Pode-se dizer que o Direito da Moda nasce como disciplina jurídica a partir do litígio entre o designer Christian Louboutin e a grife Yves Saint Laurent no tribunal de Nova York. Claro que existiam discussões sobre marcas e patentes anteriormente, mas esta provocou grande repercussão e produziu um questionamento específico sobre o ambiente da moda que permitiu a criação e o uso da expressão Fashion Law nos EUA.
O caso se inicia quando Christian Louboutin questiona a grife por conta do uso de solado vermelho em sapatos de salto alto. Isto porque o designer, especializado em calçados de luxo, passou a laquear os solados de sapatos femininos de alta qualidade com a cor vermelha a partir de 1992, o que se tornou um símbolo que remetia à sua marca de calçados.
Louboutin investiu vultosa quantia para divulgação de sua criação. Sua empresa, com esta estratégia, cresceu amplamente no mercado e ele ficou conhecido como o designer dos solados vermelhos, pois os produziu continua e regularmente desde então. Em 2008, registrou sua criação como marca no organismo americano apropriado (USPTO), que no Brasil seria o Instituto de Marcas e Patentes. O registro foi concedido sob o item “design de calçado feminino de luxo” (women’s high fashion designer footwear) e ele passou a ser titular da marca “solado vermelho” (the Red Sole Mark) em sapatos de luxo de salto alto.
Certamente sapatos vermelhos existiam, porém, eles eram monocromáticos, ou seja, totalmente coloridos de vermelho em seu revestimento ou cobertura e nos solados. Este tipo de sapato, aliás, já havia sido objeto de lançamento pela Yves Saint Laurent (a partir de agora, YSL) nos anos de 1970. Todavia, o destaque para sola vermelha, não.
Em 2011, a YSL relançou o sapato monocromático vermelho, na temporada de inverno-primavera, cujo solado, segundo Louboutin, lembraria sua criação. O designer ingressou com ação judicial em face de YSL por violação de marca.
No que seria o Juízo de primeira instância em Nova York, Louboutin perdeu a ação, sob o entendimento de que uma cor não poderia ser apropriada como marca no ambiente da indústria da Moda. Determinou ainda a decisão que se cancelasse o registro do designer junto ao USPTO.
Louboutin recorreu para o que seria nosso Juízo de segunda instância. Neste, decidiu-se que Louboutin era sim o titular da “Red Sole Mark” e que deveria se manter seu registro. A YSL então recorreu numa espécie de embargos de declaração (adaptou-se a linguagem do procedimento judiciário americano para facilitar a compreensão) e o Juízo acabou por autorizar a YSL a comercializar sapatos de solado vermelho desde que fossem monocromáticos.
Ao final, Louboutin confirmou judicialmente que a cor pode ser objeto de registro de marca, desde que seu uso seja original e, ao mesmo tempo, a YSL garantiu a venda de sapatos monocromáticos vermelhos.
Diz-se que este litígio dá origem ao Direito da Moda porque foi nele que o judiciário americano utilizou-se, erroneamente ou não, das teorias respectivas que discutem marcas e patentes nos EUA, dirigidas à compreensão de questão inserida no universo fashion.
Importante e interessante são os questionamentos que provocam o exame do caso, principalmente num imaginário litígio aqui no Brasil. Como ele se sucederia? A cor pode ser objeto de registro de marca pela lei brasileira? Louboutin sairia vencedor? A YSL poderia continuar comercializando sapatos monocromáticos vermelhos?
Com estas perguntas, faz-se o convite a uma análise crítica do caso Louboutin, partindo-se do exame das decisões.
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* João Ibaixe Jr, advogado criminalista, escritor e produtor cultural, é diretor-presidente do Instituto Ibaixe e vice-Presidente da Comissão de Estudos em Direito da Moda da OAB/SP.
** Valquíria Sabóia é editora do Blog Fashion Law VS, Coordenadora Executiva da Comissão de Estudos em Direito da Moda da OAB/SP e Curadora do painel jurídico do Circuito de Moda e Arte.