Migalhas de Peso

Sobre críticas ao Judiciário e aos juízes

Que se democratize o Judiciário; que se identifiquem e punam os maus juízes. Mas que se valorizem aqueles que cumprem o seu dever. As pessoas de bem só têm a ganhar com um Judiciário melhor.

2/3/2014

A manchete era a seguinte: "Juiz que ironizou por receber sem trabalhar vira herói no Facebook".

Não fui conferir. Na verdade, nem tenho perfil no Facebook. Mas, admitindo como verdadeira a notícia que gerou a referida manchete, constato mais uma vez o quanto a opinião dos brasileiros – pelo menos daqueles que põem comentários na internet – muitas vezes é estranha.

Porque, para mim, é estranho que tanta gente aplauda tão imediatamente a atitude de um juiz que, afastado do exercício da jurisdição, em razão de distúrbios psiquiátricos, trate com ironia e desdém a instituição da qual faz parte – o Poder Judiciário – dizendo que está ganhando sem trabalhar.

Longe de mim julgar se o colega em questão recuperou ou não as condições psíquicas para retornar ao exercício da magistratura – que o órgão competente para fazer esse julgamento o faça – mas, se foi afastado por questões de saúde, tinha mesmo que ficar recebendo seu salário, como qualquer trabalhador que esteja em licença médica.

O que me preocupa, no caso, é perceber que basta alguém levantar a voz contra uma instituição brasileira da importância do Poder Judiciário, ou contra os seus membros, e logo aparece uma multidão para aplaudir e fazer coro, lançando críticas generalizantes, sem ter o menor cuidado em verificar se as razões dessas críticas são pertinentes.

Ora, que o Poder Judiciário tem seus defeitos, é fato de conhecimento geral. Da existência de maus juízes também ninguém duvida. Nem por isso, entretanto, se vai negar a importância da instituição, nem tampouco diminuir o valor daqueles que agem de forma a dignificá-la.

Coincidentemente, por esta mesma época em que foi publicada a manchete à qual me refiro, está em curso o Programa de Valorização dos Juízes, promovido pelo CNJ, destacando-se do site do Conselho o seguinte parágrafo: Sabe-se que a atuação dos juízes é fundamental para a garantia do pleno exercício da cidadania, e a relevância desse papel pode ser verificada no simples fato de que são proferidos cerca de 22 milhões de sentenças por ano, em que pessoas são absolvidas de falsas acusações, criminosos são presos, consumidores são ressarcidos, devedores são condenados, maus políticos são cassados, direitos dos trabalhadores são respeitados, interesses familiares são preservados, vidas são salvas (https://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-e-transparencia/valorizacao-da-magistratura).

Não há nenhuma novidade no que está escrito no site do CNJ. No final das contas, qualquer pessoa minimamente informada tem consciência do quanto é importante para o país como um todo – e para cada cidadão em particular – que o Poder Judiciário seja composto de juízes sérios, competentes, comprometidos com a Justiça, independentes, imparciais, vocacionados para a difícil função de julgar.

O Código de Ética da Magistratura, publicado pelo CNJ em 2008, sintetiza bem os princípios que devem nortear a conduta do magistrado: independência, imparcialidade, conhecimento e capacitação, cortesia, transparência, segredo profissional, prudência, diligência, integridade profissional e pessoal, dignidade, honra e decoro.

Se assim é, parece-me que os juízes que merecem algum reconhecimento da sociedade são aqueles que cumprem o seu dever diariamente, sem estardalhaço, aplicando a lei com responsabilidade e rigor, ainda que tal postura ponha em risco sua própria vida, como acontece com tantos que proferem decisões contrárias aos interesses do crime organizado, cada vez mais organizado em nosso país.

Não defendo que se levantem monumentos ou que se criem páginas na internet para homenagear esses homens e mulheres que anonimamente realizam a importante missão de dizer o Direito. Espero apenas que sejam – sejamos, já que também sou juiz – tratados com dignidade e respeito.

É justo que a sociedade cobre do Judiciário transparência, democracia, celeridade e efetividade no cumprimento de suas decisões. É legítimo que as pessoas exijam dedicação, seriedade e imparcialidade dos juízes. Não posso dizer o mesmo a respeito das críticas generalizadas, que atingem a todos, quando só alguns a mereceriam.

Que se democratize o Judiciário; que se implantem programas de aproximação do Judiciário com a sociedade; que se identifiquem e punam os maus juízes. Mas que se valorizem aqueles que cumprem o seu dever e são efetivamente comprometidos com a realização do ideal de Justiça.

As pessoas de bem só têm a ganhar com um Judiciário melhor.
_______________

* Marcos Mairton é escritor, compositor e juiz Federal em Fortaleza/CE.

 

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