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Big Brother empresarial: pode o empregador "dar uma espiadinha" nos e-mails de seus empregados?

O monitoramento de e-mail corporativo é perfeitamente lícito, desde que respeitada a exigência de comunicação prévia da finalidade estritamente profissional da ferramenta.

26/2/2014

O monitoramento de e-mails por parte dos empregadores é prática cada vez mais comum no mundo empresarial e merece especial atenção da doutrina, sobretudo diante de várias lides em que são requeridas indenizações por danos morais decorrentes da violação à privacidade do empregado. Trata-se, mais do que uma questão meramente teórica, de uma realidade no mundo contencioso. Mas afinal, o empregador tem o direito de monitorar os e-mails de seus colaboradores?

A controvérsia tem seus fundamentos

Com o desenvolvimento da internet e a globalização, o e-mail se tornou ferramenta indispensável ao bom andamento das empresas, que criaram e-mails corporativos que, no mundo virtual, substituíam as antigas cartas em papel timbrado. Pesquisas indicam que 2014 começa com um fluxo de cerca de duzentos e quarenta e quatro milhões de e-mails vinculados a empresas, com expectativa de chegar a trezentos milhões ao final do ano.

Tal explosão do uso de e-mails e abandono das cartas em papel timbrado foi motivado pela facilidade e agilidade, indispensáveis ao ambiente corporativo moderno. Seguiu, também, a tendência de desmaterialização e de atuação corporativa sustentável, princípios basilares de uma era que abandona o desenvolvimentismo puro e abraça um desenvolvimento sustentável e ecológico.

A migração do papel para o e-mail ainda enfrenta a resistência de alguns, mais apegados ao tato e ao carimbo, mas é inegável a tendência pela virtualização, como atestam a ainda incipiente estruturação do processo eletrônico (lei 11.419/06), a disseminação de equipamentos eletrônicos que substituem os papéis (como os e-books) e a criação de mecanismos digitais de autenticação de documentos, que substituem com idêntico valor legal as assinaturas manuais.

Paralelamente, o boom econômico popularizou os computadores pessoais, e o foco do e-mail foi migrando dos objetivos públicos estratégicos (que remontam à sua gênese, na corrida tecnológica da Guerra Fria) a uma forma de correspondência entre particulares.

A junção destas duas linhas evolutivas, criou a controvérsia, já que trabalhadores passaram a ser, simultaneamente, titulares de e-mails de uso pessoal e de uso corporativo. De um lado, alocavam-se os e-mails genericamente na esfera do direito individual à privacidade e à intimidade. Divergindo, outra corrente separava os e-mails em pessoais e corporativos, um compondo o direito à privacidade e à intimidade e outro compondo o direito de propriedade do empregador, submetidos ao seu poder diretivo.

A controvérsia se firma, assim, em duas correntes: os que julgam quaisquer e-mails protegidos contra fiscalização e os que permitem a fiscalização, pelo empregador, do e-mail corporativo, mas não do e-mail pessoal.

Mas e o que diz a lei?

A CF/88 consagra no artigo 5º a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e o resguardo do sigilo da correspondência como direito fundamental. Eis o argumento que levou parte dos juristas a alocar os e-mails, indistintamente, como parte da "correspondência inviolável".

Já a corrente antagônica, atualmente majoritária, vê uma barreira separando a vida profissional da estritamente privada. Agindo o trabalhador em nome da empresa para a qual entrega sua força de trabalho, extrapolaria a esfera de sua vida privada.

Isso sugere que a inviolabilidade garantida pela Constituição limita-se à correspondência de uso pessoal, sob a qual não cabem ingerências, mesmo se acessada pelo trabalhador em computador pertencente à empresa e durante o horário de expediente. Já os e-mails corporativos, considerados ferramentas de trabalho, não se inserem na vida privada do usuário.

Além do fundamento lógico, há outros de ordem legal. O mesmo art. 5º consagra o direito à propriedade (caput) e à inviolabilidade da imagem (inciso X). O art. 932, III, do CC/02, por sua vez, obriga o empregador a reparar danos causados por seus empregados no exercício do trabalho ou em razão dele.

Assim, sendo o e-mail corporativo propriedade do empregador e considerados os riscos de violação à imagem da empresa pelo seu uso inadequado e a responsabilidade objetiva da empresa perante os atos de seus empregados, é preciso retirar os e-mails corporativos do âmbito da vida privada.

A jurisprudência trabalhista, orientada pelo princípio protetivo e pela presunção de hipossuficiência do trabalhador, por certo tempo relutou em adotar a divisão entre e-mails pessoais e profissionais.

Contudo, um importante acórdão da 1ª turma do TST publicado em 10/6/05 (RR61300-23.2000.5.10.0013), com relatoria do ministro João Oreste Dalazen, reconheceu que há de se separar os e-mails pessoais (protegidos pela Constituição, em seu art. 5º, incisos V, X, XII e LVI) dos e-mails corporativos.

O monitoramento de e-mail corporativo é, assim, perfeitamente lícito, desde que respeitada a exigência de comunicação prévia da finalidade estritamente profissional da ferramenta.

Costuma-se, assim, sugerir às empresas que constem dos contratos de trabalho cláusula expressa em que dá ciência do caráter eminentemente profissional dos e-mails corporativos e de sua sujeição a monitoramentos de rotina.

É também aconselhável às empresas que se obstem de promover monitoramentos direcionados e injustificados, pois tal conduta, apesar de lícita, gera o risco de alegação de discriminação ou perseguição de trabalhadores, que ensejaria indenização por outro motivo, diferente da violação da privacidade. Fiscalizações genéricas e impessoais (ou, se direcionadas a um colaborador específico, motivadas por suspeita razoavelmente justificada) são mais adequadas, mormente em um ambiente jurídico que costuma generalizar a má-fé e encarar indistintamente as empresas com olhares suspeitos.

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* Daniel Ybarra de Oliveira Ribeiro é advogado do escritório Rocha e Barcellos Advogados.

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