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A rescisão de contrato de compra e venda de imóveis: a abrangência da cláusula penal e o direito do vendedor à indenização pela fruição do imóvel

A cláusula penal é uma prévia fixação da indenização a ser recebida pelo contratante que não deu causa ao rompimento do vínculo contratual, ou seja, trata-se de um pacto acessório que visa assegurar o cumprimento da obrigação ou de determinada cláusula contratual.

19/5/2014

Os tribunais pátrios consolidaram o seu entendimento no que se refere à necessidade de readequação da cláusula penal nos contratos de compra e venda de imóveis para permitir a retenção pelo vendedor de parte dos valores pagos pelo comprador nas hipóteses de rescisão contratual por culpa do adquirente.

Em pesquisas jurisprudenciais constata-se que o percentual de retenção varia entre 10 e 30% do valor efetivamente pago pelo adquirente, a fim de indenizar o vendedor com os prejuízos advindos do inadimplemento contratual.

No entanto, o direito de retenção e a abrangência da cláusula penal em referidos contratos tem se apresentado como questão tormentosa nos tribunais, especialmente em relação à necessidade do vendedor ser indenizado pela ocupação do imóvel quando o descumprimento do contrato ocorre após o adquirente ter se imitido na posse do bem objeto do contrato de compra e venda.

Diversos são os julgados em que se determina a retenção dos valores desconsiderando os prejuízos advindos pela fruição indevida do imóvel após o descumprimento culposo do contrato pelo adquirente, ou seja, entende-se que a cláusula penal abrangeria todos os prejuízos sofridos pelo vendedor, dado o seu caráter reparatório.

Nesse sentido, em linhas gerais, há que se destacar que a cláusula penal é uma prévia fixação da indenização a ser recebida pelo contratante que não deu causa ao rompimento do vínculo contratual, ou seja, trata-se de um pacto acessório que visa assegurar o cumprimento da obrigação ou de determinada cláusula contratual.

O ponto principal a ser esclarecido em hipóteses em que o adquirente permanece na posse do imóvel após o descumprimento contratual é que há dois títulos, um de natureza pessoal, ou seja, contratual, pertencente ao campo dos direitos das obrigações e outro de natureza real.

De fato tem razão a jurisprudência ao afirmar que a cláusula penal também tem função reparatória, todavia, a sua função se limita ao campo contratual.

Neste campo abarcado pela cláusula penal estão os danos decorrentes do descumprimento contratual, na medida em que houve a quebra de um vínculo que deveria ser cumprido até o fim. No entanto, o que se discute é a indenização decorrente de esbulho, ou seja, pelo período em que o adquirente permaneceu no imóvel, mesmo após notificado para sua desocupação, sem entregar qualquer contraprestação.

Não se pode perder de vista que a simples violação do direito de propriedade gera o dever de indenizar, uma vez que o proprietário fica impedido de exercer o seu direito de propriedade garantido constitucionalmente, isso porque, tal proteção é um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, conforme previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal.

O simples impedimento de usar e fruir do bem imóvel permite ao vendedor pleitear a indenização, de modo que ampliar o alcance da cláusula penal a prejuízos advindos pela violação de outro bem jurídico vai de encontro à sistemática vigente.

Assim, a esfera de direitos do vendedor é violada em dois momentos pelo adquirente: (i) ao romper o contrato de maneira culposa (inadimplemento); e (ii) ao permanecer no imóvel após a inadimplência.

Isso porque a inadimplência contratual tem como um dos efeitos o desfazimento da avença, de modo que a consequência da extinção do contrato é as partes retornarem ao status anterior à sua celebração. E justamente em razão desse efeito é que se devolve ao adquirente parcela substancial dos valores pagos, permitindo a retenção de determinado percentual pelo vendedor (cláusula penal). Também em razão desse efeito, o vendedor deve ser reintegrado na posse do imóvel, de modo que a sua ocupação pelo adquirente por tempo considerável, posterior ao inadimplemento, gera o dever por parte deste de indenizar o vendedor.

O equívoco da tese de que a cláusula penal abrangeria todos os prejuízos advindos do contrato reside na equivocada interpretação do parágrafo único do artigo 416 do Código Civil . Referido dispositivo legal prevê que mesmo se o prejuízo exceder o previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar, salvo se houver disposição contratual expressa nesse sentido. Nesta segunda hipótese, o valor da cláusula penal seria o piso da indenização, cabendo ao credor provar os prejuízos excedentes.

Embora em um primeiro momento possa se ter em mente que o vendedor não poderia pleitear indenização pela fruição do imóvel, se analisada a questão de forma sistêmica, verifica-se que tal entendimento se mostra equivocado, na exata medida em que referido dispositivo legal se aplica para as hipóteses em que o descumprimento da obrigação tenha causado prejuízos maiores do que o previsto contratualmente. No entanto, os prejuízos tem que ter a mesma natureza, ou seja, pessoal.

No caso de fruição indevida do imóvel após o inadimplemento, a indenização foge do campo do direito pessoal e passa para o direito real, ou seja, trata-se da violação do direito de propriedade do vendedor. A fruição indevida não ocorre em razão do descumprimento do contrato e sim em razão da má-fé do adquirente em permanecer no imóvel até a reintegração do vendedor na sua posse.

A situação em questão é de fácil percepção quando analisada com mais cautela. Da análise do rompimento do contrato não se pode concluir que a fruição seja uma causa direta deste evento ocorrido no âmbito do direito pessoal, pois conforme já mencionado anteriormente, o desfazimento da relação contratual coloca as partes no status anterior ao da celebração do contrato e, assim, o adquirente de boa-fé deveria restituir as chaves do imóvel ao vendedor e não permanecer na sua posse até a reintegração pelas vias judiciais.

A fruição indevida do imóvel é causa absolutamente independente, constituindo-se, portanto, dano diverso daquele resultante do descumprimento contratual; ou seja, o descumprimento do contrato e a fruição indevida do imóvel constituem-se causas autônomas de violação de dois direitos também autônomos do vendedor e pertencentes à esferas distintas do Direito Civil.

Assim, não se pode estender os efeitos da cláusula penal para hipóteses de ressarcimento de prejuízos advindos de lesão a direito diverso daquele abrangido pelo contrato. O entendimento jurisprudencial no sentido da cláusula penal abranger os prejuízos advindos da fruição do imóvel estende o efeito do contrato além daquilo que as partes pretenderam no momento da celebração.

Além de violar a liberdade de contratar das partes, portanto, referido entendimento permite o enriquecimento injustificado do adquirente de má-fé que permanece na posse do imóvel após a rescisão contratual. Isso porque, ocupará o imóvel até que ocorra a reintegração judicial da posse sem entregar qualquer contraprestação ao vendedor. Em outras palavras, o vendedor sofrerá diversos prejuízos, ao passo que o adquirente se beneficiará da sua má-fé.

Tal situação, além do acima exposto, vai de encontro à base principiológica do Código Civil e gera um desequilíbrio nas relações contratuais que o legislador buscou evitar quando do avento da Nova Codificação, que trouxe para o ordenamento jurídico novos princípios, bem como uma nova forma de aplicação do direito, seguindo as tendências do direito europeu. De acordo com novel legislação, muitos dos seus artigos constituem cláusulas gerais, ou seja, se apresentam como uma espécie de “moldura” para que o julgador preencha "a tela do quadro" de acordo com o caso concreto. Em outras palavras, o magistrado tem a sua disposição normas gerais devendo aplicá-las de acordo com cada caso.

E para casos como o ora analisado, o Poder Judiciário poderia valer-se da aplicação dessa base principiológica ou cláusulas gerais para evitar situações de desequilíbrio nas ralações jurídicas como, por exemplo, ao fixar a indenização pela fruição indevida, utilizar o instituto da compensação para compensar as dívidas (restituição das parcelas pagas x indenização pela fruição indevida do imóvel) já que referida hipótese se encaixa perfeitamente naquela prevista no artigo 368 do Código Civil.

Muitas são as alternativas e ferramentas postas para o magistrado solucionar casos como o acima exposto; no entanto, não se pode perder de vista que a jurisprudência não pode se distanciar dos princípios norteadores do Direito Civil sob o argumento de proteger os consumidores das grandes construtoras e incorporadoras, pois não se pode negar vigência a qualquer dispositivo legal – e constitucional, no caso da propriedade - devendo as normas jurídicas serem aplicadas de forma harmônica, ainda que não pertençam ao mesmo sistema (ou microssistema) jurídico.

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* Danilo Joaquim de Lima é advogado do escritório CMMM – Carmona Maya, Martins e Medeiros Advogados.

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