É natural que uma sociedade, ao contratar suas obrigações e direitos, não antecipe a indesejável possibilidade de vir a enfrentar uma grave crise financeira, que poderá colocar em risco sua capacidade de honrar compromissos.
Entre tais compromissos pode estar a submissão de uma disputa à arbitragem, com a consequente necessidade de custeio desse procedimento, sem que a sociedade tenha suficientes recursos para tanto.1
Nesse cenário propõe-se uma reflexão: a dificuldade econômica superveniente de uma das partes pode afastar a cláusula arbitral válida e livremente pactuada?
O TJ/RJ julgou caso interessante a esse respeito, no qual a 8ª câmara Cível2 confirmou a eficácia da cláusula arbitral pactuada entre as partes, mesmo à vista da superveniente dificuldade financeira em que a demandante se encontrava.
Naquela causa, apesar de reconhecer a existência e a validade de cláusula arbitral a conduzir qualquer disputa entre as partes à arbitragem, a autora aforou ação judicial visando à responsabilização da ré por eventos contratuais que teriam, inclusive (a seu ver), conduzido à sua bancarrota. Pretendeu, ainda, multimilionária indenização a esse respeito.
Para justificar a inobservância da cláusula compromissória e a possibilidade de apreciação do caso pelo Poder Judiciário, a autora alegou que a via arbitral seria demasiadamente onerosa, e que sua imposição acabaria por restringir seu acesso à jurisdição, constitucionalmente garantido pelo art. 5º, XXXV, da CF.
Logo no início da causa, a sociedade, ainda solvente, chegou a pleitear o benefício da gratuidade de justiça, mas o TJ/RJ indeferiu-o e a parte teve de recolher as despesas judiciais devidas. Posteriormente, já no curso da demanda, a sociedade veio a falir.
Ao apresentar defesa, a demandada suscitou preliminar de exceção de arbitragem e o juiz de 1º grau, prestigiando a autonomia da vontade das partes ao contratar a cláusula compromissória, considerou que a superveniente dificuldade financeira da demandante não seria circunstância apta a afastar aquela previsão contratual, tendo, assim, reconhecido a eficácia negativa da cláusula de arbitragem e extinguido o processo.
A decisão foi mantida pela 8ª câmara Cível, também pelo fundamento de que não se tratava de contrato envolvendo partes hipossuficientes, mas duas companhias de expressivo porte, que tinham noção exata das consequências futuras do pacto arbitral.
Hipótese muito parecida foi examinada pela 3a turma do STJ (medida cautelar 14.295), que decidiu pela validade da cláusula compromissória pactuada anteriormente à falência (e ao estágio pré-falimentar), quando o falido ainda tinha disponibilidade sobre seus bens, obrigando a massa falida mesmo após a decretação da quebra3.
Há, por outro lado, precedentes considerando que a cláusula compromissória tem eficácia contida até o surgimento do conflito e que somente neste momento deve ser apurada a disponibilidade de direitos da parte, que poderá estar afastada pelo decreto de quebra, inviabilizando, assim, a arbitragem a seu respeito.4
Observa-se, portanto, que, diante da ponderação dos princípios da autonomia da vontade e da inafastabilidade da prestação jurisdicional, a tendência da jurisprudência é concluir que, se contratada cláusula compromissória, esta deverá ser respeitada, uma vez que o Tribunal Arbitral se substituirá ao Poder Judiciário, entregando a jurisdição esperada pelas partes, ainda que haja sobrevindo a uma delas grave crise financeira.
A análise dos precedentes aqui referidos recomenda, ainda, que no momento da celebração de contratos, as partes não devem perder de vista todos os cenários possíveis – por mais indesejáveis que sejam –, podendo até mesmo modular as hipóteses de incidência da cláusula arbitral, conforme suas efetivas necessidades e possíveis circunstâncias futuras.
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1 Sobre o custo da arbitragem, vide Informativo de Arbitragem nº 3 (Custo da arbitragem: o mito do procedimento caro e o financiamento por terceiros): https://www.loboeibeas.com.br/wp-content/uploads/2013/07/Informativo-de-Arbitragem-Edicao-03.pdf
2 Apelação nº 0239975-91.2010.8.19.0001.
3 Sobre o tema, ver Informativo de Arbitragem nº 1: https://www.loboeibeas.com.br/wp-content/uploads/2013/05/informativo-arbitragem-janeiro-2013.pdf
4 TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, AI nº 658.014-4/2-00.
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*Marcelo Levitinas e Pedro Corrêa e Castro são advogados do escritório Lobo & Ibeas Advogados.