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Projeto de lei 5.402/13: Um retrocesso na legislação de patentes

De um lado a sociedade pede reformas para fomentar a competitividade de empresas brasileiras no mercado global e atrair mais investimentos externos. Do outro, no Congresso, ainda há quem defenda a redução dos direitos de propriedade intelectual.

15/1/2014

O PL 5.402/13 ("projeto"), de autoria dos deputados Newton Lima Neto (PT/SP) e Dr. Rosinha (PT/PR), propõe a redução dos níveis atuais de proteção a patentes no Brasil. O projeto não poderia vir em momento mais inoportuno e divorciado da realidade econômica do país.

Se por um lado a sociedade reclama reformas para fomentar a inovação, a competitividade de empresas brasileiras no mercado global e atrair mais investimentos externos, por outro se verifica que ainda há vozes no Congresso Nacional que defendem a redução dos direitos de propriedade intelectual. Esse tipo de iniciativa só causa desconfiança e distanciamento dos nossos principais parceiros comerciais.

O projeto propõe uma verdadeira tropicalização do atual sistema de patentes, que seria caracterizada pelas seguintes alterações: (i) limitação de 20 anos para a vigência de patentes, mesmo quando a sua concessão levar mais de 10 anos (o que ocorre em grande parte dos casos, em vista do acúmulo de trabalho do INPI); (ii) impossibilidade de patenteamento de segundo uso para polimorfos (a exemplo da Índia); (iii) maior rigor no requisito da atividade inventiva, o que evitaria patentes relativas a inovações ínfimas ou incrementais (o que diminuiria o número de patentes concedidas); (iv) criação do mecanismo de oposição para pedidos de patentes; (v) possibilidade de a Anvisa opinar sobre a patenteabilidade de produtos na área farmacêutica e química (o que já foi rechaçado por decisões judiciais e por um parecer da AGU emitido em 2011); e (vi) instituição do que se denomina uso público não comercial de invenções, que não caracterizaria violação a direitos de Propriedade Intelectual.

O projeto parte da premissa que a atual legislação de propriedade intelectual não cumpriria o seu propósito de gerar inovação tecnológica. Os seus autores afirmam que a imitação teria sido essencial para o enriquecimento dos países desenvolvidos, bem como que o Banco Mundial teria concluído não haver relação direta de causa e efeito entre investimentos estrangeiros e proteção a patentes. Também defendem que o sistema de patentes estaria sendo utilizado de forma distorcida, para efetivar a transferência de recursos de países menos desenvolvidos tecnologicamente para países ricos. A essas se somam uma série de outras afirmações da mesma natureza.

A justificativa do projeto dá especial destaque à questão do acesso a medicamentos pela população em geral, acesso esse que seria comprometido por conta dos direitos conferidos aos titulares de patentes, os quais poderiam cobrar de forma abusiva por novos medicamentos.

O projeto encontra, ainda, amplo respaldo em um estudo concluído recentemente pelo Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, denominado "A Revisão da lei de Patentes: Inovação em prol da Competitividade Nacional".

Internacionalmente, há uma série de estudos que indicam haver relação direta entre Propriedade Intelectual e desenvolvimento, assim como também há outros tantos que atestam que tal relação não existe. Da mesma forma, há estudos que afirmam que leis mais rígidas favoreceriam a inovação tecnológica, ao passo que outros defendem que tal relação seria impossível de se provar empiricamente. Existem argumentos consistentes para ambos os lados, os quais, aliás, já foram exaustivamente invocados, em diferentes ocasiões, durante as décadas de 70, 80 e 90.

Na década de 70, por exemplo, formou-se extensa literatura no sentido de que países em desenvolvimento deveriam simplesmente abolir as patentes, eis eles nada receberiam de países desenvolvidos em troca do seu reconhecimento. O debate acirrou-se principalmente antes do TRIPS – Acordo referente a aspectos comerciais de propriedade intelectual assinado no âmbito da OMC, prevalecendo a posição que patamares mínimos para a proteção à Propriedade Intelectual seriam o melhor caminho para fomentar o comércio internacional e incentivar o desenvolvimento.

O Brasil assinou o TRIPS e, ato contínuo, criou a lei 9.279/96 ("lei da propriedade industrial"), que alterou a legislação anterior e passou a prever a possibilidade de patentes sobre medicamentos, entre outras disposições relevantes. Até aquele momento, medicamentos no Brasil não eram passíveis de proteção patentária e, nesse período, certamente o Brasil não se tornou uma referência mundial na área farmacêutica nem resolveu a questão do acesso da população a esses produtos. Ficou claro que o caminho trilhado até então não fazia sentido.

A lei da propriedade industrial é, inequivocamente, uma legislação moderna, que do ponto de vista legislativo atende de forma plena às necessidades de um país como o Brasil. Os problemas que enfrentamos são muito mais decorrentes da falta de infraestrutura generalizada, do que relativos a falhas na lei da propriedade industrial.

Em que pese o avanço que significou a lei da propriedade industrial, o projeto ressuscita aqueles mesmíssimos argumentos repetidos à exaustão desde a década de 70. O grande problema, porém, é que o panorama internacional mudou sensivelmente nos últimos 40 anos. A proteção à propriedade intelectual tornou-se premissa em qualquer acordo internacional de livre comércio, seja bilateral ou multilateral.

Nesses acordos, a existência de disposições que protegem a propriedade intelectual traz maior segurança jurídica e confiança às relações internacionais. Sem dúvida há outros elementos importantes a serem considerados para que proteção seja efetiva, como a atuação do Judiciário, atuação dos escritórios locais de marcas e patentes, respeito às instituições, entre outros, mas a existência de normas que garantam a proteção é um elemento fundamental.

Países desenvolvidos claramente têm maior interesse na proteção rígida à propriedade intelectual, pois deles proveem as inovações tecnológicas; em contrapartida, países em desenvolvimento têm acesso à tecnologia de ponta para, pouco a pouco, melhorar a competitividade de seus produtos e desenvolver a sua própria atividade de pesquisa a partir de tecnologias obtidas no exterior.

É bem verdade que o projeto não propõe uma ruptura com o TRIPS, pois mesmo se ele fosse aprovado continuaríamos a atender os padrões mínimos previstos em tal acordo. Mas ainda assim a mensagem de instabilidade transmitida internacionalmente é negativa.

O Brasil já não é mais um país exclusivamente agrícola, para o qual a propriedade intelectual não faz sentido algum. Empresas brasileiras detêm tecnologia de ponta em diversos setores estratégicos como o aeroespacial e de biocombustíveis. A grande questão é como criar políticas públicas para gerar inovação também em outros setores.

A própria China mudou radicalmente a sua postura nos últimos anos e – de país exclusivamente imitador – hoje investe pesadamente o desenvolvimento de novas tecnologias patenteadas. Segundo a OMPI, em 2011 a China foi o país que mais depositou patentes internacionalmente.

É no exemplo da China que o Brasil deveria se espelhar, ao invés de se irmanar com países como Argentina, Paraguai e Uruguai, para buscar a redução do nível de proteção à propriedade intelectual. A absoluta inexistência de ações conjuntas no âmbito do Mercosul é prova de que a propriedade intelectual não faz parte das prioridades dos nossos vizinhos. Tais países claramente não estão no mesmo nível de desenvolvimento tecnológico e industrial do Brasil e, para eles, até possa ser concebível que esses direitos tenham uma importância secundária.

Outro exemplo interessante é da Coreia do Sul, que desde a década de 60 valeu-se da transferência de tecnologia de países desenvolvidos para absorver conhecimento e criar um ambiente favorável a inovações tecnológicas. Ao mesmo tempo que arcava com o pagamento de royalties para licenciar a tecnologia de países desenvolvidos (como faz o Brasil), a Coreia do Sul aprimorou os seus produtos e investiu em atividades de pesquisa e desenvolvimento (R&D) para criar a sua própria tecnologia. Em 50 anos tornou-se uma referência internacional na área tecnológica, exportando produtos de ponta para o mundo todo. Essa poderia ter sido a nossa história.

É imperativo, assim, agir de forma pragmática. Investir em educação e em políticas públicas que criem um ambiente favorável à inovação tecnológica. Aparelhar o INPI para que patentes possam ser analisadas em um período aceitável. É preciso facilitar a transferência de tecnologia, bem como a pesquisa por entidades públicas e privadas, para que estas possam criar a tecnologia que exportaremos em alguns anos.

Vivemos na sociedade do conhecimento, conhecimento esse que cada vez mais se torna decisivo e estratégico para o sucesso econômico. A tentativa do projeto de negar essa verdade universal trará prejuízos significativos para o Brasil, transmitindo ao mundo – mesmo que não seja aprovado – a ideia de que somos um país relutante: não decidimos se devemos jogar conforme as regras ou se preferimos concentrar nossos esforços em relativizá-las.
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* José Mauro Decoussau Machado é advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados.





** Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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