Migalhas de Peso

Departamentos jurídicos e segurança empresarial

Depois de anos de back office, os advogados corporativos e o departamento jurídico se tornaram peças fundamentais das decisões estratégicas.

14/1/2014

O Brasil vive momento de (i) incerteza econômica, que induz os investidores a prestar mais atenção a cada detalhe das transações empresariais, (ii) forte atuação de autoridades estatais de fiscalização e controle, como Ministérios Públicos e Tribunais de Contas, e (iii) grande curiosidade de opinião pública sobre o mundo dos negócios, fomentada por uma imprensa de postura investigativa. Nesse contexto, um elemento da estrutura das empresas está em evidência: o departamento jurídico. Depois de anos de back office, os advogados corporativos migraram para o front office como peças fundamentais das decisões estratégicas. Seu papel tornou-se bastante relevante na garantia da longevidade das organizações, atuando no que pode ser chamado de "segurança empresarial".

Esse conceito, na presente reflexão, significa o resguardo das companhias como entidades agregadoras de múltiplos interesses desde os acionistas até os consumidores, passando pelos empregados, pelo fisco, pelo meio ambiente e por tantos outros stakeholders. As interfaces da atividade empresarial de hoje criam riscos que precisam ser administrados para evitar danos muitas vezes irreversíveis, tanto do ponto de vista estritamente patrimonial quanto em relação à imagem e ao posicionamento no mercado. Em empresas maduras, essa gestão de riscos é conduzida por departamentos jurídicos fortes, com representação nos centros decisórios mais elevados (diretorias e/ou conselhos). Seus integrantes não se limitam a implementar compliance, mas identificam no emaranhado do sistema jurídico os regimes aplicáveis especificamente à sua empresa, concretizando-os no dia-a-dia. São os verdadeiros produtores do Direito Empresarial no sentido mais pragmático.

O perfil desses advogados corporativos tem sido de jovens bem formados, com currículos recheados de especializações e de experiências profissionais, inclusive em outros países. São pessoas que enterraram o antigo estigma do jurídico que "freava negócios", passando a grandes apoiadores dos empresários dentro das organizações, muitas vezes sendo essenciais no delineamento de seu processo decisório. Contudo, apesar desse alinhamento "pró-negócio", não deixaram de operar os controles que o Direito impõe e, assim, firmaram-se como guardiões da segurança empresarial. Por tudo isso, o reconhecimento dos departamentos jurídicos cresce a olhos vistos. É o que se percebe até mesmo considerando o montante de recursos que as melhores empresas vêm destinando a esse setor, definindo orçamentos robustos o suficiente para remunerar adequadamente os advogados e permitir a contratação de escritórios externos para somar esforços no enfrentamento das incontáveis demandas oriundas do dinamismo das atividades econômicas.

O relacionamento bem arquitetado com escritórios de advocacia é, aliás, traço marcante dos advogados corporativos de ponta. Além de manter proximidade com bancas conhecidas da empresa, costumam reciclar seu networking com novos contatos para estarem sempre atualizados sobre todas as discussões travadas nos mercados de seu interesse. Não dependentes das grandes placas - como eram muitos de seus pares antigamente -, os departamentos jurídicos modernos acabam investindo em parceiros que, pela qualidade de seu atendimento, geram valor para as companhias e contribuem para sua perpetuidade.

Mesmo sem uma pesquisa formal sobre o tema, é fácil ver a distância entre empresas que têm grupos organizados de advogados corporativos e aquelas que não os têm ou não lhes atribuem o devido valor. A métrica é o profissionalismo. Se antes muita coisa se resolvia pela chamada abordagem "comercial", agora, em que há tantos limites às atividades das companhias, o jurídico pode ser a diferença entre lucro ou prejuízo. Evitar litígios ou prepará-los, exigir certa garantia ou dispensá-la, aprofundar a análise de determinada contingência ou apenas gerenciá-la são escolhas que, mal orientadas, podem provocar perdas irreparáveis. A avaliação criteriosa de questões com tal relevância requer o acompanhamento de um assessor interno, conhecedor da cultura da empresa. Desse modo, muitos empresários que viam seus advogados como custo passaram, depois de pesados revezes, a vê-los como insumo básico ou, segundo preferem alguns, como investimento.

Em tempos de derrocada de grandes grupos econômicos, falências inesperadas, denúncias de ilícitos de toda ordem, o mar de riscos do mundo empresarial está bravio demais para que se dispense um bom departamento jurídico. O próprio dono precisa de pessoas que filtrem os conflitos de interesse que ocorrem dentro da sua empresa, muitas vezes motivados por mecanismos de remuneração que induzem os indivíduos a expor a companhia a perigos indesejados. Evidente que não basta ter um departamento pro forma, mal remunerado ou enfraquecido por estar subordinado a áreas não jurídicas. A segurança empresarial pede gente capaz, motivada e com independência para poder ajudar as organizações a superar as tormentas do cotidiano.

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* Kleber Luiz Zanchim é sócio do escritório Souza Araujo Butzer Zanchim Advogados, professor do Insper Direito, da FIA e do GVLaw.


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