Juizados especiais, nova lei de agravo e outras inutilidades para combater a morosidade
Tyndaro Meirelles*
Como advogado militante – e quando digo militante, me refiro à atividade plena da advocacia contenciosa, ou seja, tanto no escritório quanto junto aos balcões do Fórum – tenho não só acompanhado o debate da questão da morosidade, como vivenciado o martírio dos advogados nessa contenda. Toda vez que ouço falar em soluções para a morosidade, pego logo os meus códigos e me preparo para riscá-los e alterá-los. É assim no Brasil: há problema? Habemus lex.
A fome se resolve com lei, para a desigualdade faz-se outra lei, a inflação, por muitas vezes, foi bombardeada por leis e mais leis e permaneceu incólume, sendo que no momento encontra-se curvada debaixo de outras tantas leis, cujos efeitos todos nós estamos a sentir na pele.
Foi e está sendo assim com uma invenção infernal chamada JUIZADOS ESPECIAIS, outrora Juizados de Pequenas Causas, mais uma Lei que, segundo se pregava, teria vindo para nos redimir das agruras da morosidade. Passados 10 anos do advento da Lei 9.099/95, é de se perguntar qual, de fato, o benefício que tal lei trouxe? Sob o regime da lei dos Juizados Especiais Cíveis, o cidadão que a ela se submete há de ter em mente que ali está muito mais em busca de celeridade do que de Justiça. É exatamente isso: troca-se Justiça por celeridade. E o que é mais frustrante é que passados os anos, constatamos que a celeridade prometida pela famigerada Lei, única “vantagem” prometida pelos bem intencionados legisladores, há muito sucumbiu aos trâmites morosos da administração do Judiciário.
Não raro uma demanda que é intentada nos Juizados Especiais andaria muito mais rápido na Justiça comum, como facilmente tem-se constatado no dia-a-dia forense. E também não é raro observarmos que muitos advogados estão preferindo distribuir suas demandas na Justiça comum em vez de fazê-lo junto aos Juizados Especiais.
As vantagens são óbvias, visto que nem mesmo a celeridade subsiste. Verdadeiro Tribunal de Exceção, posto que regidos por uma lei que nada mais é que uma exceção às regras processuais, os Juizados Especiais Cíveis tornaram-se um desserviço à população, uma vez que suas regras não permitem aquilo que garante a boa Justiça e exatamente aquilo que seus partidários entendem como um cancro: os recursos!
No âmbito dos JECs, não há recurso. Pelo menos não no sentido amplo que conhecemos e identificamos pelas normas gerais de nosso sistema processual vigente. Como já se disse, nos JECs prevalece a exceção. Somente 1 recurso é permitido e ainda assim, não há propriamente a incidência do efeito devolutivo, visto que não se devolve a matéria à “corte”, uma vez que são os próprios Juizes de primeiro grau os que examinam as decisões de seus pares, ou seja, outros Juizes de primeiro grau. Isto é regra geral nos JECs. O mesmo se dá com Mandados de Segurança impetrados em face de decisões de Juizes de primeiro grau. Quem decide a legalidade ou não de tais atos, são ainda os seus pares, Juizes de primeiro grau.
Assim, nessa avenida ampla e desobstruída aberta pela Lei 9.099, os Eminentes Julgadores dos JECs, sentiram-se totalmente à vontade para fazer o que seria inimaginável no âmbito da Justiça comum. Passaram, então, a legislar. Com ampla liberdade passaram a elaborar os Enunciados do Juizados Especiais Cíveis, poderosa arma contra qualquer lei processual ou argumento abalizado, visto que tais Enunciados adquiriram status de SÚMULA VINCULANTE. Exatamente isso! Enquanto até mesmo Súmulas do STJ, ou ainda do STF, são constantemente inobservadas por diversos magistrados de todo o país quando da prolação de suas sentença, eis que tais Magistrados muitas das vezes julgam de acordo com seus entendimentos e consciências, nos JECs tal não ocorre, pois, como já foi dito, vigora nos JECs a tão controvertida Súmula vinculante. Apenas para exemplificar, tomemos o art.511,§ 2o de nosso Código de Processo Civil que, ao tratar da interposição do recurso, preceitua que “a insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias”.
Pois o enunciado ???? dos JECs do Rio de Janeiro, simplesmente aboliu o preceito legal de ordem processual, pura e simplesmente! Legislou acerca de processo civil e ponto final, não há para quem reclamar, não há a quem se socorrer. Este, como já foi dito, é apenas um exemplo dos efeitos extremamente danosos provocados pelos partidários da celeridade a qualquer custo.
Não é que o absurdo acima exposto seja mero devaneio. Não. Tal arbitrariedade tem raízes na ânsia da celeridade. Como os JECs estão sobrecarregados, qualquer forma de extinção de processos é bem vinda. Mas, bem vinda para quem? Para o maior responsável pela morosidade: O Poder Judiciário, e aí entramos no cerne da questão. Porque lei nenhuma vai resolver a questão da morosidade? Porque a questão é meramente administrativa. A razão da lentidão dos processos é responsabilidade, se não única, ao menos majoritária da administração da Justiça.
As leis que abolem direitos, como a lamentável 11.187/05, que alterou as regras para a interposição do Agravo de Instrumento, é tão inócua quanto prejudicial. Como já foi dito, e repetiremos até o fim, temos o exemplo dos JECs que não admite qualquer tipo de recurso, a não ser aquele acima mencionado, e que hoje vivem superlotados de ações, muitas delas tramitando há 4, 5, às vezes, 6 anos por total inépcia da administração da Justiça para lidar com o andamento e Julgamento dos processos.
Retirar direitos, abolir recursos, diminuir prazos, nada disto irá tornar a Justiça mais célere. Vejamos: Os prazos apontados no código de Processo Civil Brasileiro são curtos e peremptórios. Mas, curtos para quem e peremptórios para quem? Prazo para falar sobre documentos: 5 dias; prazo para embargar de declaração: 5 dias; prazo para embargar execução: 10 dias; prazo para falar em réplica: 10 dias; prazo para apelar: 15 dias.
Qual advogado ousa desafiar tais prazos que, diga-se sempre, são bem curtos? E os prazos da Justiça? Prazo para o Juiz proferir despacho de expediente: 2 dias; prazo para proferir decisões (sentenças e etc...): 10 dias; prazo para serventuário remeter autos para conclusão: 24 horas; prazo para o serventuário executar os atos processuais: 48 horas. Pergunta-se: o que de fato ocorre se tais prazos não forem observados pelos que laboram na Justiça?
Toda vez que se arvoram a procurar uma solução para a famigerada morosidade, é o povo, a população, quem sai com o ônus das decisões. Para isso basta olhar o que ocorre agora com o fim do recesso judicial. Quem foi o prejudicado? Deve-se lembrar que o recesso não foi imaginado para os serventuários da Justiça e nem para os Magistrados, estes já têm licenças, folgas e férias, sendo que no caso dos Juízes são férias em dobro!
O recesso foi imaginado para os advogados, em última instância, os verdadeiros representantes do povo junto ao Judiciário. Quando um cidadão está para ser despejado, quando precisa executar uma dívida, quando é preso ilegalmente, quando precisa inventariar os bens de um ente seu, a quem ele procura, quem, enfim o socorre? Procura um Juiz? Não, o Juiz não zela pelo interesse de nenhum indivíduo, porque o Juiz é o Estado. Ao Ministério Público? Claro que não. O MP é o fiscal da Lei, mas não atua em prol do cidadão, individualmente falando. O verdadeiro representante do povo junto ao Judiciário é mesmo o advogado, aí compreendida também a sempre briosa Defensoria Pública.
Porém, notem, as decisões tomadas para acabar com a nefasta morosidade, cortam sempre e sempre a carne da população. A solução? A meu ver é tão singela quanto complexa: fazer com que a petição que deu entrada no protocolo chegue às mãos do serventuário no prazo menor possível, e que daí chegue às mãos do Juiz no prazo da lei e que o Juiz decida no prazo da lei e que seja remetido ao cartório imediatamente, para que seja publicada, também imediatamente. Pronto. Já temos 90% do caminho andado. Há quem vá dizer que é inviável, que há poucos Juizes, que há poucos serventuários, etc... . Mas aí, continua não sendo problema a ser resolvido com outra Lei.
Como já disse, é ADMINISTRATIVO! Se tivesse que escolher entre JUSTIÇA e CELERIDADE, o que escolheria?
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*Advogado do escritório Valverde & Meirelles Advogados
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