Que o sistema prisional brasileiro há muito deixou de ser um instrumento eficaz de recuperação se é que um dia foi não é novidade. O nosso atual sistema prisional é, sem hesitação, uma das mais sérias dívidas sociais que o Estado brasileiro e a sociedade, como um todo, tem. Uma fatura em aberto, pronta para ser cobrada. Uma situação alarmante e de impacto profundo e eminente no cotidiano do nosso país.
O sistema prisional brasileiro reflete a realidade social injusta do Brasil, e não se trata de ceder ao raciocínio fácil e mediano de que a pobreza e a carência facilitam, estimulam e propiciam ao crime, ou ainda, que levem os mais necessitados a violência e ao encarceramento. Trata-se somente de constatar que o sistema prisional é uma realidade mais viva e próxima da parte da população carente do Brasil, desde os tempos do Império, e que esse simples fato de constatação, por si só, alarma e constrange pela sua dimensão e potencial.
Pesquisa do Centro Internacional de Estudos Penitenciários do King’s College da Inglaterra classifica o Brasil como detentor da quarta maior população carcerária do mundo. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional - Depen, constantes do site do Ministério da Justiça, entre dezembro de 2005 e dezembro de 2009, a população carcerária aumentou de 361 mil para 473 mil detentos o que representou um crescimento, em quatro anos, de 31,05%. Desse número, boa parte são réus provisórios, aguardando decisão judicial, o que deixa cadeias e penitenciárias superlotadas, além de sobrecarregar as celas das delegacias.
Desse total, a maioria esmagadora encontra-se em condições precárias e desesperançosos de serem submetida ao devido, e justo, processo legal ao qual todo cidadão tem o direto constitucional.
As prisões brasileiras tornaram-se um amontoado de pessoas sem esperança de justiça e expectativas de ressocialização. São indivíduos ignorados pela sociedade, guardados em escaninhos escuros e esquecido da consciência coletiva, relegados a prisões que em muitos casos mais se aproximam de masmorras da idade média. Pretender que essa massa de pessoas não existe que essa população carcerária é somente um dado estatístico pálido e distante da nossa realidade é inútil, perverso e, de forma coletiva, ingênuo.
Sem mencionar que, na atual realidade, deixar o sistema penitenciário apos ter cumprido sua dívida para com a sociedade e tentar nela se reinserir é, por vezes, uma quimera. Mais certo é que a falta de apoio e suporte adequado do Governo e a pouca informação e compreensão da sociedade em acolher esse indivíduo e ressocializá-lo, o empurre novamente para uma vida de incertezas e criminalidade.
O Prêmio Innovare , uma instituição sem fins lucrativos existente há mais de dez anos e que tem por objetivos principais identificar, premiar e difundir boas práticas da Justiça Brasileira, lança na sua edição de 2014, na Categoria Prêmio Especial, o tema SISTEMA PENITENCIÁRIO JUSTO E EFICAZ.
Ao aprovar a escolha deste tema, o Conselho Superior do Instituto Innovare, composto pelas mais representativas instituições de classe da justiça nacional, (AMB, AJUFE, OAB, ANPR, ANADEP, CONAMP e ANAMATRA, além da Secretaria de Reforma do Judiciário), quer trazer a discussão do sistema prisional para um enfoque diferenciado. Ao criar uma Premiação Especial, que permite a inscrição de práticas existentes em todo o Brasil e a participação na disputa, não só de operadores de direito (público habitual das premiações do Innovare), mas de um leque muito mais amplo de participantes, o Innovare pretendeu agregar a essa discussão, a experiência de toda e qualquer pessoa da sociedade civil interessada no tema e que tenha, para somar ao mesmo, uma prática exitosa no campo do sistema prisional.
O que mais destaca o Innovare, além do seu banco de práticas, que comporta atualmente um acervo de mais de três mil praticas cadastradas, aberto à consulta púbica no site é, sem sombra de dúvidas, a banca de julgadores e avaliadores que compõe as duas comissões do Innovare: a Comissão Julgadora e a Comissão Difusora de práticas. Essas duas comissões congregam Ministros do STF, do STJ, advogados, defensores públicos, promotores, pessoas da sociedade civil, pensadores do direito, enfim, pessoas que trazem à discussão, na apreciação das práticas inscritas no Prêmio suas experiências profissionais tornando o debate rico e múltiplo na deliberação das práticas vencedoras.
Colocar uma prática de sucesso à apreciação de um colegiado tão qualificado e de larga experiência e sensibilidade profissional pode também ser uma maneira de destacar e difundir uma experiência inovadora que, com a devida repercussão na mídia especializada, pode então se disseminar e atingir um número muito maior de pessoas e, quem sabe, tornar-se um exemplo a ser seguido, adotado e até recomendado oficialmente.
O tema prisional é delicado e não se esgota, por óbvio, nessa discussão proposta pelo Innovare e nem nas que virão num futuro próximo. Há muitas pessoas bem intencionadas, bem preparadas e de grande experiência profissional e técnica envolvidas nessa discussão e na busca de uma solução viável e objetiva.
Já há a alguns anos no Brasil, experiências de Parcerias Público Privadas (PPP) que, com relativo sucesso, “privatizam” uma parte do sistema penitenciário, numa solução alternativa e mitigada do modelo adotado em outras partes do mundo. Não tenho certeza se esse é o caminho e sequer acho que a fórmula funcione há tempo suficiente para nos permitir dizer que é a solução exitosa, mas certamente merece um crédito e, numa avaliação isenta é, de longe, mais bem sucedida e razoável do que a realidade que hoje se apresenta no sistema penitenciário brasileiro em geral.
Por certo não há soluções prontas, e nem mágicas podem ser feitas. Esse é um tema que já está maduro, de longe, para uma discussão seria e aprofundada de todos os setores da sociedade e de todos os três poderes, o que exige que a sociedade responsável se debruce sobre ele para buscar uma solução sem demoras.
O que o Innovare pretende, ao incluir o sistema prisional nacional na pauta de discussão da sua Premiação Especial é colocar o tema no centro de atenções que ele merece, buscando, acima de tudo, trazer luz sobre as iniciativas positivas que já existem por todo o Brasil e com isso estimular sua difusão.
_________
_________