Migalhas de Peso

Estabilidade provisória da gestante, análise da súmula 244 do TST

Súmula passou a privilegiar os direitos sociais e assegurar a dignidade da pessoa humana quando a estabilidade provisória foi estendida também para gestantes que trabalham em contratos de experiência.

13/11/2013

A CF garante à empregada gestante estabilidade no emprego desde o momento da confirmação da gravidez, sendo que prevê nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias artigo 10, II, b que: “Fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

A preocupação com a empregada gestante e a vida do nascituro tem sido tema nos nossos tribunais desde muito tempo, sendo que, mesmo antes da CF o Tribunal Superior do Trabalho já previa através da súmula 244 que:

Nº 244 Gestante - Garantia de emprego: Redação original - Res. 15/1985, DJ 05, 06 e 09.12.1985
A garantia de emprego à gestante não autoriza a reintegração, assegurando-lhe apenas o direito a salários e vantagens correspondentes ao período e seus reflexos.

Nota-se que a priorização da garantia da dignidade da pessoa humana, artigo 1, III da Constituição Federal, pelos Tribunais do Trabalho refletiu diretamente ao longo dos anos nas alterações da súmula 244, a qual em 2012 recebeu a seguinte redação:

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT ex-OJ nº 88 da SBDI-1 - DJ 16.04.2004 e republicada DJ 04.05.04)

II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

Interessante analisarmos as inserções e alterações ocorridas na súmula 244 do TST:

I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade:

Quanto ao momento do conhecimento do estado gravídico e início da estabilidade, o acórdão da lavra do ministro Francisco Fausto de Medeiros no ROAR 400356-75.1997.5.02.5555, publicado no DJ em 12.05.2000/J-11.04.2000, de forma clara enfatiza que:

“O artigo 10, inciso II, do ADCT não impôs qualquer condição à proteção da empregada gestante. Assim, o desconhecimento da gravidez, pelo empregador, no momento da despedida imotivada não constitui obstáculo para o reconhecimento da estabilidade constitucional. Dessa forma, viola o texto constitucional a decisão que não reconhece a estabilidade da empregada gestante em virtude do desconhecimento da gravidez pelo empregador no ato da sua demissão. 2. Recurso ordinário em ação rescisória provido.”

Além disso, grande parte das mulheres só tem condições de ter ciência do estado gravídico que se encontram após algumas semanas de gestação não sendo válido puni-las por não cientificar o empregador no ato da demissão.

Por fim, quanto a este ponto, a SDC - Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento de que a estabilidade para gestante é direito indisponível não comportando transação para reduzi-lo, sendo nula qualquer cláusula de convenção ou acordo coletivo que estabeleça requisitos para obtenção da estabilidade, nesse sentido é a Orientação Jurisprudencial nº 30 da SDC do C. TST:

“Nos termos do art. 10, II, “a” do ADCT a proteção à maternidade foi erigida à hierarquia constitucional, pois retirou do âmbito do direito potestativo do empregador a possibilidade de despedir arbitrariamente a empregada em estado gravídico. Portanto, a teor do artigo 9º da CLT, torna-se nula de pleno direito a cláusula que estabelece a possibilidade de renúncia ou transação, pela gestante, das garantias referentes à manutenção do emprego e salário”.

Portanto, fica claro que independente de qualquer notificação, constatada a gravidez da empregada durante o contrato de trabalho, inclusive no período do aviso prévio indenizado, faz jus a garantia provisória de emprego nos termos do artigo 10, II, ”b” do ADCT, podendo ser demitida apenas se cometer falta grave prevista no artigo 482 da CLT.

II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

Conforme já exposto inicialmente a súmula 244 previa o pagamento dos salários e vantagens correspondentes ao período de estabilidade não autorizando a reintegração.

Convêm colacionar posicionamento jurisprudencial desse período:

GESTANTE - GARANTIA NO EMPREGO - INDENIZAÇÃO SALARIAL - Independente da ciência do empregador, a gravidez da empregada, para a percepção de seus direitos. O que é de essência é a objetividade do fato e, não o conhecimento do empregador. O art. 10, II, b, ADCT, visou impedir a despedida arbitrária da empregada gestante, que, por recepção do art. 165, consolidado, ajustasse o que não se funda em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. Ainda, não conferiu o legislador estabilidade no emprego, mas sim garantia de emprego. Dai ser a razão da indenização salarial e, jamais ao direito de reintegração, como expresso no Enunciado da súmula 244, do C - TST. (TRT-09ª R. - RO 9.307/92 - 2ª T. - Ac. 11.856/93 - Rel. Juiz Lauro Stellfeld Filho - DJPR 08.10.1993)

A alteração ocorrida em 2003, a qual inseriu a redação do inciso II da súmula 244, Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003, corrobora a garantia de emprego ao determinar a reintegração e não indenização enquanto estiver no período estabilitário, impedindo também a discriminação da mulher gestante a qual deve ser integrada ao ambiente de trabalho.

A mudança radical ocorrida na súmula 244 a qual não autorizava a reintegração em 1985 para determinar a reintegração ao menos enquanto a trabalhadora estiver no período estabilitário é bem analisada por Victor Hugo Cabral, no artigo “A reintegração da empregada gestante face ao novo entendimento sumulado pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho”:

“ (...) quando do advento da redação original dada ao Enunciado nº 244 , ainda não se vislumbrava, por exemplo, a possibilidade de deferimento liminar de pedido de reintegração aduzido em reclamatória trabalhista, da empregada gestante injustamente demitida, no curso da garantia estabilitária. Isto porque em meados da década de 80 ainda não existia em nosso ordenamento jurídico mormente no campo do direito processual pátrio, qualquer espécie de tutela júris satisfativa de urgência, a qual lograsse afastar a morosidade do provimento judicial definitivo que viesse a conceder a pretendida reintegração da gestante estabilitária ao emprego.(...) Ora, o silogismo da matéria salta-nos aos olhos: se a reintegração ao emprego dependia, até então, de um pronunciamento final de mérito (sentença transitada em julgado); se este pronunciamento levava, em geral, mais de dois anos; se ao tempo deste pronunciamento o período legal de estabilidade já havia findado; era de se concluir pela inadmissibilidade do pedido de reintegração aduzido pela obreira, posto que, nestes termos, já havia sido ultrapassado o lapso temporal referente à garantia estabilitária. Ocorre que, com a redação dada ao artigo 273 do CPC pela Lei nº 8.952/94 (aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho por força do disposto no artigo 769 da CLT), fazendo nascer no mundo jurídico o instituto da tutela antecipada de mérito, na esteira da moderna tendência da instrumentalização do processo (Cândido Rangel Dinamarco) e da efetividade e celeridade da jurisdição, o quadro em espécie alterou-se sobremaneira. Pois, a partir de então, a jurisprudência passou a se deparar com a real possibilidade de a empregada injustamente demitida no início de sua gestação vir a juízo pleiteando, de pronto, a sua reintegração ao emprego, com pedido de liminar em antecipação de tutela, levando sua pretensão à imediata análise do órgão julgador. Victor Hugo Cabral Título: A REINTEGRAÇÃO DA EMPREGADA GESTANTE FACE AO NOVO ENTENDIMENTO SUMULADO PELO COLENDO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Disponível em: clique aquiAcesso em: 28.10.2013.

Dessa, forma após a real possibilidade jurídica de reintegração da trabalhadora durante o período estabilitário através da tutela antecipada, a jurisprudência dos Tribunais foi se adequando e garantindo enfim o emprego e não mais apenas a indenização dos direitos trabalhista o que foi posteriormente confirmado através da alteração da súmula 244 do C. TST.

III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

A mudança ocorrida em 2012 demonstra a real preocupação do judiciário com o nascituro e a garantia do emprego para as mulheres gestantes admitidas através de contrato por tempo determinado.

Antes da alteração, a súmula 244 previa no inciso III que: "Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa", o que permitia o empregador contratar a título de experiência, por exemplo, e ao final do contrato, dispensar arbitrariamente ou sem justa causa a trabalhadora grávida.

Com o tempo e a priorização do Principio da Dignidade da Pessoa Humana pelos Tribunais, foram surgindo julgados com decisões contrárias à antiga redação do inciso III da súmula 244 visando proteger também as gestantes em contrato por prazo determinado, o que passou a ser confirmado inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, conforme segue:

Ementa DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E TRABALHISTA. CONTRATOS POR PRAZO DETERMINADO E OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO NÃO OCUPANTES DE CARGOS EFETIVOS. GRAVIDEZ DURANTE O PERÍODO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DIREITO À LICENÇA- MATERNIDADE E À ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ARTIGO 7º, XVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGO 10, INCISO II, ALÍNEA B, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. ARE 674103 RG / SC - SANTA CATARINA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Relator (a): Min. LUIZ FUX Julgamento: 03/05/2012 Publicação ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-115 DIVULG 17-06-2013 PUBLIC 18-06-2013

Os precedentes normativos que embasaram a alteração do inciso III da súmula 224 são unanimes em apontar que o artigo 10, II “b” do ADCT/88 não limita a estabilidade da gestante pela modalidade de contratação de trabalho, visando sim a tutela do nascituro:

RECURSO DE REVISTA - GESTANTE – ESTABILIDADE PROVISÓRIA - CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. Estabelece o art. 10, II, "b", do ADCT/88 que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, não impondo nenhuma restrição quanto à modalidade de contrato de trabalho, mesmo porque a garantia visa, em última análise, à tutela do nascituro. O entendimento vertido na súmula nº 244, III, do TST encontra-se superado pela atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que as empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime de trabalho, têm direito à licença maternidade de 120 dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido, em afronta ao art. 10, II, "b", do ADCT/88. RR 1601-11-2010.5.09.0068, 1ªT - Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho DJE 09.03.2012/J-29.02.2012 - Decisão unânime.

RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE GESTANTE. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. Se o contrato de experiência está vocacionado à vigência por tempo indefinido, não lhe afeta a essência a decisão judicial que faz prevalecer a proteção maior à gestante à circunstância de ele prever um período de prova. Não há previsão na norma de circunstância especial, conforme se extrai do art. 10, II, "b", do ADCT. Logo, não pode ser conferida ao direito fundamental uma interpretação restritiva, sobretudo se às razões humanitárias se agrega a premissa jurídica de ser do empregador o risco da atividade econômica (art. 2º, § 2º, da CLT). Entendimento diverso transferiria o risco do negócio à empregada, enquanto a norma constitucional e o fim social objetivado impõem a proteção da trabalhadora e, dela, a máxima efetividade. Recurso de revista conhecido e provido. RR 62700-90.2009.5.02.0074, 6ªT – Red Min. Augusto César Leite de Carvalho DJE 08.06.2012/J- 09.05.2012 - Decisão por maioria.

Dessa forma a estabilidade provisória passou a ser estendida também para aquelas gestantes que trabalham em contratos de experiência, temporárias e outras modalidade de contrato a termo, garantindo todos os direitos trabalhistas, por muitas vezes, o convênio médico além da vinculação por um maior período com o INSS.

De todo o exposto, verifica-se que ao longo do tempo as mudanças ocorridas na súmula 244 do TST confirmam uma visão humanitária que privilegia os direitos sociais assegurando a efetividade do art. 1º, III da CF.

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* Luciana Lucena Baptista Barretto é advogada do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

 

 

 

 

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