Muito se tem discutido quanto ao eventual banimento da publicidade de produtos para crianças e adolescentes. Os argumentos favoráveis se baseiam na premissa de que os incapazes não poderiam ser expostos a práticas publicitárias por não distinguirem a mensagem publicitária de uma informação não comercial. Os argumentos contrários estão fundados na inconsistência entre se presumir que um jovem de 16 anos (adolescente, segundo o conceito legal) seria apto para votar nos representantes que governarão o país, mas não teria capacidade para entender o teor mercadológico de uma publicidade; assim como no fato de a publicidade para crianças e adolescentes não ser proibida em qualquer país ocidental.
Recente estudo divulgado pelo CONAR revela que no Canadá, país normalmente citado pelos defensores do banimento da publicidade, somente uma das dez províncias (Quebec) baniu a publicidade para crianças, e apenas pelo meio televisivo, em programas gerados na própria província. Em outras palavras, mesmo na província de Quebec as crianças ainda assistem publicidade televisiva de produtos destinados a crianças, desde que a transmissão do programa tenha origem em qualquer outro lugar.
Na Suécia, outro país normalmente citado como exemplo pelos defensores do banimento, a publicidade direcionada a crianças apenas é proibida na televisão, e em canais abertos. Ou seja, as crianças continuam expostas à publicidade em outros meios. E, mesmo na televisão, a publicidade continua sendo veiculada nas centenas de canais fechados existentes na Europa, muitas vezes com programação exclusivamente infantil.
Recentemente, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (“CONANDA”) editou a Resolução nº 163, que dispõe sobre “a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente”.
Segundo a Resolução, o CONANDA considera abusivo o direcionamento à criança de publicidade ou qualquer forma de comunicação mercadológica com a intenção de persuadi-la para o consumo, que utilize linguagem infantil, efeitos especiais, excesso de cores, trilhas sonoras infantis, representação de crianças, pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil, personagens ou apresentadores infantis, desenho animado ou de animação, bonecos ou similares, distribuição de prêmios ou de brindes com apelo infantil e competições ou jogos com apelo ao público infantil.
Ainda, o CONANDA entende abusiva a adoção dessas ferramentas publicitárias em qualquer meio de comunicação e horário, seja com relação a produtos ou serviços relacionados ao público infantil ou a adolescentes e adultos.
Ao que tudo indica, trata-se de Resolução de mero caráter informativo, que visa orientar as entidades de atendimento à criança e ao adolescente quanto ao apoio do CONANDA aos Projetos de Lei que pretendem limitar a publicidade de produtos direcionados à criança e ao adolescente.
Em que pesem algumas manifestações recentes de ONGs pretendendo atribuir à Resolução o banimento da publicidade de produtos para crianças e adolescentes, em momento algum a Resolução menciona que tal publicidade estaria proibida no Brasil. Até porque, se o fizesse, acreditamos que a Resolução seria claramente inconstitucional.
Primeiro porque nem o Estatuto da Criança e do Adolescente nem a Lei nº 8.242/91, que criou o CONANDA, atribuem ao órgão competência para legislar. Nesse sentido, o artigo 2º, I, da Lei nº 8.242/91 prevê que a competência do CONANDA para elaborar normas está restrita à regulação “da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente (...) observadas as linhas de ação e as diretrizes estabelecidas” no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo porque o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em seu artigo 79, a possibilidade de veiculação de publicidade destinada ao público infanto-juvenil, com exceção de produtos específicos, como bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições. Se o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a legalidade de publicidade dirigida ao público infanto-juvenil, o CONANDA jamais poderia proibir tal prática.
Terceiro porque a Constituição Federal estabelece que compete a Lei Federal a regulamentação da publicidade. Sendo o CONANDA um órgão administrativo, seus atos e Resoluções não se confundem com Lei Federal.
Portanto, a Resolução nº 163/14 do CONANDA só pode ser vista como uma orientação para a política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, mas sem qualquer caráter vinculante para os particulares.
Interpretação diversa, que pretenda ampliar o alcance da Resolução, revelaria sua patente inconstitucionalidade e a violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente e à Lei nº 8.242/91, próprios fundamentos de legitimidade do CONANDA.
Até porque, o Código de Defesa do Consumidor e o Código de Autorregulamentação Publicitária do CONAR já preveem limitações à publicidade de produtos direcionados a crianças, considerando a sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.
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*Maximilian Fierro Paschoal é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados
*Pedro Paulo Barradas Barata é associado ao escritório Pinheiro Neto Advogados
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** Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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