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Condenação criminal e perda de cargo público, função pública ou mandato eletivo: necessidade de motivação/fundamentação da decisão judicial

Há quem defenda que a perda de cargo público, função pública ou mandato eletivo é tão somente efeito administrativo da decisão judicial, de modo que a motivação/fundamentação, para esse efeito da pena, pode decorrer do próprio conjunto da decisão judicial.

22/9/2013

Após a polêmica do caso Donadon, especialmente a recente questão sobre quem deteria competência para decretar a perda do seu mandato parlamentar (STF ou Câmara dos Deputados; se desta, seu plenário ou Mesa Diretora1), ganhou relevo e importância a relação entre condenação criminal de agente público2 e a perda do respectivo cargo público, função pública ou mandato eletivo.

Vejamos.

O CP:

Art. 92. São também efeitos da condenação:

I- a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Não obstante, há quem defenda que a perda de cargo público, função pública ou mandato eletivo é tão somente efeito administrativo da decisão judicial, de modo que a motivação/fundamentação, para esse efeito da pena, pode decorrer do próprio conjunto da decisão judicial3. Implica dizer, noutro falar, que a perda preconizada pelo CP, na questão em análise, seria efeito imediato e incondicional da condenação, sem necessidade de especifica de motivação/fundamentação do decisum.

O dever de motivar/fundamentar todas as decisões4 é corolário lógico do Estado Democrático de Direito. Com efeito, pretendeu o legislador constituinte estabelecer como norma imperativa que todas as decisões judiciais5 possuam a devida motivação/fundamentação do respectivo poder competente, conferindo segurança jurídica para todos os cidadãos (art. 93, IX, da CF6).

Na verdade, investido da função jurisdicional, o juiz precisa revelar a razão que lhe convenceu a exarar determinada decisão, até mesmo porque a jurisdição está intrinsecamente ligada à ideia de dizer o direito. É imperioso externar os motivos do seu ato decisório.

Nelson Nery7, sobre o tema, anota que:

A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos que vão desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais estampadas no art. 5º, CF, trazendo consequentemente a exigência da imparcialidade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que decidir de acordo com sua livre convicção, desde que motive as razões de seu convencimento (princípio do livre convencimento motivado).

Nesse sentido, temos o seguinte paradigma do STJ:

“PENAL. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. HOMICÍDIO. CONDENAÇÃO. EFEITOS. PERDA DO CARGO PÚBLICO. FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA.
Os efeitos específicos da condenação não são automáticos, de sorte que, ainda que presentes, em princípio, os requisitos do art. 92, inciso I, do Código Penal, deve a sentença declarar, motivadamente, os fundamentos da perda do cargo público.
Ausente a fundamentação requerida (art. 93, IX, da CRFB), é nula, neste ponto, o dispositivo da sentença condenatória.
Recurso provido tão-somente para cassar o acórdão e anular o dispositivo da sentença condenatória que determinou a perda do cargo de Alvacir Scardiglia Machado, a fim de que outra seja proferida, neste ponto, com motivada fundamentação.”
(...)” (negrito nosso)8.9

Revela-se inconstitucional, também, a decisão judicial cuja motivação/fundamentação seja defeituosa. Não se afigura suficiente, pois, invocar figuras genéricas e lacônicas, afirmando, v.g. que “os embargos de declaração teve exclusivo objetivo de rediscutir matéria já decidida, manifestando propósito de protelar a prestação jurisdicional, o que evidencia sua inegável má-fé processual”. Afinal, neste exemplo, qual artigo de lei, em tese, foi descumprido? Como foi possível chegar à essa ilação? Dizer de forma genérica, aliás, equivale a não dizer, como já decidido pelo STJ:

“PROCESSUAL CIVIL - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO DA CONDUTA EM UMA DAS HIPÓTESES DO ART. 17 DO CPC - DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO - AFASTAMENTO DA PENALIDADE. 1. A fundamentação das decisões judiciais constitui garantia do cidadão no Estado Democrático de Direito, tendo por objetivo, dentre outros, o exercício da ampla defesa e o seu controle por parte das instâncias superiores. 2. Diante disso, é dever do magistrado, ao aplicar a sanção por litigância de má-fé, proceder à correta capitulação e enquadramento da conduta da parte às hipóteses do art. 17 do CPC. 3. Não atende o dever de motivação das decisões judiciais a menção genérica de que “a conduta da recorrente recai no que dispõe o art. 17 e seus incisos”, por não permitir à parte o exercício da ampla defesa e do contraditório. 4. Recurso especial provido para afastar a penalidade por litigância de má-fé.”10(destaque nosso).

De outra banda, também se revela imprescindível a análise, ainda que superficial, da correlação entre o cargo público ou função pública11 ocupado e o delito praticado, isto é, a questão do liame entre o cargo e a conduta reprovada. É o caso do agente público que pratica delito quando ocupa um determinado cargo público, é aprovado em concurso público para o outro cargo, e, só então, ocorre sua condenação.

Balizada doutrina e jurisprudência se posicionam de modo a restringir a pena de perdimento apenas para o cargo público ocupado ou função pública exercida no momento do delito. Cezar Roberto Bitencourt12, trilhando este entendimento, assinala:

“1.1.2. Correlação entre crime e atividade exercida

A perda deve restringir-se somente àquele cargo, função ou atividade no exercício do qual praticou o abuso, porque a interdição pressupõe que a ação criminosa tenha sido realizada com abuso de poder ou violação de dever que lhe é inerente”.

Com o mesmo pensar, Luiz Regis Prado13 evidencia o seguinte precedente do TJ/SP:

“A perda de função pública, por violação de dever inerente a ela, necessita ser por crime cometido no exercício dessa função, valendo-se o acusado do cargo para a prática do crime. Vale dizer, deve ser condenado por crime funcional (TJ/SP - AC - rel. Márcio Bonilha - RT 572/297).”

Deste modo, é necessário se faça valer a norma se extrai do art. 93, IX, da CF, porque, além de constituir-se em garantia fundamental, a motivação/fundamentação das decisões judiciais, significa, sobretudo, segurança jurídica para a sociedade no tocante à tutela jurisdicional, assim como também se revela uma garantia para o julgador que poderá exercer o “livre convencimento motivado”, como preconizado no art. 131 do CPC.

__________

1 Notícias do Supremo Tribunal Federal - Segunda-feira, 02 de setembro de 2013:

Liminar suspende decisão que manteve mandato de Natan Donadon.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso concedeu liminar no Mandado de Segurança (MS) 32326 suspendendo os efeitos da deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados que manteve o mandato do deputado federal Natan Donadon. (...) A Mesa da Câmara submeteu a decisão sobre a perda do mandato do parlamentar ao plenário da casa, na última quinta-feira (28), o qual concluiu pela manutenção do cargo. (...) A liminar do ministro Roberto Barroso restringiu-se a suspender os efeitos da deliberação do Plenário da Câmara até o julgamento definitivo do mandado de segurança do STF. “Esclareço que a presente decisão não produz a perda automática do mandato, cuja declaração – ainda quando constitua ato vinculado – é de atribuição da Mesa da Câmara”, ressaltou em sua decisão. (...)” www.stf.jus.br - acessado em 3/09/13.
2 A lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/92) conceitua agente público: “Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” O conceito é bem mais amplo do que o de “funcionário público” previsto no art. 327 do CP.

3 Neste sentido: Apelação Criminal 4230/PE – Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

4 No âmbito dos julgamentos por quebra de decoro parlamentar, assim entende o STF:

“(...) Câmara dos Deputados. Constituição, art. 55, inciso II. Perda de mandato de Deputado Federal, por procedimento declarado incompatível com o decoro parlamentar. (...) Inviável qualquer controle sobre o julgamento do mérito da acusação feita ao impetrante, por procedimento incompatível com o decoro parlamentar (...)”(MS 21.861, Relator Ministro Néri da Silveira, DJ de 21-9-2001). No entanto, cabe controle judicial quanto às garantias formais do procedimento, a exemplo de prazo para apresentação da defesa ou inversão da ordem das provas. Neste sentido, o STF deferiu a segurança ao então Deputado José Dirceu, determinando-se ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados procedesse à reinquirição de testemunhas:
“Parlamentar. Perda de mandato. Processo de cassação. Quebra de decoro parlamentar. Inversão da ordem das provas. Reinquirição de testemunha de acusação ouvida após as da defesa. Indeferimento pelo Conselho de Ética. Inadmissibilidade. Prejuízo presumido. Nulidade consequente. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Vulneração do justo processo da lei (due process of law). Ofensa aos arts. 5a, incs. LIV e LV, e 55, § 2a, da CF. Liminar concedida em parte, pelo voto intermediário, para suprimir, do Relatório da Comissão, o inteiro teor do depoimento e das referências que lhe faça. Votos vencidos. Em processo parlamentar de perda de mandato, não se admite aproveitamento de prova acusatória produzida após as provas de defesa, sem oportunidade de contradição real.” (MS-MC 25.647/DF, Relator Ministro Carlos Britto, Relator para o acórdão Ministro Cezar Peluso, DJ de 15-12-2006.

5 Embora somente em casos excepcionais pode ocorrer o controle do mérito da decisão administrativa, em regra, salvo por questões formais, a decisão administrativa e a decisão do legislativo (típica, de natureza política) não podem ser controladas pelo Judiciário. Mas tal circunstância não afasta o dever de motivar/fundamentar.

6 Art. 93 [...]
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente estes.

7 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, 1999, p. 174.

8 RHC 15997/RS, Relator Ministro Paulo Medida, decisão unânime da Sexta Turma em 23/11/2004.

9 No mesmo sentido: REsp 810.931/RS, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, em 6/8/07.

10 REsp 1035604/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, em 05/02/2009.

11 Aqui não se inclui mandato eletivo.

12 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. Editora Saraiva. 2ª edição. 2004, p. 306.

13 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. Editora Revista dos Tribunais. 2002. p. 322.
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Bibliografia

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. Editora Saraiva. 2ª edição. 2004

CONDE, Francisco Munoz. De nuevo sobre el “derecho penal del enemigo”. 2. ed. ampl. Buenos Aires: Hammurabi, 2008.

DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DESTEFEnNI, Marcos. Direito penal e licenciamento ambiental. São Paulo: Memória Jurídica, 2004. DIE'Z, Carlos Gómez-Jara (Coord.). Teoría de sistemas y derecho penal: fundamentos y possibilidades de aplicación. Bogotá': Universidad Externado de Colombia, 2007.

DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, 1999

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. Editora Revista dos Tribunais. 2002.

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* Luiz Antonio Costa de Santana é advogado professor da UNEB e UNIVASF.

 

 

 

 

  

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