Os tribunais se encontram assoberbados de recursos, principalmente no que se refere aos órgãos de superposição (STJ e STF). Um processo judicial demora demais. Tudo isso é muito bem conhecido e já foi falado neste espaço diversas vezes, mas... como resolver o problema?
Sem a pretensão de proporcionar uma solução definitiva, segue uma pequena receita para reduzir o número de recursos.
Em primeiro lugar, coloque na panela processual a previsão de recursos de apelação sem efeito suspensivo automático. Tempere o ingrediente com o processo eletrônico. Essa combinação proporciona um sabor muito agradável. Afinal, se o recurso não tem efeito suspensivo automático, a parte que teve uma decisão favorável em 1ª instância poderá iniciar a execução provisória, ou seja, na pendência do recurso interposto pela outra parte.
Antigamente, o problema era formar a carta de sentença para que a execução seguisse enquanto os autos originários estavam no tribunal. Esse procedimento era burocrático e demorado. Enfim, perdia-se muito tempo e às vezes nem valia a pena instaurar execução provisória. Com o processo eletrônico, a execução provisória se potencializa, já que os autos poderão ser disponibilizados em dois ou mais lugares ao mesmo tempo, ainda que não se possa ignorar o desafio de manter um mínimo de organização nas peças eletrônicas para que elas possam ser facilmente manuseadas.
Esse primeiro ingrediente já retira aquela ideia de recorrer apenas para ganhar tempo, para retardar uma execução.
Mas a receita precisa de outros ingredientes. Adicione uma pitada de sucumbência recursal, ou seja, a condenação da parte recorrente em novos honorários de advogado (além das despesas processuais) se o seu recurso for rejeitado, preferencialmente de forma restrita aos casos de unanimidade de votos no tribunal, situação em que estará inequívoco que, pelo menos do ponto de vista da 2ª instância, o recorrente não tinha razão.
Por vezes questiona-se se seria conveniente ou não assegurar o duplo grau de jurisdição. Entre os seus partidários, destaca-se que o recurso permite uma cognição mais completa sobre a causa, por julgadores mais experientes e, de forma frequente, por um órgão colegiado. Entre os seus opositores, sustenta-se que o recurso pode representar desperdício de tempo e de dinheiro, além do que nada garante que a decisão do tribunal será melhor que a do juiz. Acrescenta-se que, se a sentença for mantida, desnecessário terá sido o recurso; se for alterada, será reforçado o descrédito no Judiciário.
Bem pensadas as coisas, a razão está com os dois lados. Na verdade, apenas interessa ao ordenamento jurídico que sejam interpostos recursos pela parte que tem razão. Aquele que não tem fundamento razoável para recorrer deve de alguma forma ser inibido de se insurgir contra o julgado.
A sucumbência recursal funciona, então, como um filtro, separando o joio do trigo. Recursos sim, mas apenas para aquele que tiver razão ou, pelo menos, fundamentos razoáveis para tanto. Retira-se, assim, o automatismo recursal, o recorrer “apenas para ver no que vai dar”.
De nada adianta, porém, obter uma decisão judicial favorável se não houver meios para executá-la de forma efetiva. A penhora on line, instrumento que tem obtido excelentes resultados, deve ser mantida sem ressalvas. Além disso, algumas regras de impenhorabilidade poderiam ser revisitadas. No plano ideal, seria interessante também que muitas das atividades burocráticas da execução (pesquisa de bens, determinação de penhora) fossem retiradas das mãos do juiz, a quem incumbiria precipuamente a nobre tarefa de examinar eventuais impugnações das partes contra os atos executórios.
Ao que parece, porém, o projeto do novo CPC, conquanto originalmente tivesse adotado muitas dessas premissas (não todas, especialmente no que tange à execução), perdeu a mão na receita. A Câmara dos Deputados restabeleceu o efeito suspensivo automático da execução, além de restringir severamente a sucumbência recursal e, pior, chegou ao ponto de introduzir inaceitáveis restrições à penhora on line.
Voltamos ao sabor rançoso da legislação processual vigente em termos de morosidade e de excesso no número de recursos. Apostar todas as fichas em instrumentos de julgamento de casos repetitivos por amostragem, como a última versão do projeto faz, não conduzirá a resultados satisfatórios. Além de não abranger situações individualizadas, da forma como está o novo CPC, as pessoas continuarão recorrendo frenética e automaticamente.
Aliás, o efeito suspensivo automático da apelação, somado à suspensão determinada, por exemplo, em um incidente de resolução de demandas repetitivas, que poderá se prologar por bastante tempo, facilmente será vista como um verdadeiro presente ao recorrente, que nem sempre terá razão. Isso nada mais é do que aquilo que já se observa atualmente: milhares de casos suspensos por um recurso especial ou extraordinário representativo de controvérsia, que não se sabe quando será julgado pelos tribunais de superposição, com suas agendas congestionadas.
Isso sem falar que de nada adiantará chegarmos a uma solução, seja por amostragem ou individualizada, sem assegurar a efetividade da execução. Sem o tempero da execução, o processo se torna um prato insosso, sem atingir os fins a que se propõe.
Cada vez mais, o projeto do novo CPC dá sinais que irá fracassar. O prato nem foi servido, mas a validade parece já estar vencida.
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