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A sham litigation no âmbito do Poder Judiciário e a atuação do Cade na vigência da lei 12.529/11

A nova lei antitruste (12.529/11) foi um importante passo para inibir a "ardilosa" conduta, altamente incidente nos EUA e ainda pouco praticada em terras tupiniquins.

30/12/2013

O presente artigo versa sobre um tema atual, mas ainda pouco discutido em nosso país: a Sham Litigation. Tema já conhecido e recorrente nos Estados Unidos, a doutrina da sham litigation vem sendo conhecida e desenvolvida aos poucos no Brasil. Atualmente, dentre a pouca “doutrina” existente no nosso vernáculo estão as decisões proferidas pelo Cade que vem guiando as pesquisas a respeito deste tema.

O tema do presente artigo vem despertando o interesse de acadêmicos e docentes, por ser recente no campo do Direito Econômico. Muitas pesquisas vêm abordando este tema relacionando-o com outros ramos do Direito, notadamente o Direito Constitucional, Processual Civil e a hermenêutica jurídica.

A sham litigation é uma conduta. É o ato de se valer do Poder Judiciário para ajuizar ações sem que haja qualquer perspectiva de sucesso. O que há, na verdade, é uma finalidade oculta, camuflada, de causar um prejuízo a um concorrente direto visando atingi-lo negativamente, de forma que ele enfrente dificuldades financeiras, estruturais e de reputação.

Interessante perceber que a própria tradução livre do termo sham litigation do inglês para o português nos permite compreender que se trata de uma forma fraudulenta de acessar o judiciário. É a utilização dissimulada do Direito de Ação por aquele que, dotado de interesses obscuros, tem o objetivo único de prejudicar seu concorrente direto.

Para a caracterização da sham litigation é conditio sine qua non que a pretensão de quem a pratica seja totalmente destituída de fundamentação jurídica e que a demanda judicial tenha, ao menos, o potencial de trazer um prejuízo à ordem econômica e/ou à concorrência.

O conceito de sham litigation para o Conselheiro do Cade, Dr. César Costa Alves Mattos seria:

[...] a conduta consubstanciada no exercício abusivo do direito de petição, com a finalidade de impor prejuízos ao ambiente concorrencial. Ou, em outras palavras, sham litigation é a litigância predatória ou fraudulenta com efeitos anticompetitivos, ou seja, o uso impróprio das instâncias judiciárias e dos processos governamentais adjudicantes contra rivais para alcançar efeitos anticompetitivos (BRASIL, 2010, p. 3754).

Para o professor Felipe Mascarenhas Tavares, sham litigation diz respeito a uma ação “promovida no âmbito do Poder Judiciário que careça de bases objetivas e fundamentadas e de expectativa plausível e razoável de sucesso, com a finalidade disfarçada de prejudicar concorrente direto.” (TAVARES, 2011, p. 1).

E o professor Felipe Tavares continua:

[...] também se refere ao abuso do direito de petição ao Poder Executivo e Legislativo. A tradução “litigância simulada” enfatiza a compreensão de utilização de camuflagem processual pelo competidor de má-fé, uma vez que é primordial para a caracterização da conduta que a tutela estatal seja invocada com a finalidade deliberada de prejudicar a concorrência. Sem esse último quesito comprovado não há como falar em sham litigation. Assim, a invocação da autoridade estatal ocorre de forma disfarçada, simulando uma situação para ocultar o fim almejado de prejudicar a concorrência (TAVARES, 2011, p. 1).

A Professora Shirlei Silmara de Freitas Mello, em sua publicação sobre processos administrativos sancionadores discorre sobre a sham litigation abordando aspectos relevantes:

Sham significa imitação, réplica, falsa amostra; engodo, farsa; fingimento; falsidade, leviandade. O instituto do sham litigation ou abuso do direito de petição desenvolveu-se de forma expressiva nos Estados Unidos, como ressalva à aplicação da doutrina Noerr-Pennington. [...] Além das definições legais próprias de litigância temerária, há considerável divergência acerca da freqüência de tais impugnações movimentando juízos e outras instâncias decisórias, tais a administrativa, e as implicações para o bem estar social das várias opções políticas desenvolvidas para limitar tal atuação. Alguns juristas acreditam que SL é um fenômeno substancial e crescente nos EUA e que ela representa um desafio para a atual política antitruste. Outros concebem a temática antitruste com mais simplicidade, encarando os problemas e dificuldades conjuntamente com as respectivas soluções: uma restrição dos direitos de acesso à justiça postos na Primeira Emenda. Definições judiciais de SL apresentam-se discrepantes: Juiz Posner aplicou abordagem custo-benefício (razoabilidade e proporcionalidade) para analisar intenção anticompetitiva e sustentou que, mesmo pretensões não manifestamente infundadas, ou seja, possivelmente fundadas, podem constituir SL. (MELLO, 2010, p. 4).

Desta feita, a sham litigation se configura mediante a existência de dois requisitos: o abuso do direito de ação e o interesse de prejudicar um concorrente direto. (BRASIL, 2010, p. 3755).

Estes dois requisitos foram determinados pela Suprema Corte Norte-Americana no emblemático caso Professional Real Estate Investors, Inc. vs. Columbia Pictures Industries, Inc. A Professora Shirlei Mello, comentando sobre o caso e sobre a criação dos requisitos para a configuração da sham litigation expõe que:

A partir de sucessivos julgamentos, a Suprema Corte dos Estados Unidos buscou delimitar requisitos necessários para configurar sham litigation. No julgamento do caso Professional Real Estate Investors, Inc. v. Columbia Pictures Industries, Inc. (508 U.S. 49, 113 S.Ct. 1920) foram estabelecidos dois critérios para sua caracterização: (i) a ação deve ser desprovida de qualquer fundamento, não sendo realista por parte do litigante qualquer expectativa de vitória quanto ao mérito e (ii) tal ação sem fundamento constitua meio fraudulento para esconder “tentativa de interferir diretamente com as relações empresariais do concorrente.” (MELLO, 2010, p. 4).

Referido caso determinou, portanto, o surgimento de uma espécie de “teste” para se apurar quando a litigância perante o Estado seria, na verdade, uma farsa. (TAVARES, 2011, p. 3). Na obra Anticompetitive Litigation and Antitrust Liability, fazendo uma análise sobre este “teste” – que nada mais é do que a apuração dos requisitos para se caracterizar a sham litigation – o professor norte-americano, Dr. Christopher C. Klein, analisou os dois requisitos para a caracterização da Sham Litigation. Traduzindo um trecho do estudo de Klein, o Conselheiro César Mattos, em um de seus votos proferidos no Conselho do Cade, valeu-se da mencionada obra para abordar sobre a caracterização da Sham Litigation. Assim, verificamos que Klein expõe que a sham litigation se caracteriza quando presentes dois requisitos:

Primeiro, se a ação é desprovida de base objetiva, de modo que nenhum litigante razoável poderia, de fato, ter expectativas de ser bem sucedido em seu mérito. Segundo, cumulativo com o primeiro, se o litigante espera influir nos negócios da(s) empresa(s) concorrente(s) tão somente através do processo em si mesmo, ao invés de buscar sua satisfação no resultado do processo. (KLEIN, 2007).

Assim, não há que se falar em sham litigation se, por exemplo, uma empresa demandar contra a sua concorrente direta visando atingi-la financeiramente (requerendo a aplicação de uma multa ambiental, por exemplo) se ela possuir razões legais e provas lícitas que ensejem a propositura desta demanda. Neste caso, mesmo que haja a clara intenção de causar um prejuízo a um concorrente direto, não há que se falar em abuso do Direito de Ação, pois, municiada de provas e embasada na legislação pátria, a empresa demandante apenas se valeu do Direito de Ação que lhe é garantido pela Constituição Federal para demandar judicialmente.

Diferente é o cenário se uma empresa ajuizar uma ação contra uma concorrente direta requerendo a aplicação de uma multa de altíssimo valor – que poderia comprometer seriamente o funcionamento desta empresa – alegando falsamente que sua concorrente vem descumprindo normas ambientais. Neste caso estaria perfeitamente configurada a Sham Litigation, pois o exercício do Direito de Ação foi deturpado para ser utilizado como meio de prejudicar um concorrente direto.

Nesse exato sentido já se manifestou o Conselheiro Olavo Chinaglia em voto proferido no Conselho do Cade. Vejamos:

Em outras palavras, uma ação ajuizada de forma regular e em observância aos princípios processuais não poderá jamais ser considerada uma infração à ordem econômica, ainda que se avalie que a decisão obtida tenha trazido impactos negativos aos concorrentes e ao mercado.

[...]

O que é juridicamente inaceitável, e aqui reside o sinal distintivo da predação judicial, é que os esforços do autor da ação estejam voltados não para vencer o concorrente no mérito do feito, mas para derrota-lo ou prejudica-lo na arena dos negócios por meio dos danos colaterais advindos da própria existência do processo.

Evidente que nem toda acusação de abuso de direito de litigar desperta interesse da repressão antitruste. Para tanto, deve ficar demonstrado, adicionalmente, que os efeitos – ainda que potenciais – da condita investigada não ficaram restritos a um agente econômico, Os prejuízos a particulares impostos pela litigância abusiva podem justificar uma reparação no âmbito cível, mas a configuração de um ilícito antitruste punível pelo CADE depende da comprovação de um prejuízo à própria ordem concorrencial. (BRASIL, 2010, p. 3695).

Cumpre destacar, no entanto, que se trata de um longo e árduo percurso até que se conclua irrefutavelmente que uma conduta está caracterizada como Sham Litigation. Muito embora o requisito do abuso do direito seja objetivo, o requisito relacionado à intenção de causar prejuízo a um concorrente direto é subjetivo e “somente serão consideradas infrações anticoncorrenciais os atos que tenham potencial para produzir tais efeitos.” (BRASIL, 2010, p. 3764).

Assim, conclui-se que a sham litigation trata-se de uma conduta ainda pouco praticada em nosso país se compararmos com a altíssima incidência de sham litigation nos Estado Unidos, por exemplo. Entretanto, necessário que o Estado se posicione de maneira firme e contundente para inibir que esta conduta ardilosa se dissemine.

Um importante passo que foi dado é a nova redação da lei antitruste (12.529/11) que conferiu amplos poderes investigativos e de julgamento de condutas anticoncorrenciais ao CADE. Referida lei demonstra os avanços do ordenamento jurídico pátrio na tentativa de barrar o crescimento das infrações econômicas.

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Referências

Brasil. Lei 12.529, de 01 de Novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. 14. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2012.

Brasil, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Processo Administrativo nº 08012.004484/2005-51, Conselheiro Relator Fernando de Magalhães Furlan, 2010.

Figueiredo, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012. p. 220-221 e 269-270.

Klein, Christopher C. Anticompetitive Litigation and Antitrust Liability. Middle Tennesse State University. DEPARTAMENT OF ECONOMICS AND FINANCE WORKING PAPER SERIES: 2007.

Mello, Shirlei Silmara de Freitas. Processo administrativo sancionador federal como instrumento de proteção de direitos individuais e difusos: Breves reflexões sobre o garantismo e interesse público na efetivação da pretensão punitiva estatal. Disponível em: Acesso em 22/05/13.

Tavares, Felipe Mascarenhas. Sham Litigation: abuso do direito de ação. Atos de má-fé e sua vantagem indevida. Disponível em: Acesso em 22/05/13.

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* Caio Neves Romero é advogado do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

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