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A análise de atos de concentração pelo Cade: o controle de operações com fulcro no art. 88º, §7º da lei 12.529/11

A análise da operação demonstra a preocupação do Cade com os atos de concentração, de notificação obrigatória ou não.

9/12/2014

A recente decisão do Cade, que aprovou sem restrições o ato de concentração1 envolvendo três grandes distribuidoras de asfaltos do país (Greca Distribuidora, Betunel e Centro Oeste Asfaltos), ressalta as prerrogativas do órgão antitruste, no que tange ao controle de concentrações no mercado. O ato de concentração em comento foi objeto de prévia notificação ad cautelam, na medida em que nenhum dos grupos envolvidos registrou, no ano de 2013, faturamento bruto equivalente ou superior a R$ 750.000,00, conforme determina o art. 88, I, da lei 12.529/112.

Contudo a notificação ad cautelam se justificou em razão de questões que traziam nebulosidade ao caso, tais como o próprio percentual de mercado que o novo grupo econômico deteria (cerca de 30% do market share), na hipótese de consumação da operação, a existência de cruzamentos societários entre os grupos e a presença de interlocking directorates3, entre sócios e administradores dos grupos. Com efeito, as partes submeteram – ad cautelam – o ato à análise do Cade, do qual surgem duas outras peculiaridades.

De início, vale ressaltar que o art. 88, §7º da lei 12.529/11 estabelece ao Cade a prerrogativa de, no prazo de 1 ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo:

§ 7o É facultado ao Cade, no prazo de 1 (um) ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo.

Com isso, numa intepretação literal da lei, somente após a consumação do Ato de Concentração o Cade poderia se valer desta prerrogativa. Deste modo, na notificação de ato de concentração as partes pediram pelo não conhecimento da operação pelo Cade.

Na medida em que a operação não era de notificação obrigatória, pois nenhum dos grupos econômicos envolvidos registrou, cumulativamente, os faturamentos previstos no art. 88º da lei 12.529/114, as partes pediram ao Cade para que não fosse analisado o mérito da operação, aprovando-o sem restrições. Analisando-se o teor da lei, de fato, a operação não precisava ser analisada previamente pelo Cade, pois os requisitos legais para isto não foram preenchidos.

Casos semelhantes foram feitos nos atos de concentração entre Singida Participações Ltda e Data Solutions Serviços de Informática Ltda5, e também entre BNDESPAR e Prática Participações S/A6. Nestes dois casos, o Cade alegou que a aplicação da legislação deveria ser realizada de forma objetiva, em estrita observância ao dispositivo legal.

Contudo, diferentemente destes dois últimos casos, notificados ad cautelam pelas partes envolvidas, o Cade optou por conhecer a operação e analisar o seu mérito, ainda que os requisitos do art. 88º da lei antitruste não fossem preenchidos. A Superintendência Geral do Cade fundamentou o conhecimento da operação ao alegar que "a operação enseja a necessidade de análises concorrenciais não triviais, dada a participação razoavelmente elevada das partes em alguns mercados".

Assim, com base no supracitado art. 88º, §7º da lei 12.529/11, o órgão antitruste entendeu pela relevância de se avaliar a potencialidade de efeitos anticompetitivos decorrentes da operação. De certo modo é questionável a aplicabilidade do art. 88, §7º da lei antitruste, na medida em que a operação não foi consumada pelas partes. Portanto, o prazo para que o Cade requeresse o ato de concentração para sua análise não tivera início e, em tese, o órgão não poderia requer um ato não consumado.

Independentemente da questionável legalidade desta decisão de conhecimento da operação, ainda que primada pela economia processual, pela primeira vez na história, desde a promulgação da atual lei antitruste, o Conselho analisou um ato de concentração cuja notificação não era obrigatória, com fulcro no art. 88º, §7º da lei 12.529/11.

A análise da operação demonstra a preocupação do Cade com os atos de concentração, de notificação obrigatória ou não. Acerca da prerrogativa prevista no art. 88, §7º da lei antitruste, leciona Caminati7:

“Trata-se de uma “válvula de escape” para que o Cade possa analisar atos de concentração envolvendo empresas com faturamento inferior ao índice de jurisdição, mas que, ainda assim, em razão das características específicas do mercado envolvido no negócio jurídico, tenham aptidão para causar efeitos anticompetitivos”.

Ademais, a título informativo, no dia 29/10/14 o Cade abriu a consulta pública 06/14, para propor a minuta de resolução que disciplinará o Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração ("APAC"). Embora ainda esteja em fase de análise, a resolução objetiva estabelecer parâmetros para a apuração de atos de concentração que se enquadrem no referido art. 88º §7º da lei 12.529/11, bem como aqueles de notificação obrigatória que não foram submetidos à análise da autoridade, conforme previsto no §3º do mesmo artigo:

Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:
(...)
§ 3o Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta lei.

A regulamentação da APAC trará maior segurança para casos como este e, de certo modo, reforça a atenção do Cade no que se refere aos atos de concentração de notificação obrigatória (não notificados), a prática de gun jumping, bem como atos de concentração cuja notificação não seja obrigatória.

Quanto ao mérito da operação em comento, a Superintendência Geral do Cade, ao analisar a probabilidade de exercício de poder de mercado por parte das envolvidas na operação, considerou como fundamental a questão da rivalidade no mercado, em especial, a análise da capacidade ociosa dos players daquele mercado.

Neste ponto, a Superintendência-Geral do Cade suscitou que "caso haja um aumento de preços por parte das requerentes, um desvio de demanda para os produtos dos fornecedores concorrentes só será possível se esses rivais possuírem capacidade ociosa suficiente para atender a demanda adicional pelos seus produtos".

Assim, ao analisar o mercado como um todo, o Cade constatou que o excesso de capacidade ociosa pode ser um importante fator para se inibir o exercício do poder de mercado, na medida em que "as empresas consideradas como as principais concorrentes das requerentes no mercado de produtos asfálticos possuem capacidade ociosa para absorver um desvio substancial de demanda das requerentes".

Em que pese esta constatação, alguns concorrentes suscitaram que as empresas envolvidas passariam a deter maior poder de mercado, alegando que os preços dos produtos poderão ser reduzidos e os prazos para pagamento seriam elevados. Contudo, tais argumentos foram bem vistos pelo Cade, na medida em que são revertidos para os consumidores, em prol da concorrência.

Desta forma, mesmo com a relativa concentração do mercado que a operação promoverá, diante dos fatos supracitados, a autoridade antitruste concluiu a análise do caso aprovando-o, sem restrições, na medida em que os demais concorrentes poderiam absorver a demanda por asfalto, caso os preços fossem elevados.

Com a aprovação da operação, o novo grupo econômico deterá cerca de 30% do mercado de distribuição de asfaltos e será a segunda maior distribuidora de asfaltos do país, ficando atrás apenas da Petrobras Distribuidora, que em 2007 adquiriu a antiga Ipiranga Asfaltos, a qual passou a se chamar Stratura.

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1 Autos nº 08700.006497.2014-06
2 Valores atualizados pela Portaria Interministerial nº 994, de 30-5-2012, dos Ministérios da Justiça e da Fazenda. Disponível em: https://www.cade.gov.br/upload/Portaria%20994.pdf, acesso em: 27 de nov. 2014.
3 Segundo a OCDE (OCDE, 2008 apud RAGAZZO, 2010): “O conceito de interlocking directorates” diz respeito a situações nas quais uma ou mais pessoas possuem responsabilidades executivas em uma ou mais companhias que concorrem entre si. Interlocking directorates podem gerar preocupações concorrenciais particularmente porque diretores compartilhados ?podem se tornar condutores para trocas de informações entre concorrentes e facilitar a coordenação; eles também podem levar à exclusão de rivais.” (Organization for Economic Cooperation and Development (OECD). Minority shareholdings. Competition Committee Policy Roundtables. 2008, p. 11. Disponível em: <https://www.oecd.org/dataoecd/40/38/41774055.pdf>. Acesso em: 12. Nov. 2014. Tradução livre).
4 Estes valores poderão ser reajustados por meio de portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça, conforme determina o art. 88º, §1º da Lei nº 12.529/2011.
5 Autos n° 08700.000258/2013-53
6 Autos nº 08700.007119/2012-70
7 CARVALHO, Vinícius Marques de. O novo SBDC como um desenho institucional mais eficiente para a implementação da política brasileira de defesa da concorrência. In: CARVALHO, Vinícius Marques de; CORDOVIL, Leonor; BAGNOLI, Vicente; ANDERS, Eduardo Caminati: Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada – Lei 12.529, de 30 de Novembro de 2011. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011. cit. pag. 214.
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*Filipe Ribeiro Duarte é advogado do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

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