Judicialização da política e politização da justiça
Adauto Suannes*
A primeira reação a isso será os investigados cobrarem do Parquet uma postura “neutra”, no sentido de esperar que seus membros fechem os olhos àquilo que é tido e havido como coisa comum à política, pois só os muito ingênuos podem imaginar que os políticos sejam pessoas vocacionadas à beatificação. Ou pessoas que conseguem manter-se com os ganhos oficiais que lhes caem nas contas bancárias.
No limite, passa-se a censurar o Poder Judiciário, que, “mancomunado com o Ministério Público”, dá andamento a investigações ou mesmo a ações concretas tendentes à apuração do cometimento de infrações criminais por parte de políticos.
A lei que pune a irresponsabilidade fiscal de políticos e o ar de surpresa de muitos administradores da res publica, quando tiveram consciência de que essa era uma lei “para valer”, serve como exemplo para mostrar a diferença entre os hábitos que sempre nortearam nossa vida política e o que a sociedade pretende seja a vida política na atualidade.
Some-se a isso o sensacionalismo nem sempre responsável dos mass media e teremos um quadro de fogo cruzado: nós diminuiremos a politização da justiça desde que vocês diminuam a jurisdicionalização da política, fechando-nos, cá e lá, nas caixas pretas dos nossos conchavos.
Ocorre que, para repetir Boaventura Santos, “a politização da justiça transforma a plácida obscuridade dos processos judiciais na trepidante ribalta mediática”. Aberta a caixa (preta?) de Pandora, quem se habilita a fechá-la?
Não nos envergonhando de mais uma vez bebermos na respeitada fonte lusitana, haveremos de reconhecer que esse confronto entre a escuridão em que tramitam, por longos anos, os processos judiciais e a necessidade de imediatismo que rege a atividade comunicativa e as notícias trazidas à luz do dia, pretensamente isenta de parti pris, levará a resultados indesejados e extremamente perigosos.
Detenhamo-nos num deles: a morosidade do processo necessário à imposição da pena ao comprovado criminoso. A menos que repristinemos as regras da Inquisição, onde se determinava ao advogado que não atrapalhasse a realização da justiça e onde a razoabilidade da defesa apresentada pelo suspeito era a maior demonstração de que tinha ele pacto com o diabo, entre o fato causador de “comoção social” e o esgotamento dos recursos legais com que conta a defensoria haverão de transcorrer prazos destinados a afirmações e negações, por força do chamado “princípio do contraditório”, do qual os meios de comunicação conhecem apenas uma caricatura, quando alegam haver sido ouvida “a outra parte” antes de publicar notícia injuriosa, ou quando tomam o “cuidado” de gravar as declarações do suspeito (som e imagem!) sem o mais mínimo respeito às garantias constitucionais que cuidam da dignidade da pessoa humana.
Estranhamente, em lugar de o Poder Judiciário passar a negar valor a tal tipo de “prova”, manifestamente ilícita, e a tudo aquilo que dela decorra, como fruits of a poisonous tree, o que se vê é muitos juízes se dobrarem ao poder dos mass media, transformando, por exemplo, a prisão preventiva em um evidente início de cumprimento de pena, sempre que se cuide de “crime grave” ou de fato que tenha causado “comoção social”, dando-se desde logo por provado aquilo que a existência mesma do processo indica deva ser comprovado, só possível em clima de ponderação e comedimento, e não sob o impacto do clima de insegurança que a todos nos atinge, juizes ou não.
Conseqüência disso é a incrível declaração de um Ministro de um dos nossos Tribunais Superiores, no teor de que os três poderes da República devem-se unir no combate à criminalidade. Epa! Até onde aprendíamos antes de instaurar-se no país o terrorismo penal, ao Poder Judiciário não cabe combater coisa alguma, mas tão somente assegurar aos acusados (na esfera criminal) um fair trial, um julgamento justo, pela necessária observância dos princípios que compõem o devido processo penal.
A continuar essa subordinação do Judiciário aos “fazedores de opinião”, dia virá em que o simples fato de alguém residir em cidade com alto índice de criminalidade será fundamento por si só suficiente para lastrear um decreto de prisão cautelar, como se o suspeito fosse, mesmo sendo apenas suspeito, o responsável pela intranqüilidade das pessoas que a habitam.
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* Desembargador aposentado do TJ/SP e membro do IBCCRIM
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