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Separação-lázara

A ressurreição legal da separação judicial, no novo CPC, para além de desconsiderar o trajeto histórico que conduziu à emenda 66/2010, altera o próprio sistema constitucional advindo pela emenda. Uma separação tipo-Lázaro.

8/12/2014

Na última quinta-feira, 4, o projeto do novo CPC, na Comissão Especial do Senado, foi aprovado por votação simbólica, sem quaisquer contestações. Agora vai a plenário, e assim deve ser votado quarta-feira próxima, 10, às 11h, em sessão extraordinária.

Interessa urgente que o conhecimento jurídico da lei não seja reservado apenas aos juristas. Interessa também à sociedade civil, destinatária da norma, que seja a lei por ela melhor conhecida e acessível; operando-se, de tal maior ciência e exercício, a plena efetividade dos avanços do sistema legal.

Assim sucede com o divórcio direto, no seu novo modelo jurídico existente desde 2010, tal como introduzido na Constituição pela emenda 66, a encerrar o dualismo legal então existente segundo a redação primitiva do parágrafo 2º do art. 226 da Magna Carta. O vetusto texto implicava o divórcio a uma prévia separação judicial por mais de um ano ou, alternativamente, à separação de fato, por mais de dois anos, exigida a comprovação temporal.

Com a emenda 66, o casamento é dissolvido pelo divórcio, formulado (i) sem qualquer prazo mínimo da união existente; (ii) sem necessidade de qualquer causa motivadora eficiente, (iii) sem exigência de imputação de culpa ao outro cônjuge; (iv) sem exigência de prévia separação judicial ou administrativa e (v) sem prévia partilha dos bens.

Diante de tal emenda à Constituição, "ficaram não recepcionadas as normas de direito material e de direito processual que tratavam do instituto jurídico da separação judicial" (STRECK, 2014).

Nessa linha posicionou-se a melhor doutrina, a tanto que o projeto original do Senado Federal (PLS 166/10) do novo CPC, conforme proposta de Comissão Especial presidida pelo Ministro Luiz Fux, do STF, houve de entender não mais possível o dualismo de ações judiciais para findar, em seus efeitos jurídicos, uma mesma união desfeita, assim expungindo do estatuto a anacrônica separação judicial.

Na Câmara dos deputados o projeto recebeu diversas modificações pontuais, uma delas, surpreendentemente, para reintroduzir a separação, abolida pela emenda nº 66/10. Em seu retorno à Casa de Origem, o referido PLS 166/10 obteve na sua tramitação final, o relatório do senador Vital do Rêgo, que manteve a maioria das mudanças oferecidas pelos deputados.

No ponto, as emendas senatoriais de nº 61, do senador Pedro Taques; de nº 129, do senador João Durval, e as de nºs. 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142 e 143 do senador Antônio Carlos Valadares, cuidaram dos artigos 23, inciso III; 53, inciso I; 189, inciso II; 708, 746, 747 e 748 e Seção IV do SCD e, com extrema acuidade técnica, insurgiram-se contra a referência à separação judicial (em todas as suas modalidades) como forma de dissolução da sociedade conjugal ao longo do texto do substitutivo da Câmara.

Pois bem: o relator, no exame de tais emendas, admitiu, de pronto, como "pacífico que, após a emenda à Constituição nº 66, de 2010, não há mais qualquer requisito prévio ao divórcio. A separação, portanto, que era uma etapa obrigatória de precedência ao divórcio, desvestiu-se dessa condição". Entretanto, optou por rejeitá-las, sob a equivocada premissa de suposta divergência doutrinária significante.

Na hipótese, aludiu ao enunciado nº 544-Jornadas de Direito Civil, pela não extinção da separação judicial, quando consabido que tal entendimento apresentou-se eventual e episódico, não traduzindo, aliás, o aludido verbete a posição da maioria absoluta dos civilistas do país.

De fato, não é o que sustenta a comunidade jurídica, a exemplo do consagrado jurista Lênio Streck, para quem é inconstitucional "repristinar" a separação judicial no Brasil. Ele defende que devemos deixar a separação judicial de fora do novo CPC em nome da Constituição. Bem de ver, a propósito, que ao cabo de quatro anos, desde a emenda nº 66/2010, as separações (judiciais ou por escritura) sobrevivem apenas por mera insciência popular da nova ordem jurídica e ficam reduzidas ano a ano: 68 mil, diante de 243.224 divórcios (2010); e 8 mil, diante de 351.153 divórcios (2011), quando os divórcios cresceram 45,6% em relação a 2010 e as separações foram mínimas.

Como destaca Streck, a ressurreição legal da separação judicial, no novo CPC, para além de desconsiderar o trajeto histórico que conduziu à emenda nº 66/2010 (inclusive sua própria exposição de motivos), altera o próprio sistema constitucional advindo pela emenda. Uma separação tipo-Lázaro – diz ele.

Realmente: a nova ordem processual não pode permitir uma "separação- lázara", deixando morta a constitucionalidade do instituto ressuscitado.

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*Jones Fiqueirêdo Alves é desembargador decano do TJ/PE. Diretor nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, onde coordena a Comissão de Magistratura de Família.


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