Recentemente, o Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS aprovou quatro enunciados de Súmulas que tratam da aplicação dos pareceres da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social; da permissão de cumulação de auxílio-suplementar ou auxílio-acidente com aposentadoria de qualquer espécie no período de 25/7/91 a 10/11/97; da contagem do tempo de serviço laborado como professor; a aplicação da boa-fé objetiva no caso de devolução de valores recebidos em sede de benefício por incapacidade quando for determinada a revisão.
Dentre os enunciados mencionados, destaca-se o de número 35: "Os pareceres da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social aprovados pelo Ministro de Estado, bem como as súmulas e pareceres normativos da Advocacia-Geral da União vinculam o Conselho de Recursos da Previdência Social em suas atividades, exceto nas de controle jurisdicional".
De imediato, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por intermédio de sua Procuradoria Federal Especializada, manejou Pedido de Tutela de Urgência, perante o CRPS, e obteve da Presidência do Órgão tutela para a suspensão temporária dos efeitos dos enunciados.
Trata-se de importante e antiga discussão acerca da obrigatoriedade de os Conselheiros do CRPS seguirem, no âmbito administrativo, os pareceres da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, aprovados pelo Ministro de Estado.
Analisando o histórico dos Pareceres emitidos pela Consultoria Jurídica do Ministério, não é difícil encontrar situações em que os Conselheiros decidam determinada matéria de uma forma e o Parecer enverede por solução diversa. É o caso dos Pareceres MPAS/CJ 543/1996 e 616/10, no que diz respeito à conclusão de que o auxílio-suplementar não teria sido absorvido pelo auxílio-acidente.
Aliás, a matéria defendida nos pareceres contraria a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse sentido, apenas para citar um caso, destaco: "(...) É possível a cumulação dos benefícios de auxílio-suplementar (auxílio-acidente) com aposentadoria, desde que a lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-suplementar, e o início da aposentadoria sejam anteriores à vigência da lei nº 9.528/97, que vedou a possibilidade de cumulação dos benefícios."(AgRg nos EDcl no RESP 1374795/RS; DJe: 05/08/2013)
A prática, adotada pelo INSS, de questionar os enunciados de súmulas aprovadas pelo CRPS não valoriza o órgão administrativo na difícil solução de conflitos no âmbito previdenciário. Ao contrário, faz surgir ainda mais demandas, as quais, sem uma solução razoável pelo órgão administrativo, acabam entulhando ainda mais a Justiça Federal com processos que, certamente, serão revistos pela aplicação do bom direito.
Dados levantados pelo CNJ, de 2012, davam conta que a Justiça Federal acumulava uma enorme quantidade de processos, cerca de 8.122.273 de casos pendentes de julgamento e uma taxa de congestionamento de 65,34%, o que demonstra que o CRPS possuiu, também, a função de dirimir as questões previdenciárias ainda na instância administrativa.
Não é demais falar que os órgãos administrativos possuem relevante papel na solução de conflitos administrativos, notadamente, no caso previdenciário, cujos litigantes são em sua grande maioria aposentados, pensionistas e trabalhadores que buscam assegurar benefícios conquistados após longos períodos de contribuição.
Diversos juristas, inclusive, defendem que as prerrogativas dos órgãos julgadores administrativos, notadamente daqueles em cuja função reside o controle de legalidade dos atos administrativos, devem ser respeitados quando houver demanda pela revisão dos seus atos pelo judiciário, em obediência ao princípio da deferência.
Gustavo Binenbojm prescreve, categoricamente, o respeito às decisões administrativas pelo Judiciário em função da legitimidade das escolhas técnicas da administração pública, visto que trata-se de órgãos que possuem maior capacidade institucional para decisões de natureza técnica, a partir da sua maior expertise e da mais ampla participação social da formulação da decisão.
"(...) Nestes casos, a expertise e a experiência dos órgãos e entidades da Administração em determinada matéria poderão ser decisivas na definição da espessura do controle. Há ainda situações em que, pelas circunstâncias específicas de sua configuração, a decisão final deve estar preferencialmente a cargo do Poder Executivo, seja por seu lastro (direito ou mediato) de legitimação democrática, seja em deferência à legitimação alcançada após um procedimento amplo e efetivo de participação dos administrados na decisão." (in: Um novo direito administrativo para o século XXI: temas de direito administrativo e constitucional, 2008, p. 17-8)
No caso do CRPS foi a própria Constituição Federal que deu poderes expressos ao órgão administrativo previdenciário para dirimir as questões envolvendo os INSS e os beneficiários, assegurando, inclusive, a participação ampla dos trabalhadores e empregadores. Tal previsão está no artigo 10 da Constituição, in verbis:
"Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação."
De maneira que uma lide discutida e julgada pelo CRPS, órgão colegiado com representação tripartite (Governo, Empregados e Trabalhadores) e conhecido pelo alto teor técnico de suas decisões, deve ser valorizada pela sua magnitude e legitimação democrática. Não sendo cabível que um parecer exarado por uma única pessoa, por mais capacitada que seja, possa se sobrepor às discussões técnicas geradas pela formação de farta jurisprudência previdenciária nas seguidas decisões sobre o tema.
Não há, portanto, independência alguma do órgão administrativo se suas decisões forem vinculadas aos pareceres da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social. A autonomia necessária para julgamento dos processos administrativos no âmbito previdenciário determina, por si só, a inexistência de hierarquia entre o CRPS e o Ministério da Previdência Social no que diz respeito ao controle de legalidade dos atos administrativos emanados pelo INSS.
É dizer: quem tem maior legitimidade para fazer o controle de legalidade sobre os atos expedidos pela administração previdenciária é o CRPS e não a Consultoria Jurídica do Ministério, sob pena de desobediência ao princípio da segurança jurídica, tão almejado pela própria administração pública e pelos administrados.
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