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Novo CPC e Família

Como observado, o novo CPC permitirá um mais eficiente processo civil de família. Afinal, como é consabido, em ações de famílias, a resolução do processo implica, igualmente, em solucionar e resolver pessoas.

16/4/2014

O projeto do novo CPC, aprovado pela Câmara dos Deputados (26/3/14), apresenta importantes inovações para a eficiência da jurisdição e a efetividade dos julgados e, designadamente, também propõe significativos avanços para a área de família. 

Anota-se, porém, que malgrado a supressão, no texto senatorial, sobre as ações de separação judicial (litigiosas ou não), por identidade lógico-constitucional com a EC 66/10, quando conforme a melhor doutrina fez extinguir aquelas, o projeto analisado pela Câmara dos Deputados agora reedita a existência das referidas ações, ao trata-las no art. 746.

Antes de mais, importa dizer que o novo CPC traduz, com eficiência, os anseios de modernidade do processo civil de família, onde:

(i) todos os esforços de desfecho devem ser empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxilio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. No ponto, consagra-se a necessária interdisciplinaridade, acentuada nas ações de família (artigo 709); (ii) o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse de incapaz (art. 713); (iii) o juiz decisor atuará sempre com dicção voltada a proferir a garantia e efetividade de direitos fundamentais.

Para além disso cumpre referir, com boa nota, outras significativas mudanças que o CPC projetado apresenta para o Direito de Família e sua operacionalidade, a exemplo:

(i) assinatura digital dos juízes, a ensejar uma maior ação de presença para decisões-instantes, onde quer o magistrado se encontre; (ii) Livros específicos destinados à Parte Geral do CPC, tal como sucede com o moderno CC; (iii) capítulo, no Livro I da Parte Geral, que trata dos Princípios e das Garantias Fundamentais do Processo Civil, permitindo, de tal diretiva, um permanente elo e consequente diálogo de fontes entre os direitos e garantias individuais elencados na Constituição de 1988 e a aplicação deles no processo civil; (iv) a disciplina do instituto da Tutela da Evidência, para os fins de medidas satisfativas que visam a antecipar ao autor, no todo ou em parte, os efeitos da tutela pretendida, tal como sucede com a atual Tutela da Urgência, também disciplinada; (v) um procedimento estabelecido em lei, pela primeira vez, para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, cabível em todas as fases processuais, importando seus reflexos para a desconsideração inversa com atenção ao patrimônio dos cônjuges e efetiva defesa protetiva da meação; (vi) uma maior dinâmica sucumbencial, quando os honorários advocatícios passam a ser devidos também em pedidos contrapostos, no cumprimento de sentença, na execução resistida ou não, e nos recursos interpostos, de forma cumulativa; (vii) o emprego da conhecida técnica da distribuição dinâmica do ônus da prova, amplamente consagrada pela doutrina e moderna jurisprudência do STJ.

Pois bem. Na seara do direito de família processual, o novo CPC tem seu projeto indicando novos avanços, convindo assinalar, dentre outros, os seguintes:

Procedimento especial

Cria-se, por imprescindível, um procedimento especial para as ações de família, que contém algumas especificidades importantes. Exemplo marcante é o da citação desacompanhada de cópia da petição inicial (art. 710 § 1º), tudo a conferir maior possibilidade de êxito na mediação e conciliação do conflito familiar, em audiência própria. No entanto, fica a ressalva de ser assegurado ao réu o direito de examinar o conteúdo da inicial a qualquer tempo. O procedimento especial para as ações de família está referido pelos arts. 708 a 714 do projeto.

Alienação Parental

Pela primeira vez, aparecerá no CPC a referência à alienação parental. No art. 714 do projeto, é previsto que quando a causa envolver a discussão sobre fatos relacionados a abuso ou alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá fazê-lo acompanhado por especialista.
Considere-se, todavia, que melhor seria para efeito de disciplina da arguição, que esta fosse resolvida como incidente do processo, a ser dirimido com um procedimento mais amplo e eficiente, a tanto ensejar providencias específicas; salvo quando a invocação se constituir, efetivamente, como causa de pedir, em face da pretensão deduzida em juízo. De todo modo, registra-se que os processos de família envolvendo imputação de alienação parental, merecem tratamento específico, nomeadamente pela gravidade do tema. O mesmo pode-se afirmar para as ações de destituição do poder familiar, que estão a exigir um procedimento especial próprio.

Mediação

A disciplina da conciliação e da mediação (arts. 166 a 176 do novo CPC) aperfeiçoa os institutos, buscando, através deles, empreender mecanismos mais eficazes para a resolução consensual de conflitos. O projeto estabelece os princípios que regem a mediação e a conciliação, observando os parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, para a formação dos conciliadores e mediadores (resolução 125). Com efeito, o juiz, a requerimento das partes, poderá determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar (art. 709, § único). Assinala-se, ainda, que a audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução processual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito (art. 711).

Atendimento multidisciplinar

A figura do atendimento multidisciplinar dos litigantes, envolvendo profissionais de outras áreas de conhecimento como psicólogos, psicoterapeutas, pedagogos e assistentes sociais, aparece pioneira no CPC projetado, no efeito de servir à hipótese de suspensão do processo, enquanto os litigantes a ele se submetam. Assim, importa urgente que os juízes de família estabeleçam paradigmas para o atendimento multidisciplinar, sempre que este novo instituto jurídico, em direito de família processual, seja necessário ou conveniente.

Parte convivente

Dentre os requisitos da petição inicial (art. 320) está prevista a necessidade de indicação da existência ou não de união estável por quem demanda ou por quem seja demandado (inciso II), quando se refere à qualificação das partes. Afinal, cuidará o novo CPC, de admitir, por via de consequência, a união estável como um estado civil, como temos de há muito sustentado.

Efetividade

O aperfeiçoamento de mecanismos para a efetividade dos julgados é uma expressão marcante da política judiciária trazida pelo projeto do novo CPC. A tanto, introduz-se dispositivo que prevê a possibilidade de ser levada a protesto a sentença judicial transitada em julgado (art. 531), "servindo como um ótimo meio para forçar ou estimular o pagamento de valores decorrentes de condenação judicial transitada em julgado".  Demais disso, registra-se o novo regramento da hipoteca judiciária, com as previsões expressas do direito de preferência e o regime de responsabilidade civil em favor de quem a hipoteca é constituída.

No mais, "altera-se a redação de alguns dispositivos para deixar claro que podem ser executadas as sentenças que preveem o direito a uma prestação, não se restringindo apenas à sentença condenatória".

Alimentos e Execução

O projeto do CPC adota, em linhas gerais, o sistema da execução de prestação alimentícia que já havia sido previsto pelo Estatuto das Famílias, proposta legislativa do IBDFAM. Além dos mecanismos de prisão civil, a possibilidade de protesto de dívidas alimentares no caso de inadimplência do devedor.  Esgotado o prazo de cumprimento voluntário, o devedor poderá ter o nome inscrito nos sistemas de bases de dados de proteção ao crédito. Vejamos, então:

A regra do novo art. 542 do CPC projetado, para efeito do cumprimento da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos ou da decisão que fixar alimentos, para além de determinar, a requerimento do credor exequente, que seja o devedor executado, intimado pessoalmente a pagar o débito em três dias, dispõe no sentido que o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 531. Ou seja, a dívida alimentar impaga será levada, necessariamente, a protesto, figurando a sentença ou a decisão judicial como títulos executivos, nesse fim, ao tempo em que executada a dívida. A seu turno, o reportado art. 531 do projeto agora aprovado pela Câmara estabelece que "a decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no artigo 537" (ou seja, o que quinze dias).
Esse novo modelo que alia a execução alimentar a outros instrumentos de coercibilidade, a par de se constituir em uma das mais expressivas inovações do CPC, tem precedente em importantes instrumentos normativos já disponibilizados na justiça brasileira.

Não custa lembrar o pioneiro provimento 3/08, do Conselho da Magistratura de Pernambuco (DOPJ de 17/9/08), dispondo sobre o protesto de decisões irrecorríveis acerca de alimentos provisórios ou provisionais ou de sentença transitada em julgado, em sede de ação de alimentos.

De nossa iniciativa, quando presidente do TJ/PE, o provimento editado considerou, então, que o instituto do protesto, contemplado na lei Federal 9.492/97, em albergando títulos e documentos de dívida (art. 1º), alcançava, por corolário lógico, todas as situações jurídicas originadas em documentos que representem dívida liquida e certa. Segue-se, daí, entender que, "o protesto, sob o prisma do binômio celeridade/efetividade, materializa medida viável e satisfatória ao forçoso cumprimento de decisões judiciais", no âmbito das dívidas alimentares.

O provimento assinalou que a "obrigação alimentar constitui um instrumento de viabilização da vida com dignidade, conquanto objetiva assegurar meios essenciais de subsistência aos seus beneficiários, enquanto impossibilitados de promove-los por si próprios"; assegurando, de efeito, o protesto das decisões judiciais determinantes do pagamento de alimentos.

Nesse conduto, o novo texto processual vem, agora, ratificar, a necessidade de medidas de maior efetividade às decisões judiciais, apresentando-se o instituto do protesto como novo instrumento de eficiência da jurisdição, no sentido de uma prestação de justiça útil e efetiva.

Em resumo, o pronunciamento judicial, quanto à dívida alimentar existente e impaga, no tocante a reconhecer o inadimplemento imotivado, será levado agora, a protesto, por determinação do juiz (art. 542, CPC projetado), sem prejuízo de, em tempo instante, ser decretada a prisão civil, pelo prazo de um a três meses, em regime fechado.

Como observado, o novo CPC permitirá um mais eficiente processo civil de família. Afinal, como é consabido, em ações de famílias, a resolução do processo implica, igualmente, em solucionar e resolver pessoas. Justiça seja feita.

______________

* Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do TJ/PE e Diretor nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.


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