A sucessão no STF e a democracia
Rodrigo Candido de Oliveira*
Concorde-se ou não com a norma que impõe a aposentadoria por idade dos magistrados aos 70 anos, é a regra em vigor. Está na Constituição de 1988, que pode ter – e tem – os seus defeitos, mas é fruto da democracia. Sob esse ordenamento aposentou-se recentemente o Ministro Carlos Velloso, deixando a sua vaga no Supremo Tribunal Federal e a Presidência do TSE, em ano eleitoral.
Felizes os tempos em que juízes do STF aposentam-se de acordo com as regras democráticas. Já houve outros tempos; tempos muito sombrios.
Em 1969, a ditadura militar, que se auto-concedeu os poderes ilimitados do AI-5, editado na sexta-feira 13 de dezembro de 1968, impôs arbitrariamente a expulsão dos Ministros Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva de suas cadeiras no Supremo. Por que motivo ? Pela independência que encarnavam no exercício da judicatura naquela Corte. Ou seja: por exercerem as suas obrigações funcionais com altivez.
Sobre Victor Nunes disse Heleno Fragoso: “homem de fina inteligência e sensibilidade, de cultura jurídica profunda e enciclopédica, sereno e ponderado, corajoso e independente. Creio que Victor Nunes Leal foi o maior juiz que o Supremo Tribunal teve, no período em que atuou a minha geração de advogados”, sem esquecer que o Supremo daquele tempo “era um verdadeiro escrete de juízes magníficos”. Remata o mesmo Heleno Fragoso: “pode-se bem avaliar a estupidez que significou a demissão desse magistrado excepcional”.
Sergio Bermudes muito bem relata o abatimento que caiu sobre os ministros cassados, falando especificamente sobre Victor Nunes: “o novo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil pretendeu tomar Victor Nunes Leal por conselheiro; um conselheiro especial, capaz de opinar com isenção e sabedoria sobre os projetos para o seu biênio. Encarregou-me da sondagem.” Após relatar a conversa no almoço que tiveram, Bermudes finaliza com a resposta de Victor Nunes: “Eu não posso aceitar. Os meus conselhos não prestam não. Eu fui deposto”.
Em artigo que publicou 25 anos após a violência praticada pela ditadura, disse o próprio Evandro Lins e Silva: “vinte e cinco anos passados, ignoro até hoje a razão da nossa aposentadoria. Não fomos ouvidos. Na festa de meu jubileu profissional, no Primeiro Tribunal do Júri, no Rio de Janeiro, voltei, 50 anos depois, à mesma tribuna do dia da estréia. Pedi ao Criador que, no Juízo Final, me assegurasse o direito de defesa, recusado na Terra. Com o que aprendi nas tribunas forenses, na defesa da liberdade dos outros, hei de lutar, na Corte Celestial, por minha própria causa, na esperança de conquistar o reino dos céus ... Deus é generoso. AI-5 nunca mais. Vade retro, Satane”.
Vade retro, satanás; vade retro a ditadura. Os tempos são outros.
Agora, em plena democracia, e de acordo com as regras da normalidade institucional, aposentou-se o Ministro Carlos Velloso. Sai feliz e vai advogar, seguindo sem sobressaltos a sua vida profissional. Dada a relevância da matéria, muito se tem discutido sobre o seu sucessor no Supremo. Vindos de origens e classes diferentes, há inúmeros candidatos selecionados pelo Ministro Márcio Thomaz Bastos. Integram a lista nomes de primeiríssimo quilate, que engrandecerão a Corte.
Há pressões legítimas de inúmeros setores do Direito, uns sustentando tal indicação, outros valorizando critérios diferentes. Viva a diversidade ! Viva o debate, a troca de idéias ! Viva os novos tempos !
Democraticamente aposentou-se o Ministro Carlos Velloso. Democraticamente será indicado o seu sucessor. Tudo dentro da normalidade institucional, que evidentemente não se confunde com atos institucionais.
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*Advogado do escritório Candido de Oliveira Advogados
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