Só se "fala" na "lei anticorrupção", lei 12.846/13 que, prestes a entrar em vigor (29/01/2014), vem prometendo ocasionar uma tempestade de denúncias com o fito de coibir a corrupção.
Embora não seja sua maior defensora, percebo facilmente que a intenção do legislador é de colaborar e de proteger a sociedade, o que é louvável.
Entretanto, ainda são vários os Estados brasileiros que não possuem uma regulamentação própria, o que deixa as empresas inseguras na direção de sua governança corporativa.
Mas não é só. Ainda que a "lei anticorrupção" traga pontos muito favoráveis à sociedade, como por exemplo, a exigência impositiva, isto é, legal, de uma postura “ética” por parte das empresas e empresários do setor público e privado, o que deve ser elogiado, traz consigo também situações jurídicas que, a nosso ver, geram insegurança jurídica e colocam em "perigo" a sua própria aplicabilidade.
Dentre elas, - e vale dizer que não se trata de um discurso de resistência -, situações que dizem respeito à lei de licitação (8.666/93), lei de improbidade administrativa (8.429/92) e lei de lavagem de dinheiro (9.613/98 e 12.683/12), que certamente enfrentarão o problema chamado "conflito de leis", porque a lei anticorrupção trata de assuntos também tratados por elas, o que levará os operadores do direito a ter uma dificuldade na escolha de qual lei deve ser aplicada, ou de que maneira devem ser elas interpretadas, o que ocasiona insegurança jurídica.
A CF no artigo 37, § 6º, já tratava da responsabilidade objetiva das empresas, o que não é uma total novidade da lei anticorrupção. Se na previsão constitucional a responsabilidade objetiva da empresa é no sentido de se causar um dano a "terceiro", o que inclui o poder público, ainda que seja por um de seus agentes, garantido o direito de regresso ao responsável pelo dano, nesta, a responsabilidade objetiva é contra a administração pública. Temos, portanto, a CF de um lado e uma lei Federal que, embora digam quase a mesma coisa, possuem certas diferenças de resultado prático, sendo que, pela regra de aplicação de leis em conflito, neste caso, deve prevalecer a CF.
Já, em relação às leis de licitação e improbidade administrativa, deverão ser levadas em consideração outras regras de solução das antinomias legais porque, pelo critério acima citado, não seria possível, pois todas estas leis possuem a mesma hierarquia.
Por outro lado, em relação à lei de lavagem de dinheiro, há convergência, principalmente no que se refere às regras de "compliance", mas que, ao mesmo tempo, dificulta sua aplicabilidade, porque não determina quais são os procedimentos e regras a serem considerados para a redução de uma possível multa.
Ainda, atinge outros crimes previstos no CP, tais como corrupção ativa e passiva que ensejam no mínimo em bis in idem, proibido em nossa legislação. Pode-se dizer, portanto, que temos uma justaposição de leis que incidem no mesmo destinatário de normas, o que gera insegurança jurídica, ou, na melhor das hipóteses, na desmoralização da Justiça.
Mesmo que o argumento utilizado para melhor aplicabilidade da lei anticorrupção seja no sentido de que a punição será no campo administrativo, evitando-se assim um maior assoberbamento do judiciário, o problema continuará, porque não é excluída a responsabilização da pessoa física. E o crime relacionado?
Por meio de suas instituições, principalmente na esfera penal, o poder estatal não mede esforços para investigar, processar e punir; seja pessoa física ou jurídica, o que está correto. O problema é de que maneira.
Sem querer entrar no mérito, as sociedades empresariais não somente amargam o dever de recolher os vultosos tributos a elas inerentes, mas também, e principalmente, enfrentam grande dificuldade em atender a todas as imposições do poder público.
Além do arsenal legislativo a ser cumprido, não é incomum se perderem na direção de uma gestão corporativa pela ausência de informação relacionada a leis de natureza penal.
Até mesmo por questões de culturas mercadológicas transnacionais, as sociedades ditas de "médio" e "grande porte", vêm aderindo à contratação de um trabalho de compliance, que difere do da auditoria e da due dilligence, como muitos pensam.
O que ocorre, porém, é que no campo penal, o trabalho de um compliance officer, sem contar com a expertise de um advogado criminalista, pode deixar uma lacuna que amplia sobremaneira o risco da incidência de atuação do Direito Penal.
Isso implica dizer que a cultura empresarial brasileira deve deixar de atuar de maneira reativa ao Direito Penal e passar a atuar de maneira preventiva.
O trabalho de criminal compliance, algum tempo, é tão importante para a sociedade empresarial quanto o planejamento tributário e as próprias regras internas de ordem estrutural do compliance.
A decisão de contratar um trabalho de criminal compliance é indubitavelmente um avanço da governança corporativa que reconhece e analisa os seus riscos sob a ótica do Direito Penal Contemporâneo, que vem sendo francamente utilizado no campo empresarial. A realidade não comporta um discurso de resistência.
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