Migalhas de Peso

Multas no Procon/SP: Exorbitantes e desproporcionais, ou não? - Uma visão crítica

Ao contrapor alegação de que se tem observado um excessivo rigor do Procon/SP na aplicação de multas, pondera-se que a ausência de certas informações prejudica emissão de juízo.

28/4/2014

Em 23/4/14, este portentoso rotativo publicou interessante artigo, de autoria de André da Silva Sacramento, acerca das multas aplicadas pelo Procon/SP. O autor do presente é fiscal das relações de consumo no Procon de Londrina/PR, e gostaria, humildemente e com toda a lhaneza, de apresentar um contraponto ao mesmo artigo, apresentando, por assim dizer, "o outro lado da moeda", à moda de Jack, o Estripador: calmamente e por partes. Desde o início, diga-se: os argumentos são puramente jurídicos e destinados ao bom combate à argumentação expendida pelo I. Advogado, e não, jamais, à pessoa do advogado. Lutemos o bom combate!

1. Com todo o respeito: a meu sentir, verifica-se que o autor parece - possivelmente tomado pela emoção e indignação que a atividade advocatícia proporciona no dia-a-dia1 - partir daquilo que se chama, na linguagem de Schopenhauer, de uma petição de princípio, no sentido de transformar a conclusão numa premissa: o argumento básico é de que o valor da multa (R$ 6 milhões) é alto, logo o Procon/SP age de maneira desproporcional; e de que o Procon age desproporcionalmente, visto que o valor é excessivamente alto... Ao dar atenção, em seu texto, apenas ao par "valor envolvido na reclamação" (R$ 15,00) versus "valor da multa", o autor acidentalmente ignora que a multa é valorada, nos termos do art. 57, caput, do CDC, em um tripé: 1. gravidade da infração; 2. vantagem auferida [no caso concreto, R$ 15,00] e 3. condição econômica do fornecedor. Não me parece razoável a assertiva, da maneira como foi apresentada.

2. Em outras palavras, a título de reforço: R$ 6 milhões é desproporcional em relação a R$ 15,00? Sim, é desproporcional! Porém, por outro lado, todavia: R$ 6 milhões é desproporcional em relação a A. R$ 15 reais envolvidos em B. uma conduta de gravidade desconhecida praticada por C. um fornecedor de condição econômica desconhecida, porém certamente muito grande? A única resposta possível é: infelizmente, não é possível dizê-lo sem acurada análise do caso concreto.

3. Efetivamente, a premissa do autor de que as multas são excessivas, a partir da análise do seu valor (R$ 6 milhões), depende da análise do caso concreto.

Como exemplo, verifica-se que o maior banco brasileiro teve receita bruta, no ano de 2014, de R$ 94,12 bilhões2, bem como lucro de R$ 13,87 bilhões. Uma multa de R$ 6 milhões, aplicada a este banco, significa uma multa no porcentual de 0,00637% da receita anual: há, alguém, de dizer que trata-se de multa excessiva? Mal comparado, seria excessiva a multa, aplicada a uma empresa com receita mensal de R$ 1,2 milhões anuais, de R$ 76,44 (setenta e seis reais e quarenta e quatro centavos)? Acredito que a sociedade brasileira diria que não.

4. Talvez não se trate um banco: ainda assim, caso verificado tratar-se de uma empresa de consumo de massa, é bastante possível que se trate de uma empresa concessionária do ramo das comunicações. Assim, a título de argumentação, verifiquemos que a maior operadora de telefonia celular do país apresentou uma receita operacional líquida acumulada de R$ 25,6 bilhões em 2013, apenas até o início de novembro – que, extrapolando, podemos extrapolar para R$ 30 bilhões. Uma multa de R$ 6 milhões aplicada a esta empresa significa 0,02% de sua receita operacional líquida; comparativamente, considerando novamente uma hipotética empresa com receita anual de R$ 1,2 milhões, uma multa de 0,02% de sua receita anual equivaleria a R$ 240,00. Pergunto, novamente: é excessiva? Creio que não!

5. Da mesma maneira, e entrando nas infinitas possibilidades de análise do caso concreto: conforme o art. 24 do decreto 2.181/97, determina que para a imposição da pena e sua gradação, serão considerados, também, as circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como os antecedentes do infrator, nos termos do art. 28 do mesmo diploma legal; este art. 28, por sua vez, definirá como circunstâncias agravantes: a reincidência; o dolo específico de obter vantagens indevidas em detrimento do consumidor; os danos à saúde ou à segurança do consumidor; a não-mitigação dos danos, pelo fornecedor; o caráter repetitivo da conduta; a ocorrência da prática em detrimento de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência física, mental ou sensorial, bem como da condição cultural, social ou econômica da vítima; entre outros critérios. Alguma destas circunstâncias agravantes, todas elas de baixíssimo nível ético e moral, foi levada em conta, talvez, para agravar a pena-base? Não se sabe.

6. Dito de outra maneira: certamente, o valor da multa não é proporcional ao valor da vantagem, mas sim ao desvalor da conduta supostamente praticada, bem como aos seus resultados e dos danos causados no caso concreto.

7. Ad argumentandum: é sabido que as grandes empresas utilizam-se do Poder Público, especialmente do Poder Judiciário, como balcão de atendimento: "chegou no Judiciário [ou no Procon], então vamos resolver o problema do consumidor". Não é por outro motivo que na comarca de Belo Horizonte, bem como em Pernambuco e no Maranhão – entre outros - instalaram-se Juizados Especiais de Relações de Consumo: toda a sociedade paga pelos maus serviços prestados pelos fornecedores de massa, tais como os dois hipotéticos fornecedores hipotéticos supralistados.

8. A alegação de que "sanções como esta em análise, só prestam para diminuir (ainda mais) a confiança na administração pública, pois quer parecer que não é o interesse público que está sendo protegido, mas sim, o interesse do próprio ente público, isso porque, a receita auferida com as multas é destinada integralmente ao Procon/SP": com a devida vênia, e com todo o respeito devido à pessoa do I. Dr. André Sacramento, não merece respeito a presente assertiva: a uma, porque, a teor do art. 57 do CDC, o valor da multa será destinado ao Fundo de Defesa do Consumidor ou congênere; a duas, porque, a maneira democrática, altaneira e cidadã de defender os dinheiros públicos dos malversadores (e os há, seja na esfera do Procon, de outros órgãos públicos ou mesmo das empresas privadas, vide os recentes escândalos nos diversos rincões do país!), é a contínua fiscalização dos malfeitos dos servidores públicos, e não a presunção de que sejam(os) todos malfeitores. Há bons servidores públicos e maus servidores públicos; como há bons advogados e (uma minoria de) maus advogados.

9. Em relação ao processo administrativo brasileiro, de maneira geral e especificamente na seara consumerista, tenho apenas uma palavra: Avante!!! Há muito que avançar neste sentido, e críticas construtivas – ainda que, por vezes, eivadas dos vícios naturais ao ser humano – como a crítica do Dr. André Sacramento são sempre bem-vindas: dialeticamente construiremos a Administração Pública que queremos, merecemos e necessitamos.

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1 Especialmente quando se trata com o Poder Público brasileiro, diga-se.
2 Verifique-se que o Autor não está se preocupando em procurar números exatos, mas aproximações: trata-se de uma discussão meramente exemplificativa.
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* Fabio Roberto Sefrin é fiscal das Relações de Consumo no Procon de Londrina/PR.

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