Reafirmando uma tradição que se inaugurou no final da década de 90, o governo Federal lançou hoje mais um programa de parcelamento de dívidas tributárias para com a União.
A bem da verdade, não se trata de um novo programa especial de parcelamento, mas sim da reabertura do prazo de adesão do chamado Refis da Crise, instaurado em 2009 e que, como o próprio nome dizia, veio como forma de dar um fôlego aos contribuintes tão prejudicados pela crise internacional de 2008/2009.
Assim, como de praxe, num intervalo não maior do que 4 anos, o governo federal, mais uma vez, acena com condições mais favoráveis de pagamento aos contribuintes que se encontram em débito para com o fisco federal.
Dessa vez, apesar de uma inicial resistência por parte do Executivo, que teimava em não aprovar as inúmeras iniciativas do Congresso nesse sentido, o aumento galopante do déficit público, advindo da conjugação do incansável incremento das despesas correntes da União e uma clara baixa na arrecadação de tributos federais, provocada por uma desaceleração da economia nacional, fizeram com que o Planalto fosse obrigado a curvar-se aos anseios da equipe econômica que veem na reabertura do prazo do Refis a única saída para deixarem as contas estatais no azul.
De qualquer forma, razões políticas e econômicas a parte, o "novo" parcelamento finalmente foi sancionado pela presidente no dia de hoje mediante a conversão da MP 615 na lei 12.865/13.
A nova lei estabeleceu a reabertura dos prazos previstos na lei 11.941/09 (Refis da Crise) e na lei 12.249/10 (Refis das Autarquias) para o parcelamento de débitos federais até 31/12/13.
E como não podia deixar de ser, com a nova regra, surgiram as novas dúvidas. Primeiramente, embora a lei tenha estendido o prazo para a adesão aos programas especiais de parcelamentos, cumpre observar que no texto original dos referidos programas estavam abrangidos apenas e tão somente débitos vencidos até novembro de 2008.
Nesse sentido, pela letra fria da lei, os débitos vencidos a partir de 1º de dezembro de 2008 até os dias atuais não poderiam, em tese, ser objeto de parcelamento a ser solicitado até o fim desse ano.
Ao que tudo indica, tal fato foi um lapso do governo, que não adequou a reabertura dos programas de parcelamento ao devido ajuste temporal no período de abrangência dos débitos a serem parcelados. Contudo, caso tenha sido um mero descuido legislativo, provavelmente, o governo ou a RF deverá se pronunciar a respeito nos próximos dias, regularizando a questão.
Outro ponto importante refere-se à não possibilidade de participação no novo programa de parcelamento àqueles contribuintes que já ingressaram nos parcelamentos anteriores (Refis da Crise e Refis das Autarquias), sendo vedado, portanto, o refinanciamento dessas dívidas1.
Além da simples reabertura do prazo de adesão ao REFIS da Crise, a nova legislação trouxe ainda interessante inovação para três casos específicos e que vêm sendo uma pedra no sapato da União por conta das inúmeras discussões administrativas e judiciais que as permeiam.
Primeiramente, após manifestação por parte do STF que, julgando parcialmente constitucional a MP 2158-35, entendeu válida a cobrança do IRPJ e CSLL em relação às empresas que auferiram lucros por controlada ou coligada2 no exterior, o novo programa de parcelamento traz importante benefício.
Com a famigerada MP 2.158-35, que considerou para fins de determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL a disponibilização dos lucros auferidos no exterior na data do balanço, muitas empresa autuadas vêm discutindo administrativa e judicialmente os exorbitantes valores a serem recolhidos aos cofres públicos por tal sistemática.
Para estes casos, o governo federal, de modo bastante atrativo, concedeu a possibilidade de pagamento à vista de tais tributos com redução de 100% das multas de mora e de ofício, das multas isoladas, dos juros de mora e do valor do encargo legal. Ainda, o contribuinte poderá optar pelo parcelamento em até 120 prestações, sendo 20% na entrada e o restante em parcelas mensais, com redução de 80% das multas isoladas, de 40% dos juros de mora e de 100% sobre o valor do encargo legal3.
Não obstante estes benefícios, a legislação ainda trouxe interessante alternativa para liquidar as dívidas referentes ao IRPJ e CSLL sobre lucros no exterior.
Para as empresas que optarem pelo pagamento ou parcelamento desses débitos, a multa (de mora ou de ofício ou isoladas) e os juros moratórios, inclusive relativos a débitos inscritos em dívida ativa, poderão ser liquidados com a utilização de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL próprios ou de outras empresas do grupo, desde que domiciliadas no Brasil, que já eram empresas controladas em 31/12/11 e que continuem sob o seu controle até a data da opção pelo pagamento ou parcelamento4.
Certamente, diante de tais regalias concedidas pelo governo, muitas empresas deixarão de discutir as autuações lavradas e passarão a aderir ao novo programa de parcelamento, ficando, assim, quites com a administração pública Federal.
Em segundo lugar, foi trazido à tona regra específica de parcelamento e anistia para as instituições financeiras e seguradoras, que vêm discutindo há anos a questão do alargamento da base de cálculo do PIS e da Cofins, trazida pela lei 9.718/98.
Assim, visando diminuir sensivelmente as discussões existentes nesse sentido, foi criada regra que permite a essas empresas (instituições financeiras) o recolhimento do PIS e da COFINS vencidos até 31 de dezembro de 2012, o pagamento à vista com redução de 100% das multas de mora e de ofício, de 80% das multas isoladas, de 45% dos juros de mora e 100% sobre o valor do encargo legal.
Ainda, caso as instituições financeiras optem pelo parcelamento da dívida, poderão quitá-las em até 60 prestações, sendo 20% de entrada e o restante em parcelas mensais consecutivas, com redução de 80% das multas de mora e de ofício, de 80% das multas isoladas, de 40% dos juros de mora e de 100% sobre o valor do encargo legal5.
Por fim, em terceiro lugar, a discussão com relação à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins também entrou na regra do parcelamento. Visando dirimir os debates em torno deste tema, a legislação concedeu expressamente que os débitos objeto de discussão judicial relativos a este tema poderão ser pagos ou parcelados nas mesmas condições estabelecidas para instituições financeiras no que tange aos descontos e prazos na regularização dos débitos de PIS e de Cofins.
A despeito de ser uma importante oportunidade de regularização da situação fiscal dos contribuintes que se encontram em débito para com a União, certo é que, como nos parcelamentos anteriores, muitas dúvidas ainda se encontram no ar, o que faz com que seja necessária uma imediata regulamentação da questão por parte da Receita Federal, até mesmo para que seja possível que os contribuintes adiram dentro do novo prazo legal estipulado, 31 de dezembro deste ano, que não se mostra tão elástico.
De qualquer forma, entendemos que a possibilidade de parcelamento das dívidas para com a União deve ser analisada com bastante cuidado por parte dos contribuintes devedores, eis que esse pode ser o momento oportuno para estudar as perspectivas de êxito de eventuais disputas, para se verificar se a inclusão de débitos litigiosos no "novo" programa mostra-se uma boa opção.
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1 Artigo 17, §1º, Lei 12.865/13
2 No que tange às coligadas, lembre-se que o STF concluiu pela validade das cobranças apenas e tão somente para empresas situadas em locais de tributação favorecida.
3 Artigo 40, Lei 12.865/13
4 Artigo 40, §7º, Lei 12.865/13
5 Artigo 39, Lei 12.865/13
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* Fernando Vaisman e Andrew Laface Labatut são advogados do escritório Almeida Advogados.