, por força da mesma resolução.
Quer se pensar que a restrição à idade para a utilização das técnicas de RA tenha sido estabelecida por critérios médicos que norteiam a concepção tardia, porém, juridicamente, por se tratar de uma situação que envolve peculiaridades de cada mulher, não só em suportar a gravidez como levá-la a bom termo, fere o princípio constitucional da liberdade de planejamento familiar, assegurado no § 7º do artigo 226 da Constituição Federal. E o CFM, embora imbuído das melhores intenções, contrariou a regra hermenêutica que estabelece o ubi lex non distinguet, nemo distinguere potest. (onde a lei não criou qualquer limitação, ao intérprete não é lícito criar).
É indispensável, sem qualquer questionamento, que haja uma avaliação médica que comprove que a candidata à RA reúna condições de saúde para levar adiante a gravidez, no caso de ter idade superior a 50 anos. Até mesmo, em caso de mulher com idade inferior, muitas vezes não é recomendável o procedimento. Ora, se a intenção é favorecer e incentivar cada vez mais a procriação para os casais com problemas de infertilidade, e com relação a tal objetivo não paira qualquer dúvida porque conta com que o placet da Lei Maior, a restrição é de ser interpretada como abusiva e inconstitucional.
"A generalização do limite etário estabelecido na Resolução CFM 2013/2013, decidiu a desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, do TRF da 1ª Região, conquanto demonstre a preocupação do Conselho Federal de Medicina com riscos e problemas decorrentes da concepção tardia, desconsidera peculiaridades de cada indivíduo e não pode servir de obstáculo à fruição do direito ao planejamento familiar, a afetar, em última instância, a dignidade da pessoa humana"2.
Não se pode aplicar um marcador temporal para se estabelecer um limite para as atividades humanas, principalmente no momento em que se busca a ambicionada longevidade, lançando adiante a expectativa de vida. E não pode ser ignorado que a população idosa no Brasil cresceu significativamente nos últimos anos, levando consigo a realização de sonhos até então inatingíveis.
O próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em recente estudo, divulgou que ocorreu um aumento de 17,6% no número de mulheres que engravidou entre 40 e 44 anos, naturalmente, acarretando, em consequência, queda nas taxas de fertilidade, circunstância que favorece o controle populacional. Não se pode esquecer, finalmente, também o caso de Antonia Letícia Rovasti Asti, da cidade de Santos/SP, que após várias tentativas para engravidar, conseguiu, por meio da inseminação artificial, realizar o sonho de ser mãe de um casal de gêmeos, com a utilização de embriões congelados há uma década. Com 61 anos de idade.
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