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A revelia e o princípio da razoabilidade - onde fica a Justiça?

O processo judicial é informado por princípios e valores que não podem ser ignorados pelas partes quando lhes convém e nem desprezados pelo julgador no exame das situações concretas.

27/12/2013

O processo judicial é informado por princípios e valores que não podem ser ignorados pelas partes quando lhes convém e nem desprezados pelo julgador no exame das situações concretas. Embora o processo seja classicamente definido como um sistema coerente e racional de regras objetivas, não se pode, jamais, admitir que a utilização fria e irracional de tais regras possa vir e desviar o processo de sua finalidade primordial que é dar a cada um o que é seu.

O processo não é um fim em si mesmo, mas mero instrumento para a realização da Justiça. Nesse contexto, a lealdade e a boa-fé são também elementos essenciais para que tal finalidade seja materialmente atingida. Mais do que isso, são princípios aos quais se tem buscado privilegiar nos últimos tempos, em face da deformação resultante de práticas que dão prevalência indevida e excessiva à forma, em detrimento do conteúdo substancial e finalístico das regras processuais.

Pode-se afirmar, por isso, que o processo judiciário moderno se alicerça cada vez mais no princípio da probidade. Prova disso são as constantes e sucessivas alterações das normas processuais que tratam do comportamento das partes e dos procuradores no processo (artigo 14 e seguintes do CPC).

Pois bem, nesse sentido, as partes e seus procuradores, quando fazem opção para resolver seus litígios junto ao Poder Judiciário, deveriam saber que estão obrigados a regras jurídicas e morais, como, por exemplo, a de expor os fatos conforme a verdade e de não procederem de modo desleal e de má-fé. Também não deveriam formular pretensões contrárias ao direito e à lei, tudo para que a “disputa” seja justa.

Lamentavelmente, não é essa a realidade dos milhares de processos que afogam o Judiciário. Autores e Réus não têm muito pudor ao manipular “verdades”, conduta que lamentavelmente são apoiadas e patrocinadas por seus patronos.

Se consideradas textual e friamente as regras previstas nos artigos 319 do CPC, pelo qual se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, e 844 da CLT, o processo poderia ter sua finalidade desvirtuada e a confissão ficta se constituiria em um dogma processual que poderia levar a injustiças absurdas.

E assim tem ocorrido nos diversos tribunais brasileiros: ao aplicar os efeitos da revelia ou em casos de confissões fictas, o julgador ignora situações teratológicas, fatos contrários ao senso comum e flagrantemente dissociados da realidade, documentos existentes nos autos, adotando a cômoda (e reprovável) conduta de julgar a ação procedente em razão da revelia.

E onde fica o conceito de Justiça e o princípio que veda o enriquecimento sem causa? Infelizmente relegado a segundo plano, em uma “justiça” formal que nada tem de justa.

Poucos são os magistrados que de forma consciente e responsável atribuem à decisão proferida o juízo de valor que, mesmo em caso de revelia, os fatos demonstram prosperar, pautando-se pelas regras morais.

Infelizmente nem sempre é assim. A simples aplicação da revelia, atualmente, tem transformado mentiras em verdades, admitindo até mesmo postulações que, na prática, são impossíveis.

Recentemente chegou a nosso conhecimento um pedido em que o Autor alegava ficar à disposição da empresa por 24 horas de segunda-feira a domingo. Não foi o caso de revelia, mas se fosse, seria justo que o Juiz julgasse o pedido integralmente procedente?

Parece-nos que não, pois a revelia não pode ser licença para injustiça, tampouco desobrigar o magistrado dos seus deveres de examinar bem a causa, julgando com prudência e conforme o direito, em busca de uma decisão que mais se aproxime do conceito de Justiça.

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* Taína do Nascimento Santos é advogada da Área Trabalhista de Rocha e Barcellos Advogados.

 

 

 

 

 

 



 

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