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A prisão temporária e a extensão de seus propósitos na operação "Lava Jato"

A prisão temporária depende de requisição do MP ou de representação da autoridade policial e só pode ser decretada na fase de inquérito policial.

23/11/2014

A imprensa nacional – e até internacional - vem noticiando cotidianamente a operação da Polícia Federal denominada "Lava Jato", desencadeada no mês de março de 2014, com a finalidade de apurar graves casos de corrupção, lavagem de dinheiro, dentre outros, em uma das maiores, se não a maior sociedade de economia mista do país: a Petrobras e seus supostos parceiros comerciais. Na referida operação, diversos investigados tiveram suas prisões temporárias decretadas, com o intuito de perquirir mais profundamente os fatos.

Com papel relevante e de destaque no cenário político, essa modalidade de prisão merece rápidas pinceladas a respeito de sua natureza jurídica. O diploma que rege a matéria foi entronizado em nossa legislação em 1989, um ano após a Constituição Federal, com o objetivo de legalizar as chamadas "prisões para averiguações", dando-lhes um cunho de legalidade. Das prisões é a mais frágil e de consistência efêmera. Tanto é verdade que sua validade é limitada a cinco dias, prorrogável por igual período, em crimes comuns. Se hediondo, o período é de 30 dias, com igual prorrogação, desde que, em ambos os casos, comprovada a necessidade. Pode se dizer que possui a natureza jurídica de prisão cautelar, com o propósito de servir como instrumento para apuração de crimes.

Na fase policial, como o aparelhamento estatal encontra-se em desvantagem com relação à conduta do infrator, prevalece a regra do in dubio pro societate, quer dizer, todo o esforço policial, revestido de licitude, justifica a prisão de pessoa suspeita, desde que em desfavor dela haja fundada razão de autoria ou participação. Já em juízo, contrariamente, estabelecido o contraditório, se pairar alguma dúvida, esta milita em favor do acusado, em razão do in dubio pro reo.

Entretanto, não se pode esquecer que a lei 7.960/89 traz um rol numerus clausus (taxativo) de crimes considerados graves e que permitem a decretação da prisão temporária, nos exatos termos do artigo 1º, inciso III, da lei 7.960. Ou seja, qualquer crime, ainda que abstratamente grave, que não conste desse rol não admite a temporária (esse requisito também é conhecido como fumus boni iuris).

Outrossim, aliado ao requisito supra, tem-se necessária a configuração do periculum in mora, que no caso em tela configura-se no artigo 1º, incisos I e II, da lei 7.960/89:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

Não bastasse, a prisão temporária depende de requisição do Ministério Público ou de representação da autoridade policial (logo, não admite, em nenhuma hipótese, sua decretação de ofício pelo juiz) e só pode ser decretada na fase de inquérito policial.

Em apertada síntese, é o que se pode destacar da prisão temporária. Apesar de muitos doutrinadores considerarem que seja um instituto em extinção, renova-se com impulsos cada vez mais fortes nas operações policiais encetadas de forma programada e consistente pelas polícias federal e estadual.

Sendo assim, as autoridades policiais, bem como membros do MP, estão se valendo, mediante uma estratégia muito bem elaborada e de grande valia, da prisão temporária para colher elementos que possam, ao menos, dar seguimento às investigações com os averiguados detidos, fato que inegavelmente facilita – e muito - a arrecadação de provas. Basta ver que, como as prisões são decretadas em conjunto e cumpridas dentro de um cronograma temporal pré-estabelecido, os averiguados desconhecem as provas existentes, assim como não têm acesso aos depoimentos de outros envolvidos. É um verdadeiro manancial probatório. Daí que, alguns dos investigados, após confirmarem suas participações nos ilícitos, apontam as de outros e optam pela delação premiada, vez que se apresenta como uma alternativa processual interessante e até mesmo recomendável para o caso.

É sabido que a decretação pura e simples da prisão preventiva, a "menina dos olhos" das prisões cautelares, de acordo com a redação do artigo 312, CPP, em seu parágrafo único, exige expressamente que a prisão cautelar só pode ser decretada se verificados seus dois pressupostos ("caput" do mesmo artigo: prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria) e de forma excepcional, quando não for possível decretar outras medidas cautelares.

Portanto, as autoridades têm se deparado com uma situação inicialmente complexa para decretação direta da preventiva: o enquadramento legal. Sendo assim, optaram por uma via inteligente e deveras eficiente: requerem a decretação da prisão temporária e, no exíguo prazo legal, procuram por elementos que possam ensejar a decretação válida da prisão preventiva ou, ainda, a conversão da prisão temporária em preventiva1, provocando, em consequência, tempo maior de prisão ao investigado.

Desta feita, não há como negar que a prisão temporária muda de papel em nosso ordenamento: antes, era vista como uma prisão coadjuvante, tendo em vista seu prazo de duração extremamente curto. Nos dias atuais, assume um papel principal nas investigações, transformando-se na porta de entrada dos elementos probatórios colhidos em autos de inquérito policial que, posteriormente, sustentarão eventual condenação.

Não se pode concluir, por outro lado, que prisão temporária traduz insegurança social, expondo qualquer pessoa ao risco de ser levada à prisão, sem motivo justificado. É, antes de tudo, uma garantia tanto para o suspeito, que além de ser cientificado de seus direitos constitucionais, poderá ser submetido a exame de corpo de delito para constatar eventual violência policial, como para a sociedade, que acompanhará o desenrolar do devido processo legal, com obediência às regras estabelecidas. Por isso não há que se falar em qualquer abuso, pois o ato foi estribado na legalidade.

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1MPF pede conversão de prisão temporária na Lava-Jato para preventiva.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de Justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.


* Antonelli Antonio Moreira Secanho, advogado, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação lato sensu em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.




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