A (possível) fuga de Henrique Pizzolato para a Itália está gerando especulações de toda ordem, especialmente daqueles que não conhecem a fundo as regras que o direito internacional assegura para o caso dos cidadãos que detêm a chamada "dupla nacionalidade".
O fato é que se Pizzolato (condenado na AP 470) realmente estiver em solo italiano, está exercendo um direito seu assegurado pelo direito internacional. Porém, sendo nacional italiano, Pizzolato está submetido à autoridade do art. 26 da Constituição italiana, que dispõe que "a extradição do cidadão poderá ser autorizada somente quando esteja expressamente prevista em convenções internacionais".
O tratado de extradição Brasil-Itália de 1989, por sua vez, dispõe no art. 6º, § 1º, que "quando a pessoa reclamada [Pizzolato], no momento do recebimento do pedido [da extradição do Brasil para a Itália], for nacional do Estado requerido [Itália], este não será obrigado a entregá-la. Neste caso, não sendo concedida a extradição, a parte requerida [Itália], a pedido da parte requerente [Brasil], submeterá o caso às suas autoridades competentes para eventual [frise-se, eventual!] instauração de procedimento penal. Para tal finalidade a parte requerente [Brasil] deverá fornecer os elementos úteis. A parte requerida [Itália] comunicará sem demora o andamento dado à causa e, posteriormente, a decisão final [que poderá ser, inclusive, denegatória]".
Conjugando-se o art. 26 da Constituição italiana com o art. 6º, § 1º, do tratado de extradição Brasil-Itália, percebe-se que há uma faculdade do Estado italiano em extraditar o seu nacional, prevista pelo tratado e garantida pela sua Constituição. Como se percebe, a Constituição italiana facilita mais a extradição de um italiano para o Brasil que a nossa Constituição em relação a um brasileiro requerido por Estado estrangeiro. Isso porque a Constituição brasileira (art. 5º, LI) dispõe que "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei". Se fosse a Itália que estivesse requerendo a extradição de Pizzolato por eventual crime lá cometido, dado o simples fato de ele ser brasileiro nato, o Brasil jamais o extraditaria; e não se haveria que falar que o Brasil estaria descumprindo uma obrigação proveniente de tratado, eis que o próprio tratado (art. 6º, § 1º) expressamente prevê que o país requerido "não será obrigado" a entregar a pessoa reclamada quando esta for nacional do Estado.
Assim, no caso de Pizzolato, cuja extradição possivelmente o Brasil irá requerer, caberá à Itália decidir, discricionariamente, se ele volta ou não ao Brasil, eis que o tratado não obriga (apenas faculta) a República Italiana a entregá-lo ao nosso país. Caso a Itália não o extradite, dependerá do Brasil, segundo o tratado, solicitar à Itália que submeta "o caso às suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal". Veja-se que o tratado diz que esse pedido submete o caso às autoridades competentes do Estado "para eventual instauração de procedimento penal". Essa instauração poderá, eventualmente (para usar a expressão do tratado), não se concretizar. Lembre-se que o ex-banqueiro Salvatore Cacciola teve sua extradição negada pelo Estado italiano, e só foi extraditado para o Brasil porque saiu da Itália (foi detido pela Interpol no Principado de Mônaco em 2007).
Como o crime cometido por Pizzolato não guarda qualquer ligação com a Itália, não tendo assim qualquer interesse punitivo para o Estado italiano, pode ser muito difícil que a Itália o extradite para o Brasil, eis que se trata de proteger um nacional seu. A seguir o precedente do caso Cacciola, talvez Pizzolado nunca mais seja punido pelo Estado brasileiro, caso permaneça em solo italiano até a prescrição do crime que cometeu no Brasil. Mas isso, como diria Kipling, é uma outra história.
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