A comparação é infeliz e indica a falta de conhecimento sobre o que está em debate.
A conversa de bar está para o Lulu assim como uma garrafa de água está para o Oceano.
A exposição indevida, o alcance e o potencial lesivo do aplicativo se aproximam, em verdade, mais ao que ocorreria se houvesse uma divulgação não autorizada da fotografia de uma pessoa num outdoor da Avenida Paulista, com uma legenda ofensiva abaixo da foto. É isso que o aplicativo Lulu faz.
O problema é que o aplicativo Lulu pratica isso numa espécie de terra de ninguém que se tornou a internet, na qual o Google, por exemplo, lê nossos e-mails antes de todos nós, e as pessoas, de maneira anônima e covarde, distribuem gratuita agressividade sem sofrer qualquer tipo de punição.
O que está em jogo na ação que movo em face do Facebook e do referido aplicativo não é a denúncia da tentativa abjeta de nos transformar em objetos. Tampouco é a busca pelo dinheiro fácil, pois já declarei na minha conta da rede social que vou destinar tudo que receber a título de indenização neste processo ao Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer, para que esse aplicativo nonsense tenha, ainda que de maneira indireta, um fim útil.
Na verdade, o processo versa sobre a privacidade na internet e a regulamentação desse espaço. Antes da discussão apressada e imatura sobre o conteúdo das hashtags, é imperativa a reflexão sobre: (i) se houve permissão para que se procedesse a esse tipo de avaliação; (ii) se é possível que essa avaliação seja feita de maneira anônima.
Não pretendo nem desejo, por meio da minha ação, patrocinada pelo dr. Fábio Scolari, ver o fim da atividade empresarial desenvolvida pela Luluvision. Gostaria, apenas, que o aplicativo funcionasse em consonância com as leis brasileiras.
Isto porque, o inegável sucesso do aplicativo nos EUA não pode implicar passiva aceitação de sua difusão no Brasil ao arrepio de nossas leis.
Com efeito, apesar da amplamente noticiada falta de legislação específica sobre o tema, nossa Constituição é bastante precisa na parte em que se dedica à proteção da intimidade, vida privada, honra e imagem (art. 5º, inc. X, CF), com a vedação ao anonimato (art. 5º, inc. IV, CF).
À evidência, como anota Daniel Sarmento em recente coletânea de comentários à Constituição organizada pelos Professores J. J. Canotilho, Gilmar Mendes, Ingo Sarlet e Lênio Streck, “o modelo de liberdade de expressão desenhado pela constituição de 1988 é o da liberdade com responsabilidade” (pg. 259).
Por essas razões é que espero não seja o debate arrastado para a discussão mesquinha sobre o valor da nota e o conteúdo das hashtags. Minha causa vai além disso.
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*Felippo de Almeida Scolari, acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é estagiário de Scolari, Garcia e Oliveira Filho Advogados.