Migalhas de Peso

Agências reguladoras

29/1/2003

Tenho acompanhado em "Migalhas" manifestações pró e contra "autonomia", "independência" de certas pessoas da administração indireta (Banco Central ou agências reguladoras, por exemplo), caracterizada sobretudo pela outorga de mandatos a prazo certo para seus dirigentes.

Há mais de trinta anos passados, com muito menor vivência, acreditava também que isto seria útil para preservar uma atuação "técnica", que é o argumento habitual usado para defesa deste ponto de vista. Embora existam realmente casos de decisões estritamente "técnicas", o fato é que a atuação de uma pessoa da administração indireta como um todo - e mesmo muitas de suas "decisões técnicas" - dependem essencialmente de uma diretriz política. Eis porque não é possível, sem desvirtuar a essência de um regime democrático, conferir tamanha "autonomia" a estas parcelas da Administração. Com efeito, para se constituírem em canais expressivos de tal regime, terão de refletir a orientação política encarnada no partido que haja vencido as eleições. Por isto mesmo são inadmissíveis os "mandatos a prazo certo" que se estendam além do período governamental de quem nomeou os dirigentes destas entidades da administração indireta.

Este é o ponto de vista que, embora de modo breve, expressei e fundamentei em uma passagem de meu Curso de Direito Administrativo (Malheiros Eds., 14ª ed., 2002, pags. 153-154) ao respeito das agências reguladoras e que encaminho abaixo

Autonomia de pessoas da Administração Indireta e mandato de seus dirigentes

Questão importante é a de saber-se se a garantia dos mandatos por todo o prazo previsto pode ou não estender-se além de um mesmo período governamental.

Parece-nos evidentíssimo que não. Isto seria o mesmo que engessar a liberdade administrativa do futuro Governo. Ora, é da essência da República a temporariedade dos mandatos, para que o povo, se o desejar, possa eleger novos governantes com orientações políticas e administrativas diversas do Governo precedente.

Fora possível a um dado governante outorgar mandatos a pessoas de sua confiança, garantindo-os por um período que ultrapassasse a duração de seu próprio mandato, estaria estendendo sua influência para além da época que lhe correspondia (o primeiro mandato de alguns dirigentes da ANATEL é de sete anos) e obstando a que o novo Presidente imprimisse, com a escolha de novos dirigentes, a orientação política e administrativa que foi sufragada nas urnas. Em última instância, seria uma fraude contra o próprio povo1.

Veja-se a que absurdos conduziria interpretação diversa da ora apresentada como correta: .para prolongar a orientação que quisesse imprimir à Administração Pública, inibindo a sobrevinda de diretrizes novas próprias dos que ascendessem nas eleições sucessivas, bastaria ao grupo no Poder transformar todos os principais setores administrativos em entidades comandadas por dirigentes com mandatos — como vem fazendo o atual Governo — que ultrapassassem o próprio período. Com isto, mesmo derrotados no pleito eleitoral, persistiriam gerindo o Estado segundo os critérios rejeitados pelos eleitores e obstando a atuação de quem os sucedesse, em antítese absoluta com a ideia de Democracia e de República.

Logo, é de concluir-se que a garantia dos mandatos dos dirigentes destas entidades só opera dentro do período governamental em que foram nomeados. Encerrado tal período governamental, independentemente do tempo restante para conclusão deles, o novo Governo poderá sempre expelir livremente os que os vinham exercendo.”

_______________

1 É precisamente isto o que vem sendo feito pelo atual governo. Vem criando uma autarquia especial atrás da outra e obviamente são nomeadas para dirigi-las pessoas de confiança do grupo que ocupa o Poder. Com isto certamente pretende manter o controle da máquina administrativa pública e dos rumos que lhe tem sido imprimidos, mesmo em caso de derrota nas próximas eleições.

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