A lei 9.615/98 - lei Pelé - teve por escopo garantir aos atletas profissionais de futebol a liberdade para o exercício da profissão. Antes de referida normatização, o vínculo entre os atletas e as agremiações esportivas era regido pela lei 6.354/76, que estabelecia o regime do “passe”, segundo o qual, mesmo após o término da vigência do contrato, o atleta continuava vinculado ao clube.
Nesse antigo sistema, a transferência do atleta para outro clube se dava mediante o pagamento de uma indenização à entidade a que estava subordinado. Negava-se, assim, a liberdade ao atleta de contratar livremente com os clubes que lhes, porventura, oferecessem melhores condições de trabalho.
Desta feita, e com base no caso “Bosman”1, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que o regime do “passe” violava o direito à livre circulação de trabalhadores nos países que integram a Comunidade Europeia.
Dito precedente internacional, pois, foi o motivo pelo qual a legislação nacional - lei Pelé2 – após extinguir o regime do “passe”, passou a garantir aos atletas de futebol a liberdade profissional de estabelecer os termos de seus contratos de trabalho, respeitadas, porém, as penalidades então previstas, em especial quanto à cláusula penal.
Desta forma, e segundo a jurisprudência que se firmou no âmbito do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, entendeu-se que a cláusula penal se destinava a indenizar a entidade desportiva, em caso de extinção contratual prematura por iniciativa do empregado, para que assim esta pudesse se ressarcir dos investimentos realizados. Já nas hipóteses de rescisão antecipada do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, seria cabível ao atleta apenas a multa rescisória prevista no art. 31 da lei 9.615/98, na forma estabelecida no art. 479 da CLT3.
Ocorre, porém, que a partir das novas regras trazidas pela lei 12.395/11, diploma legal este que alterou diversos dispositivos da lei Pelé, a então cláusula penal foi substituída pela atual cláusula indenizatória, enquanto que a multa do art. 31 da lei Pelé - concernente à indenização do art. 479 da CLT - foi substituída pela nova cláusula compensatória.
Nesse sentido, a cláusula indenizatória, segundo a atual redação do § 1º, art. 28, da lei 9.615/98, passou a ser limitada ao máximo de 2.000 vezes o valor médio do salário contratual, para transferência nacionais (inciso I), e sem qualquer limitação para as transferência internacionais (inciso II).
Destarte, e por força de lei, a aludida indenização destina-se à entidade esportiva quando há a transferência imediata do atleta, ou por ocasião de seu retorno às atividades profissionais em outro clube, no prazo de até 30 meses.
Por seu turno, a nova cláusula compensatória foi limitada ao máximo de 400 vezes o salário mensal do atleta no momento da rescisão contratual, sendo o mínimo correspondente à somatória dos salários devidos até o término do pacto laboral.
Logo, em vista da disparidade entre os valores estipulados para as mencionadas penalidades, é possível se sustentar, em juízo, que a cláusula indenizatória representa, com outra roupagem, o antigo regime do “passe”, já que o seu não pagamento faz com que o atleta fique preso ao clube.
Para tanto, invoca-se a aplicação de mandamentos constitucionais, ora representados, exemplificadamente, pelos princípios da igualdade, da isonomia, da proporcionalidade e da razoabilidade, tudo, enfim, a dar amparo à liberdade de trabalho do atleta (CF, art. 5º, III), direito social e fundamental este que deve ter sua plena efetividade buscada.
Por fim, e a título de registro, importante salientar que o legislador ordinário, atento a essas mencionadas críticas, passou a igualmente responsabilizar a nova entidade de prática esportiva empregadora do atleta pelo pagamento da cláusula indenizatória. Tal solidariedade – em arremate – agora prevista no § 2º, II, do art. 28, da lei Pelé, com redação dada pela lei 12.395/11, seria uma alternativa viável a afastar a ideia de “escravidão” a que foi submetido o empregado, aqui no caso, o jogador de futebol.
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1 O caso Bosman foi uma batalha jurídica vencida pelo até então desconhecido jogador Belga Jean-Marc Bosman, e que alterou a forma de contrato dos jogadores de futebol.
Em junho de 1990, seu clube, o Liège, lhe ofereceu a renovação de contrato por um ano, com uma redução de 60% no salário. Insatisfeito, o atleta acertou sua transferência para o Francês Dunkerque, tendo o Liège, contudo, exigido o pagamento de 11.473.000 francos belgas para liberar o jogador, com o que o clube Francês não concordou.
Diante do impasse, o atleta ajuizou uma demanda contra o Liège, Federação Belga e UEFA, alegando que a cobrança pelo clube inviabilizou sua transferência e, consequentemente, cerceou seu direito de trabalhar.
Após diversas instâncias, finalmente em dezembro de 1995 o Tribunal de Justiça da União Europeia profere a última decisão, acolhendo o pedido do jogador. A partir de então, criou-se um precedente proibindo os clubes da União Europeia de exigir qualquer valor na transferência de um jogador que tiver menos de seis meses de contrato a cumprir.
Tal decisão foi o início para que os demais países passassem a extinguir o passe, assim como fez o Brasil em 1998 por meio da Lei Pelé.
2 Lei nº 9.615/98
3 RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. CLÁUSULA PENAL. LEI 9.615/98. RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO POR INICIATIVA DA ENTIDADE DE PRÁTICA DESPORTIVA. PENALIDADE IMPOSTA APENAS AO ATLETA. Esta Subseção Especializada decidiu que a penalidade prevista no art. 28 Lei 9.615/98 é imposta tão somente ao atleta que motivar a rescisão contratual. Entendeu-se que, no caso de rescisão do contrato por iniciativa da entidade desportiva, o atleta terá direito apenas à indenização prevista no art. 479 da CLT, nos termos do disposto no art. 31 dessa mesma lei. Recurso de embargos conhecido e não provido (E-RR - 142900-77.2007.5.01.0011 , Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 23/08/2012, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 31/08/2012).
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