Após o Congresso Nacional aprovar, a presidente Dilma Rousseff sancionou em 1º de agosto, a nova lei 12.846/13, intitulada como lei anticorrupção.
Essa legislação vem ratificar o 11º princípio do Pacto Global das Nações Unidas, qual estabelece que "as empresas devem combater a corrupção em todas as formas, incluindo extorsão e propina", bem como responder as queixas antigas da sociedade de que a Justiça só se preocupa com os corruptos e pouco com os corruptores.
Os defensores da lei afirmam que serão necessárias mudanças significativas nas empresas instaladas no Brasil, com adoção de boas práticas de governança corporativa por meio da criação de rígidos controles internos, com políticas e procedimentos para salvaguardar o patrimônio e a eficiência das suas operações com busca profunda na ética e moral.
Mas, torna-se válido ressaltar que existem muitas dúvidas que precisam ser esclarecidas, como: até que ponto que ponto as empresas serão penalizadas por atos praticados pelos seus empregados? quais serão os parâmetros utilizados para avaliação e aplicação das penalidades? qual será o impacto nas empresas?
Com base nesses aspectos, necessário um estudo das incertezas e quais medidas que as empresas deverão tomar a partir do dia 2 de março de 2014, data do início da aplicação da lei anticorrupção.
O passado recente demonstrou um aumento contínuo da atenção dispensada pelas empresas norte-americanas ao fator de combater a corrupção por meio do ambiente de controles internos (compliance), em decorrência da promulgação da lei Sarbanes-Oxley ou SOX, em 2002, que foi uma reação das autoridades reguladoras e fiscalizadoras para proteger o seu mercado de capitais.
Com um embalo que acelera cada vez mais o tema, inclusive pelas próprias exigências rígidas da lei anticorrupção, preocupações com o melhor aproveitamento dos controles internos das empresas estão emergindo.
Apesar de as incertezas existentes na nova lei no que diz respeito aos parâmetros de avaliação dos mecanismos e procedimentos a serem adotados pelas empresas, os quais, conforme estabelece o parágrafo único do art. 7º, serão constituídos pelo Poder Executivo através de regulamento, as empresas não devem ficar esperando que a legislação entre em vigor, ou que seja regulamentado o seu conteúdo, para se prepararem e avaliarem dentro dos seus negócios como melhor estruturar um programa interno voltado à ética e à anticorrupção.
Estudos indicam que na raiz da corrupção alguns fatores se combinam na produção dos atos corruptos, são eles: fragilidade dos princípios éticos, o contexto e a oportunidade. E são três os elementos do campo ético: agente, virtudes e meios.
Segundo grandes pensadores, entre eles Sócrates e Aristóteles, o foco da ética está na educação do caráter humano visando a conter seus instintos e orientá-los para o bem, de modo a adequar o cidadão à sua comunidade. As virtudes morais, então, não são produzidas em nós por natureza, nem contra ela. A natureza, de fato, prepara em nós as bases para recepção delas, mas sua formação completa é produto do hábito (Aristóteles, Nicomachean Etchis (350 BCE), livro 2, capítulo 1 ).
Equivocada, portanto, a legislação no que tange a rígida aplicação do regime da responsabilização objetiva, esta que torna a empresa responsável sem ter culpa pelo ato corrupto.
As organizações não podem ser prejudicadas pelas decisões tomadas pelos seus empregados ou parceiros. A lei foi tímida, pois deveria haver uma isenção de pena em casos que a empresa adotou todos os campos da ética e seus elementos, pois não pode a empresa controlar o âmago de todos os seus pares no sentido de solucionar por completo os problemas morais e os problemas éticos da comunidade.
Outro ponto que merece reflexão é a ausência de qualquer obrigação aos sindicatos dos empregados, estes que poderiam ter importância vital em facilitar e acelerar os esforços no sentido de desenvolver políticas de anticorrupção. A legislação torna a administração das empresas, e não aos sindicatos, a única e exclusiva força motora por trás do movimento de desenvolver o trabalho anticorrupção.
De toda sorte, as empresas precisam gerar amplitude aos métodos que serão adotados para mitigar os riscos de corrupção, como: uso de código de ética, códigos de condutas, canal de denúncias, desenvolvimento de controles internos, procedimentos internos de divulgação de temas relacionados à corrupção, análise de aderência ética dos profissionais e parceiros comerciais e a criação de um conselho de ética (auditoria interna). Tudo com foco e fiscalização constante para evitar que caiam em desuso.
Com a finalidade de minimizar as atitudes antiéticas, os ambientes de controles internos devem prover de um código de ética abrangente e manuais de condutas morais detalhados, representados, entre outros, por programas contínuos de treinamentos e capacitação, os quais devem ser incorporados aos planos gerais de desenvolvimento definidos numa revisão de desempenhos.
Um nível ético homogeneamente elevado deve ser a meta explicita dos treinamentos, sob a supervisão de um Conselho de Ética que servirá como uma auditoria interna para julgar e punir os que não adotem uma linha de conduta ética. Atualmente na maioria das empresas, o Conselho de Ética ainda se oculta por trás de antigas, sóbrias e totalmente inadequadas portas empresariais.
Devido aos custos e às incertezas quanto aos resultados, a implementação dos métodos de controles internos ainda encontra resistência por algumas empresas.
Obviamente que os riscos e acontecimentos incertos são manifestações da mesma força fundamental – a aleatoriedade – à qual estão associadas situações de escolha, mas as empresas devem abrir os olhos para adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidade e a aplicação de códigos de ética e de conduta, pois a lei 12.846/13 foi extremamente rigorosa na aplicação das sanções pecuniárias, as quais podem chegar até 20% sobre o faturamento bruto o último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, nunca inferior à vantagem auferida, ou, na impossibilidade dos cálculos, no valor que pode chegar até R$ 60 milhões de reais.
Por mais que o ato de corrupção seja imprevisível, trata-se de um fenômeno com antecedentes, consequências, circunstâncias e condições que permitem análises e interferência de probabilidade de riscos.
No mundo corporativo, a prática demonstra que, na definição clássica de risco, a palavra "possibilidade" vem sendo substituída por "probabilidade".
As empresas precisam adotar ações pragmáticas e conjuntas através das auditorias internas e externas (contadores, advogados e auditores independentes), pois a lei acarretou alterações significativas na finalidade destas auditorias, trazendo a mudança de um enfoque tradicional para o foco de evitar e demonstrar riscos para a organização.
Assim, a solução dos riscos éticos é fazer que a teoria e a prática estejam estritamente ligadas, evitando que os controles internos sejam apenas um instrumento para atender a exigência da legislação ou para convencer os acionistas e público externo de que a organização busca a ética em suas ações.
Ao contrário do trabalho efêmero, o esforço organizacional para fazer cumprir as regras e inibir atos corruptos necessita ser constante e ampliado com a percepção de que os códigos de ética genéricos constituem somente declarações de boas intenções sem efeitos práticos, tencionando a se tornarem "técnicas de mandamentos", o que a experiência demonstra que não impedirá as pessoas de encontrarem as mais variadas formas de burlar as regras.
Numa perspectiva holística, em que pese às críticas que merecem estudos detalhados, a lei anticorrupção poderá construir uma nova conscientização ética que suscite atitudes e forme o caráter para o bem dos agentes humanos, desenvolvendo-se novas práticas políticas e econômicas, até porque só há corruptos quando existem corruptores.
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* Ricardo Franceschini é advogado do escritório Martorelli Advogados.