Migalhas de Peso

A impugnação ao cumprimento de sentença e a garantia da execução no projeto de novo Código de Processo Civil

Parece evidente, e é até mesmo expresso, o intuito do projeto de termos um processo satisfativo, efetivo e tempestivo, sempre com vistas à obtenção da tutela jurisdicional.

4/12/2014

Em artigo de minha coautoria, publicado no Migalhas em 21 de agosto de 2013, tratou-se (com base na redação que, na época, imaginava-se seria votada naquele mesmo dia pela Câmara dos Deputados) das principais mudanças previstas no projeto de novo Código de Processo Civil para o cumprimento de sentença (Medeiros Neto & Gomes, 2013).

Como ali salientado, parece evidente, e é até mesmo expresso, o intuito do projeto de termos um processo satisfativo, efetivo e tempestivo, sempre com vistas à obtenção da tutela jurisdicional. Sobre esse tema, importante o ensinamento de ARLETE INÊS AURELLI, no sentido de que “para obter a efetividade da jurisdição, o processo deve atuar em perfeita sintonia com o direito material, com a realidade social, através de meios adequados a garantir os direitos do indivíduo” (Aurelli, 2013, p. 129). Em outras palavras, tutela jurisdicional é resultado, deve promover “efeitos substanciais (jurídicos e práticos) (...) em favor do vencedor” (Yarshell, 2006, pp. 23-24).

Reconhecendo esse claro intuito do projeto, já naquela oportunidade chamou-se a atenção para alguns dos seus mais relevantes pontos no que se refere ao novo cumprimento de sentença, quais sejam:

(a) positivação do entendimento jurisprudencial corrente de que, via de regra, o cumprimento de sentença será feito na pessoa do advogado da parte (PCPC-C, art. 5271);

(b) possibilidade de se levar a protesto a sentença condenatória transitada em julgado, visando a compelir o devedor a adimplir a obrigação (PCPC-C, art. 531);

(c) disposição legal expressa de que questões atinentes à validade do cumprimento de sentença podem ser alegadas e decididas nos próprios autos (PCPC-C, art. 532);

(d) manutenção da multa do atual art. 475-J do Código de Processo Civil, mas com expressa previsão de que será aplicável mesmo no cumprimento provisório de sentença e de que o depósito não é considerado ato incompatível com a interposição e processamento do recurso que confere provisoriedade ao cumprimento de sentença (PCPC-C, arts. 534 e 537, §1º);

(e) desnecessidade de penhora ou garantia do juízo para que o executado oponha impugnação, sendo certo que seu prazo começa a correr assim que decorrido o prazo de quinze dias para pagamento espontâneo (PCPC-C, arts. 537 e 539); e

(f) previsão legal expressa de que a coisa julgada inconstitucional pode ser fundamento para a impugnação ao cumprimento de sentença desde que a decisão do Supremo Tribunal Federal tenha sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão executada (PCPC-C, art. 539, §12).

A previsão indicada no item (e), acima, pode particularmente trazer o questionamento de se haverá de fato, com essa redação, evolução para um processo mais eficiente ou, ao contrário disso, se corresponderia a um retrocesso. Afinal, se pela previsão legal atualmente vigente o prazo para que o devedor impugne o cumprimento de sentença só tem início depois que o juízo estiver garantido, não seria desfavorável à efetividade do processo permitir que a impugnação possa ser apresentada antes disso?

Sobre esse tema, traçando um pertinente histórico, relevante verificar que a redação original do Código de Processo Civil de 1973, antes da reforma de 1994, estabelecia, no caput do art. 737, que tanto na execução de título judicial, como na execução de título extrajudicial não eram admissíveis embargos do devedor antes de garantido o juízo (Theodoro Júnior, 2005, pp. 319-320). O prazo para embargos era, então, na execução de pagar quantia certa, de dez dias contados da intimação da penhora, nos termos da redação original do art. 738 e seus incisos.

Ainda de acordo com essa redação, os embargos seriam recebidos com efeito suspensivo (redação original do inc. I do art. 791) quando a execução se fundasse em sentença e o devedor alegasse determinadas matérias previstas em lei (art. 741). Não havia previsão equivalente no capítulo referente à execução fundada em título executivo extrajudicial (redação original dos artigos 744 e 745 do Código de Processo Civil) mas, para HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, a mesma regra se aplicava para esses casos (Theodoro Júnior, 2005, pp. 323-324).

A lei 8.953/94 alterou essa sistemática para uniformizar os efeitos dos embargos, estabelecendo que eles seriam sempre recebidos com efeito suspensivo (redação dada pela lei n. 8.953/1994 ao §1º do art. 739), mantendo-se a necessidade de garantia do juízo para sua oposição.

Posteriormente, a lei 11.232/05 criou o cumprimento de sentença como fase do processo, dando-lhe o seu tratamento atualmente em vigor. Determinou que na execução de título executivo judicial, via de regra, a impugnação não terá efeito suspensivo, mas referido efeito poderá ser atribuído pelo magistrado desde que: (i) sejam relevantes seus fundamentos; e (ii) o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação (CPC, art. 475-M, caput).

A redação atual do Código de Processo Civil também é clara ao estabelecer que, ainda que sob o efeito suspensivo, o cumprimento de sentença poderá prosseguir, inclusive com atos expropriatórios, desde que seja prestada caução suficiente e idônea (CPC, art. 475-M, §1º).

Já com relação à execução de título extrajudicial, a atual redação do Código de Processo Civil dada pela lei 11.382/06, é clara ao estabelecer que seus embargos não terão efeito suspensivo, mas referido efeito poderá ser-lhe atribuído pelo magistrado desde que: (i) sejam relevantes seus fundamentos; (ii) o prosseguimento da execução possa manifestamente causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação; e (iii) a execução já esteja garantida (CPC, art. 739-A, caput e §1º).

Para fins de dar a máxima eficácia possível ao processo executivo, ainda enquanto perdurar o efeito suspensivo dos embargos o §6º do art. 739-A do Código de Processo Civil permite a efetivação dos atos de penhora e a avaliação de bens.

O fato de a lei que alterou a execução de título extrajudicial ser posterior àquela que criou o cumprimento de sentença fez com que surgissem opiniões no sentido de que a lei 11.382/06 deveria se aplicar também ao cumprimento de sentença, permitindo sua impugnação sem a garantia do juízo:

A Lei 11/232/2005 não chegou a condicionar expressamente a defesa à prévia garantia do juízo, já que foi omissa a respeito, conquanto tenha estabelecido o termo inicial para a impugnação a contar da intimação da penhora. Já a Lei 11.382/2006 afastou a constrição judicial como pressuposto da defesa do executado.
O desenho da lei 11.382/2006, posterior, portanto, ao regramento da Lei 11.232/2005, inovou no sistema de defesa ao executado, atento aos reclamos doutrinários e jurisprudenciais que já haviam relativizado a regra da segurança patrimonial. (...)
Com o advento da Lei 11.382/2006 e o definitivo afastamento do requisito da prévia garantia do juízo, adapta-se a execução de título judicial, de modo que a impugnação poderá desde logo ser apresentada, respeitado o termo final que será o decurso do prazo de 15 dias a contar da futura intimação da penhora
.” (Cianci, 2008, pp. 397-399)

Este não foi, no entanto, o entendimento que prevaleceu na doutrina e na jurisprudência (sem prejuízo das eventuais consequências da oposição da impugnação antes de seguro o juízo, tema que será tratado adiante).

De fato, o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência atualmente é o de que o prazo para oposição de impugnação ao cumprimento de sentença, com base na legislação em vigor, é sempre de quinze dias contados da intimação do executado do auto de penhora e avaliação (CPC, art. 475-J, §1º), de modo que não há dúvidas de que a impugnação somente é cabível se o cumprimento de sentença estiver garantido. Isso significa dizer, também, que a garantia do juízo no cumprimento de sentença não é visto hoje exatamente como um requisito para que possa ser dado efeito suspensivo à sua impugnação, porque é, antes disso, um requisito de admissibilidade da própria impugnação.

Essa diferença no que se refere ao cumprimento de sentença existe porque, para a execução de título extrajudicial, os embargos podem ser opostos independentemente de garantia do juízo, como determina o caput do artigo 736 do Código de Processo Civil, nos termos da redação que lhe foi dada pela mesma lei 11.382/06.

De fato, veja-se que, depois do advento das leis 11.232/05 e 11.382/06, passaram a haver regramentos diferentes para a admissibilidade e concessão de efeito suspensivo na impugnação ao cumprimento de sentença e nos embargos à execução:

(a) a garantia do juízo continuou sendo requisito de admissibilidade da nova impugnação ao cumprimento de sentença, e esta não tem, via de regra, efeito suspensivo, exceto se presentes alguns requisitos (um dos quais não é a garantia do juízo, já que o juízo já tinha que estar garantido para que a impugnação pudesse ser oposta); e

(b) a garantia do juízo deixou de ser requisito de admissibilidade para os embargos à execução, e estes não têm, via de regra, efeito suspensivo, exceto se presentes alguns requisitos (um dos quais é a garantia do juízo).

Fato é que, apesar de ainda bastante recente a experiência do cumprimento de sentença no Brasil (em oposição à execução de título judicial), e apesar de o sincretismo proposto pela lei 11.232/05 ainda causar a sensação de novidade, essa sistemática parece já estar arraigada na cultura jurídica brasileira, fruto de profunda modificação sistêmica que virou lei após amplo debate de projeto originalmente de ATHOS GUSMÃO CARNEIRO. Como lembra ADA PELLEGRINI GRINOVER:

Decorrente de projeto de Athos Gusmão Carneiro, amplamente debatido no Instituto Brasileiro de Direito Processual e, depois, com a comunidade jurídica, a Lei 11.232/2005 traz profunda modificação em todo o direito processual brasileiro e em seus institutos. A principal característica da lei – denominada de cumprimento de sentença – consiste na eliminação da figura do processo autônomo de execução fundado na sentença civil condenatória ao pagamento de quantia certa, generalizando o disposto nos arts. 461 e 461-A do CPC. Agora, a efetivação dos preceitos contidos em qualquer sentença civil condenatória se realizará em prosseguimento ao mesmo processo no qual esta for proferida.” (Grinover, 2006, p. 15)

Mais do que ter um intuito meramente saudosista, a passagem acima mostra que a escolha do legislador foi pertinente na ocasião, tanto que a separação entre a execução de título extrajudicial e o cumprimento de sentença continua existindo como antes, e as principais características do cumprimento também restam mantidas, seja na redação do Senado, seja na redação da Câmara dos Deputados.

Mas o que mudará então, efetivamente, no que se refere à necessidade de garantir o juízo para impugnar o cumprimento de sentença ou para obter efeito suspensivo, caso o projeto de novo Código de Processo Civil seja aprovado?

Em primeiro lugar, vale ressaltar que há diferença de redação entre o projeto aprovado pelo Senado e o aprovado pela Câmara dos Deputados.

De acordo com a redação do Senado, o executado poderá opor impugnação nos próprios autos no prazo para o pagamento voluntário (PCPC-S, art. 511, caput), que é de quinze dias contados de sua intimação para pagar o débito (PCPC-S, arts. 509, caput e 511, caput). Em outras palavras, o prazo para impugnação será o mesmo prazo para pagamento.

Já pela redação aprovada pela Câmara dos Deputados, diferentemente, o prazo para que o executado oponha a impugnação ao cumprimento de sentença será de quinze dias contados do fim do prazo para pagamento, que é de quinze dias a contar da intimação do executado para pagar o débito (PCPC-C, arts. 537, caput e 539, caput).

De qualquer modo, tanto se aprovada a versão do Senado, como se aprovada a versão da Câmara, a impugnação poderá ser oposta independentemente de garantia do juízo (PCPC-S, art. 511, caput, e PCPC-C, art. 539, caput).

Não há dúvidas de que em ambos os casos há alteração da sistemática atualmente vigente, tanto com relação ao prazo, quanto com relação à necessidade, ou não, de garantia do juízo para que possa ser oposta a impugnação. Hoje, como se viu, nos termos do artigo 475-J, §1º, do Código de Processo Civil, o prazo para opor impugnação é de quinze dias a partir da intimação do executado do auto de penhora e avaliação.

Fica claro, então, que de acordo com o projeto, passará a ser desnecessária a penhora para que possa ser oposta a impugnação ao cumprimento de sentença.

De acordo com a redação da Câmara dos Deputados, especificamente, “a apresentação de impugnação não impede a prática dos atos executivos, inclusive os de expropriação”, mas o juiz poderá conceder efeito suspensivo à impugnação desde que: (i) haja requerimento do interessado; (ii) haja garantia do juízo; (iii) sejam relevantes seus fundamentos; e (iv) o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação (PCPC-C, art. 539, §5º).

Como se vê, segundo esta versão do projeto, a garantia do juízo deixa de ser requisito de admissibilidade da impugnação para se tornar requisito para concessão do efeito suspensivo.

De qualquer forma, a versão da Câmara também determina que a atribuição de efeito suspensivo não impede a prática de novos atos de penhora nem a avaliação dos bens (PCPC-C, art. 539, §5º, parte final), bem como não impede o prosseguimento da execução, desde que o exequente preste caução (PCPC-C, art. 539, §8º).

A versão do Senado, por sua vez, estabelece que, para que seja concedido efeito suspensivo à impugnação (i) sejam relevantes seus fundamentos; e (ii) o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação (PCPC-S, art. 511, §2º).

Ou seja, de acordo com a versão do Senado, a garantia do juízo não consta do art. 511 nem como requisito nem de admissibilidade da impugnação ao cumprimento de sentença, nem da concessão de efeito suspensivo ao cumprimento de sentença. Com relação à possibilidade de prosseguimento da execução após a concessão de efeito suspensivo, há na redação do Senado a previsão de que isso será possível desde que o exequente preste caução (PCPC-S, art. 511, §3º).

Já para os embargos à execução, a redação da Câmara dos Deputados permite ao executado opô-los independentemente de penhora (PCPC-C, art. 930, caput), mas aos embargos, via de regra, não será atribuído efeito suspensivo, exceto se: (i) estiverem presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada; e (ii) a execução estiver garantida (PCPC-C, art. 935, caput e §1º). Há a previsão de que o efeito suspensivo não impede novos atos de penhora nem a avaliação dos bens (PCPC-C, art. 935, §5º). Sob esse aspecto, a redação da Câmara não se afastou substancialmente do que já previa a redação do Senado (PCPC-S, arts. 870, caput e 875, caput, §1º e §5º).

Então, com base nas diferenças entre a situação atual e as propostas, pode-se dizer que se estaria facilitando a situação do devedor no cumprimento de sentença ou na execução? É importante lembrar que a consequência dessa maior facilidade ao devedor poderia corresponder a uma menor possibilidade de prestação de tutela jurisdicional ao credor, que tem direito de ver, tempestivamente, o resultado prático das atividades jurisdicionais executivas.

No que tange os embargos à execução de título extrajudicial, esse entendimento não parece ser correto, seja para a redação da Câmara dos Deputados, seja para a redação do Senado. De fato, nesses casos nada muda com relação à sistemática atualmente vigente, pois a garantia do juízo continua não sendo requisito para que se possa opor os embargos, mas continua sendo requisito para que se possa conceder efeito suspensivo aos embargos.

Já no que tange a impugnação ao cumprimento de sentença, hoje a sistemática é de que a garantia do juízo é requisito para que possa ser oposta a impugnação e, portanto, já estará presente quando do pedido de que lhe seja concedido efeito suspensivo.

O que parece não ser possível admitir é que a garantia do juízo não seja requisito nem mesmo para que seja concedido efeito suspensivo à impugnação. Se em cognição exauriente, na fase de conhecimento, o credor já obteve decisão favorável, não faz sentido que o devedor possa obstar o cumprimento de sentença incidentalmente na impugnação sem antes garantir o juízo. Não bastasse se tratar de retrocesso quando se analisa o histórico da legislação sobre esse assunto, também não está de acordo com uma análise contemporânea do que deve ser considerado tutela jurisdicional (Bueno, Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, 2014, p. 264 e ss.).

Como se viu, nos termos da legislação atualmente em vigor, o título executivo judicial é valorizado em comparação com o título executivo extrajudicial, pois somente pode ser impugnado após a garantia do juízo, enquanto que o título extrajudicial, pode ser embargado ainda que o juízo não esteja garantido.

Essa preferência que a legislação processual confere, atualmente, ao título executivo judicial, tem razão de ser. Um título executivo formado mediante o exercício, pelo Estado, da atividade jurisdicional cognitiva, deve estar menos sujeito a ser questionado sem que, antes, o jurisdicionado garantia seu cumprimento para caso suas razões não prevaleçam.

De acordo com a redação proposta pela Câmara dos Deputados, como se viu, em comparação com a regulamentação atual, a garantia do juízo deixa de ser requisito de admissibilidade da impugnação ao cumprimento de sentença para se tornar requisito para que lhe seja concedido efeito suspensivo.

Será que aqui houve um retrocesso? Relembre-se que, de acordo com essa redação, a impugnação ao cumprimento de sentença poderá ser oposta sem garantia, ainda que continue sendo necessária a garantia do juízo para a concessão do efeito suspensivo.

A questão é pertinente, e para respondê-la é preciso saber se a mera possibilidade de oposição da impugnação antes da garantia do juízo torna menos eficaz a atividade jurisdicional executiva.

Parece que, em teoria, a resposta é não – a mera defesa do executado, ainda que sem a garantia do juízo, não é capaz de tornar menos eficaz o cumprimento de sentença, pois não deve interferir no processamento deste. Afinal, o que interessa ao processamento do cumprimento de sentença não é se há ou não impugnação, mas sim se a impugnação tem ou não efeito suspensivo.

Isso equivale a dizer que se não há impugnação, ou se a impugnação não tem efeito suspensivo, o cumprimento de sentença deve ser processado da mesma forma.

Se é assim, obrigar o executado a garantir o juízo para impugnar é inócuo para fins de garantir a tutela jurisdicional executiva, porque se o executado não pretende cumprir voluntariamente a obrigação, muito provavelmente também não submeterá voluntariamente seu patrimônio a garantir o juízo apenas para poder impugnar o cumprimento de sentença.

Em outras palavras, o que ocorre no sistema atual não é que o executado se apressa em garantir o juízo para que possa satisfazer sua obrigação. Na verdade, se ele não pretende pagar, basta que fique inerte e aguarde eventual penhora para opor a impugnação. Na prática, isso atrasa o resultado final esperado, pois em vez ser obrigado a atuar desde já, impugnando a execução no que considera pertinente, o executado pode aguardar e fazer isso só depois que o credor e o Poder Judiciário já desenvolveram inúmeras atividades para atingir seu patrimônio.

Fazer com que o executado tenha que impugnar o cumprimento de sentença desde logo, ainda que sem garantir o juízo, não nos parece conferir-lhe uma benesse. Pelo contrário, faz com que ele tenha que lidar desde logo com o processo e lhe obriga a adiantar eventuais problemas que enxergue no cumprimento de sentença.

Resumindo, fazer com que o executado tenha o ônus de impugnar assim que intimado do cumprimento de sentença, sob pena de preclusão, ainda que sem garantir o juízo, não diminui a efetividade da execução (já que, é pouco provável que o executado garanta voluntariamente o juízo apenas para poder impugnar), mas obriga o executado a fazê-lo desde logo, tirando-lhe o conforto da inércia que a impugnação posterior, apenas quando fossem localizados seus bens, lhe permitiria. Por isso, parece que impor ao executado o ônus processual de impugnar o cumprimento de sentença desde logo, ainda que sem garantir o juízo, é mais útil à prestação da tutela jurisdicional do que ao executado.

Por outro lado, reitere-se, de acordo com a redação do projeto aprovada pela Câmara, enquanto não houver garantia do juízo não poderá haver efeito suspensivo, de modo que, o cumprimento de sentença poderá prosseguir.

Vale lembrar ainda que, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, mesmo no sistema atual, a apresentação de impugnação antes da penhora não significa necessariamente que ela será liminarmente indeferida, nem que a matéria ali tratada precluirá. Veja-se nesse sentido, o entendimento de ARAKEN DE ASSIS, fundado em decisão do Superior Tribunal de Justiça:

A falta de penhora não é causa de imediato indeferimento da impugnação. Este fato posterga o juízo da admissibilidade da impugnação à oportuna e ulterior efetivação da penhora, oportunidade em que o juiz outorgará ou não efeito suspensivo à oposição (art. 475-M). Neste sentido, já decidiu a 3ª Turma do STJ que, apresentados antes da penhora, ‘se adia o processamento dos embargos, que devem aguardar esteja seguro o juízo’. Por identidade de motivos, a orientação se aplica à impugnação.” (Assis, 2010, p. 270)

Como se não bastasse isso, também não se pode esquecer que, seja pela sistemática atual, seja pela sistemática dos projetos (PCPC-C, art. 532, e PCPC-S, art. 504), o devedor sempre poderá fazer uso da chamada exceção de pré-executividade para levar aos autos muitas das questões que seriam objeto de impugnação, como já se considerou quando do advento da lei n. 11.232/2005, sempre com base também no entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“(...) estaria obrigado o devedor a aguardar a realização do ato constritivo para, somente após, impugná-lo?
Entendemos que não. Parece-nos, no ponto, persistir a validade do entendimento doutrinário e jurisprudencial que se construiu em relação à exceção de pré-executividade. Tal como antes, nada impedirá que o devedor compareça antecipadamente nos autos, antes de formalizada qualquer constrição, para arguir matérias que configurem típicas objeções, como vinha sendo reconhecido, até então pela jurisprudência do STJ, em sede de processo executivo autônomo. Mas é preciso, assim como antes, alertar: não comportará o incidente de pré-executividade qualquer indagação ou dilação probatória, ficando eventual atividade instrutória reservada à prova da impugnação, nos termos do art. 475-M, §2º, do CPC. Absolutamente necessário, portanto, que a arguição se revista de liquidez e certeza, originária (ou seja, quando do requerimento) e sucessiva (quando da decisão, vis-a-vis da resposta do credor), prevalecendo o entendimento, pois, segundo o qual inviável a produção de prova nesta sede
.” (Knijnik, 2006, pp. 150-151)

A possibilidade de manejo da exceção de pré-executividade em alguns casos, antes da penhora e independentemente de embargos, também já era defendida por SÉRGIO SHIMURA ainda antes da entrada em vigor da lei 11.232/05 (Shimura, 2005, pp. 94-110), entendimento este que, tudo leva a crer, deve prevalecer ainda que aprovado um novo Código de Processo Civil.

O mesmo vale para o ajuizamento de ações autônomas contra o cumprimento de sentença, apesar de ser absolutamente excepcional a possibilidade que estas tenham o condão de suspender o seu processamento (Júnior, 2009, pp. 134-135).

Assim, sob esse ponto de vista, a verdade é que parece não ser possível dizer que haja, necessariamente, uma grande diferença prática entre o que determina a redação do projeto segundo a Câmara dos Deputados e a redação atual do Código de Processo Civil.

No entanto, infelizmente a redação da Câmara dos Deputados parece ter um entrave de outra ordem à efetividade do cumprimento de sentença a respeito do qual é absolutamente imperioso tecer alguns comentários. Ele se encontra no art. 539, que determina que a impugnação será oposta nos próprios autos do cumprimento de sentença.

Atualmente o §2º do art. 475-M, do Código de Processo Civil, determina que a impugnação deverá ser juntada nos próprios autos do cumprimento de sentença apenas caso lhe seja conferido o efeito suspensivo. Caso contrário, a impugnação deverá tramitar em autos apartados. A lógica dessa sistemática é que, se não há efeito suspensivo, o cumprimento de sentença deve prosseguir normalmente e, portanto, não é possível processar e julgar a impugnação nos mesmos autos do cumprimento de sentença sem prejuízo da efetividade das atividades jurisdicionais executivas.

De fato, do ponto de vista prático, parece que discutir o mérito de uma impugnação (praticar atividades jurisdicionais cognitivas) e satisfazer o cumprimento de sentença (praticar atividades jurisdicionais executivas) em um mesmo processo, não é viável e será prejudicial à efetividade da tutela jurisdicional.

Dessa forma, parece que a determinação de que a impugnação deve, em qualquer caso, tramitar nos próprios autos do cumprimento de sentença, tem potencial de ser mais prejudicial à efetividade da execução do que a possibilidade de que seja oferecida a impugnação antes de garantido o juízo.

O importante, nesse sentido, é que as novas regras processuais para o cumprimento de sentença não constituam sistema processual que exerça influência negativa sobre a tutela jurisdicional. Como já teve oportunidade de tratar DALMO DE ABREU DALLARI, como um “vício que afeta gravemente a mentalidade jurídica brasileira e se reflete com muita clareza no desempenho do Poder Judiciário”, de modo que a efetividade deve sempre ser levado em consideração quando da reforma ou substituição de diplomas legais (Dallari, 2010, pp. 105-112).

Assim, por ora, resta ao intérprete e aplicador das leis processuais civis analisar questões como as debatidas neste texto, e tantas outras despertadas com a possibilidade de um novo Código de Processo Civil, e esperar que as opções do legislador sejam as mais tendentes possíveis à satisfação integral da tutela jurisdicional com base na cultura jurídica brasileira contemporânea.

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1 Para fins desse artigo, as referências a artigos de acordo com a redação da Câmara dos Deputados será feita por meio da abreviatura PCPC-C, e as referências a artigos de acordo com a redação do Senado será feita por meio da abreviatura PCPC-S. Além disso, a versão da Câmara dos Deputados aqui considerada é aquela final, aprovada em 26/03/2014, e a versão do Senado é a do PLS 166/2010. Para fins desse artigo, não há alterações significativas entre a versão da Câmara dos Deputados aqui considerada e a versão do Relatório apresentado pelo Senado Federal em novembro de 2014 e que está prevista para ser votada em 04/12/2014.

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Bibliografia

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Cianci, M. (2008). Derrogação sistemática no regime de defesa do executado. In: C. S. Bueno, & T. A. Wambier, Aspectos polêmicos da nova execução (Vol. IV). São Paulo: RT.

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Medeiros Neto, E. M., & Gomes, R. V. (21 de Agosto de 2013). Acesso em 10 de Novembro de 2014, disponível em Migalhas: https://migalhas.uol.com.br/depeso/184744/principais-mudancas-no-cumprimento-de-sentenca-com-o-novo-codigo-de-processo-civil
Shimura, S. (2005). Título executivo (2a ed.). São Paulo: Método.

Theodoro Júnior, H. (2005). Curso de Direito Processual Civil (38a ed., Vol. II). Rio de Janeiro: Forense.

Yarshell, F. L. (2006). Tutela Jurisdicional (2a ed.). São Paulo: DPJ.

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*Ricardo Vick Fernandes Gomes é advogado, mestrando em Direito Processual Civil pela PUC/SP (2013-2015). Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP (2012). Bacharel em Direito pela USP (2005).

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