A um dia do início da Copa do Mundo no Brasil, situações concretas interessantes começam a se colocar com relação aos tipos penais temporários trazidos pela lei 12.663, de 5 de junho de 2012 (lei da Copa).
Em sessão realizada em 8/5 pela Primeira Câmara do Conselho de Ética do CONAR, decidiram os conselheiros votantes, por unanimidade, pela alteração de polêmico comercial veiculado pela empresa aérea TAM – que não figura entre os patrocinadores da Copa do Mundo – em rede televisiva, no qual, após exibir uma série de dificuldades impostas a jogadores brasileiros que residem fora do país em seu retorno ao Brasil, habilidosamente afirma que, embora adversários não aprovem, “a TAM tra[ria] os nossos craques para jogar em casa”. A GOL, esta sim patrocinadora da seleção brasileira e concorrente da empresa, insatisfeita, ingressou com denúncia que culminou na citada decisão do CONAR.
Outras empresas também têm, naturalmente, tentado extrair alguma vantagem do evento. O que precisa ser observado nesses casos, porém, é que além de possível repercussão negativa do ponto de vista dos órgãos de regulação publicitária, como ocorreu no caso da TAM, campanhas mais ousadas poderão também correr o risco de ser submetidas à repressão do Direito Penal se não forem autorizadas.
Por exigência da FIFA e como instrumento para acomodar interesses privados envolvidos na realização do evento esportivo, inseriram-se na lei da Copa dois crimes especialmente formulados para inibir a prática de divulgações não autorizadas de marcas, produtos ou serviços que buscassem induzir aparência de relação com a entidade suíça ou se aproveitassem, simplesmente, da exposição trazida pela competição mundial.
Os tipos se inserem na espécie prevista no artigo 3º do Código Penal brasileiro, o qual autoriza, em situações excepcionais, a aplicação da lei repressiva ainda que decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, desde que o fato tenha sido praticado em sua vigência. Hipótese discutível em que se permite a flexibilização do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, sobretudo por se tratar de situação na qual a “excepcionalidade” se cinge a interesses particulares de entidade que conta com instrumentos suficientes para exercer sua própria tutela. As condutas previstas, em todo caso, são bastante amplas e poderiam englobar uma série de práticas que vêm sendo realizadas por estabelecimentos nacionais.
O primeiro tipo trazido na lei, intitulado marketing de emboscada por associação, proíbe a divulgação de “marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA”, punindo também aqueles que “sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de Ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a ações de publicidade ou atividade comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica” (artigo 32). Seria o caso da reprodução de propagandas que fizessem inferir, erroneamente, que determinada empresa patrocina a realização de jogos, ou, na segunda hipótese, de comerciantes não autorizados que prometessem em suas campanhas publicitárias acesso ao local da competição caso o consumidor adquirisse algum produto sorteado.
A segunda modalidade, classificada como marketing de emboscada por intrusão, veda a exposição de “marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária” (artigo 33). É o que ocorreria caso algum jogador, intencionalmente, exibisse produtos de seu patrocinador individual durante a realização de evento patrocinado por outra empresa.
Ambas as condutas se sujeitam à representação da FIFA, embora, por opção legislativa, continuem sob competência do MP, responsável pelo ajuizamento de eventual ação penal. Ou seja: caberá à instituição brasileira, com todas as possíveis conseqüências que daí decorrerem, arcar com o custo de eventuais procedimentos nos quais a influente entidade suíça se julgar prejudicada.
O prazo para que a representação seja realizada é de seis meses, contado do dia em que a FIFA tiver conhecimento da autoria do crime. Optou-se por punir apenas condutas praticadas de forma intencional, de modo a excluir situações nas quais se incorra em marketing não autorizado por negligência, imprudência ou imperícia.
As penas atribuídas às duas espécies delitivas, todavia, não são elevadas. Qualquer que seja a conduta, cominar-se-á pena de detenção, de três meses a um ano. Entretanto, é bom que se diga que, alternativamente à pena privativa de liberdade, caberia imposição de multa – que, segundo critérios hoje vigentes, poderia chegar a mais de treze milhões de reais. De toda sorte, na prática, a apuração de tais crimes ocorrerá sob o rito dos Juizados Especiais Criminais, antigamente chamado de Pequenas Causas, a quem caberá a conciliação, o julgamento e a execução de medidas eventualmente impostas.
Orientando-se esse processo pelo objetivo maior de obter reparação dos danos causados, caberá composição civil entre os envolvidos; no caso, entre a FIFA e o potencial acusado pela Lei da Copa. Apenas se não houver acordo, poderá então o Ministério Público propor imediatamente a aplicação de pena restritiva de direitos ou multa, sem que a aceitação da proposta importe em reincidência para o envolvido ou produza qualquer efeito penal. Caso nenhuma dessas duas medidas seja adotada e havendo oferecimento de denúncia, o processo poderá ser suspenso desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime e inexistam circunstâncias específicas a recomendar providência diversa.
Os problemas desses institutos, já conhecidos em nossa prática jurídica, é que a lei não determina critérios seguros para sua aplicação, podendo o Ministério Público calcular a imposição de multas milionárias a quem se vir envolvido no cometimento desses crimes.
Os tipos permanecerão em vigor até o dia 31 de dezembro deste ano.
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