No tocante à responsabilidade indenizatória, no Direito Privado, para reduzir as perdas da parte infratora quanto ao dever de indenizar, em caso de ilícito, nota-se que é prática comum das empresas, em sede contratual, estipular uma cláusula que visa à limitação de responsabilidade buscando excluir indenizações por danos indiretos e lucros cessantes.
Nesse âmbito, a cláusula pode estabelecer um valor máximo da indenização a ser paga, bem como restringir a indenização aos danos diretos, em caso de dolo ou culpa grave.
Todavia, a validade da cláusula é bastante questionada, na fase pós-contratual, pela sua natureza restritiva de direito, quando por ato ilícito, uma das partes causa efetivamente dano à outra parte contratante, gerando o dever de indenizar, nos termos do artigo 927, do Código Civil:
"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."
Cumpre salientar que há decisões jurisprudenciais favoráveis à validade da cláusula em foco quanto ao teto indenizatório, considerando, em linhas gerais, a natureza da contratação, a igualdade das partes contratantes, a livre negociação da cláusula no momento da celebração do negócio jurídico e ainda que o piso indenizatório fixado não seja insignificante e incompatível com objeto do contrato. Vejamos:
"(...) Validade da cláusula limitativa do valor da indenização devida em razão de avaria da carga objeto de transporte marítimo internacional. Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito da Segunda Seção, considera-se válida a cláusula do contrato de transporte marítimo que estipula limite máximo indenizatório em caso de avaria na carga transportada, quando manifesta a igualdade dos sujeitos integrantes da relação jurídica, cuja liberdade contratual revelar-se amplamente assegurada, não sobressaindo, portanto, hipótese de incidência do artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, no qual encartado o princípio da reparação integral dos danos da parte hipossuficiente (REsp 39.082/SP, Rel. Ministro Nilson Naves, Rel. p/ Acórdão Ministro Fontes de Alencar, Segunda Seção, julgado em 09.11.1994, DJ 20.03.1995). Nada obstante, é de rigor a aferição da razoabilidade e/ou proporcionalidade do teto indenizatório delimitado pela transportadora, o qual não poderá importar em quantia irrisória em relação ao montante dos prejuízos causados em razão da avaria da mercadoria .transportada, e que foram pagos pela seguradora. (...)"(STJ. REsp, 1076465/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, dj.08.10.2013, dp. 25.11.2013).
Por outro lado, a exclusão da responsabilidade pelos danos indiretos e lucros cessantes, tal como praticada no mercado pelas empresas, também é amplamente discutida por afetar a própria responsabilidade civil estipulada em lei.
Enquanto, os lucros cessantes consistem naquilo que a parte deixou razoavelmente de lucrar como consequência do evento danoso, com base no artigo 402 do Código Civil, nota-se que não há definição legal para danos diretos e indiretos:
Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
Assim, encontramos conceitos doutrinários para definição de dano direito como resultado imediato da ação ou omissão da parte infratora e, por sua vez, o dano indireto com consequência que agrava o prejuízo diretamente suportado, capaz de danificar um bem extrapatrimonial.
A par dessas considerações, lecionam Orlado Gomes e Maria Helena Diniz:
"Para efeito da avaliação da responsabilidade, distingue-se o dano direto do indireto. O dano direto é o que resulta do fato como sua consequência imediata. O dano indireto o que decorre de circunstâncias ulteriores que agravam o prejuízo diretamente suportado."1
"Considera-se dano direto o dano que causa imediatamente um prejuízo ao patrimônio da vítima (...). O dano patrimonial indireto é, portanto, uma consequência possível, porém não necessária do evento prejudicial a um interesse extrapatrimonial, constituindo um dano moral que produz reflexos prejudicais à economia do ofendido. (...)"2
Nesse sentido é o posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÃNSITO. ATROPELAMENTO. DANO MORAL. DANO ESTÉTICO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. RESSARCIMENTO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. "A culpa do patrão ou comitente é presumida pelo ato culposo do empregado ou preposto". A reparação a título de danos morais sob o fundamento de atraso no reparo do veículo não indica violação a direito da personalidade. "Toda lesão da integridade corporal provoca um dano patrimonial indireto, que é aquele produzido em bens jurídicos extrapatrimoniais da vítima, e assim apenas indiretamente pode causar prejuízos." O dano estético exige prova que o ato lesivo alterou o padrão de beleza da vítima, reduzindo o patrimônio da aparência. A companhia seguradora tem a obrigação de reembolsar, até o limite da apólice, as quantias pelas quais o segurado vier a ser responsável, em sentença judicial transitada em julgado.(TJMG. Apelação Cível 1.0024.08.124002-0/001.12ª Câmara Cível. Rel. Des. José Flávio de Almeida. dj.10/04/2013. dp.22/04/2013)."
No entanto, para aplicabilidade da cláusula em referência, nota-se a dificuldade de traçar o real alcance da responsabilidade pelos danos diretos, tendo em vista que tal distinção de conceitos é simplista. Dessa forma, a apuração da extensão do dano e o quantum indenizatório devido, na seara judicial, dependerão da análise fática e do conjunto comprobatório apresentado.
Assim, a real aplicação da cláusula, em caso de litígio, acaba dependendo da apreciação dos fatos concretos apresentados ao Juiz. Apesar disso, é cada vez mais comum a prática de inclusão de cláusula de limitação de responsabilidade na política de contratação das empresas, visando mitigar as perdas a serem suportadas, em casos de danos causados por condutas ilícitas, de modo que os inúmeros negócios jurídicos firmados não resultem em prejuízos superiores à sua capacidade financeira, o que poderia sacrificar o exercício da sua atividade empresarial.
_______
1 GOMES, Orlando. Responsabilidade Civil. Rio De Janeiro: Forense, texto revisado, atualizado e ampliado por Edvaldo Brito, Rio de Janeiro: Forense: 2011.p.78/79.
2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva: 1990.p.58.
_______
* Nathália Milagres Mendes é advogada do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.