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Entenda o caso do cartel do Metrô

Segundo denúncia de 2012, todos sabiam antecipadamente quais empresas venceriam cada trecho em licitação porque os preços ofertados já estavam combinados entre eles.

5/9/2013

1. Contexto Inicial

O caso tem seu impacto inaugural na mídia em maio de 2012, quando a Justiça de São Paulo aceitou a denúncia de prática de cartel na licitação para construção da Linha 5 – Lilás, do metrô paulista. À época, a denúncia do Ministério Público paulista versava sobre fraudes supostamente ocorridas no processo licitatório, relatando que os executivos das 12 empreiteiras investigadas teriam dividido entre si os contratos de seis trechos (de 3 a 8) da Linha 5, direcionando o resultado da licitação da obra. Segundo a denúncia, todos sabiam antecipadamente quais empresas venceriam cada trecho em licitação porque os preços ofertados já estavam combinados entre eles.

Paralelamente, existiam denúncias de práticas anticoncorrenciais e de formação de cartel em outros contratos firmados em benefício do Metrô paulistano. Essas investigações, porém, ganharam maiores proporções com a colaboração do conglomerado alemão Siemens, que firmou um pacto de leniência com o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, comprometendo-se a ceder informações confidenciais e documentos em troca de leniência pelo auxílio à Justiça.

A Siemens confessa que participou de diversos esquemas para dirigir as licitações de que fizera parte. Segundo seus relatos e documentos, o conglomerado firmava acordos prévios com as empresas concorrentes e adentrava ao certame licitatório com preços combinados, já sabendo de antemão quem sairia vencedor. A partir de então, o pretenso cartel propõe duas situações distintas: 1- O vencedor teria obrigação de subcontratar a empresa vencida para realizar parte dos serviços contratados por meio da licitação, como ocorrido no caso da Linha 5 - Lilás, do Metrô paulista; 2 - O vencedor da licitação figuraria como concorrente em outra licitação, apresentando uma proposta menos atraente ao erário público e sagrando o que perdera a primeira licitação como vencedor da segunda licitação, como ocorrido no caso da licitação para manutenção de trens da CPTM.

A conduta da Siemens de colaborar com as investigações não deve, no entanto, causar nenhuma estranheza. Nos últimos anos, o conglomerado alemão tem adotado estratégias para colaborar com as autoridades em todo mundo em casos de investigações que envolvam suas atividades. O marco fundamental para mudança da conduta do conglomerado ocorreu em meados de 2008, quando a empresa foi investigada por infração à lei norte-americana denominada FCPA - Foreign Corrupt Practices Act, e firmou com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos um Plea Agreement, acordo judicial, assumindo responsabilidade pela prática de atos de corrupção para vencer licitação em vários países em troca de benefícios na aplicação de suas penas.

O caso foi notícia em todo mundo, sendo acompanhado, à época, pelo jornal The New York Times, que frisa em seu noticiário, dentre todas as sanções e penalidades aplicadas à empresa, o pagamento de $1,6 bilhões às autoridades americanas e europeias. Os documentos deste e de outros casos similares podem ser acessados no site do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

A partir do ano de 2008, então, a Siemens adotou o entendimento de que a cooperação com as autoridades nas investigações seria a melhor maneira de se apurar essas espécies de condutas, adotando uma rígida política de "compliance" que atualmente é considerada como benchmarking.

No Brasil, a situação se encaminha para o mesmo sentido. Foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff, em 2/8/13, a chamada lei anticorrupção (lei ordinária 12.846/13). Tal diploma é fundamental para a real mudança de atitude das grandes empresas no Brasil, pois atribui punições administrativas e civis mais rígidas às empresas consideradas corruptas, obrigando-as a indenizar os cofres públicos com multas pesadas. É também novedoso que a lei atribui um tratamento diferenciado às empresas que possuem programas de "compliance", fator preponderante para a redução das sanções, além de dar crédito pela colaboração efetiva das empresas investigadas com as autoridades.

No caso da Siemens, é clara a mudança de postura em relação às suas administrações anteriores ao ano de 2008. Tal afirmação é corroborada com a entrevista do diretor mundial de "compliance" concedida ao jornal Folha de São Paulo, onde, entre outras informações sobre a atuação da empresa no caso do Metrô de São Paulo, ele afirma que "Estamos muito calmos. Achávamos que tudo isso iria ocorrer. O processo normal logo voltará. Mas as pessoas, nossos funcionários e parceiros que tentarem combinar preços vão saber que nós vamos chamar a polícia".

Ademais, o elevado padrão da atual diretoria da Siemens na área de "compliance" é elogiado em todo mundo, sendo reconhecida, em pouco tempo, como referencia mundial na matéria. Prova disso temos no noticiado pelo Estadão, em 30/8/13, que relata que o presidente do conglomerado, Paulo Stark, teria sido convidado pelo Ministério Público Federal para dar palestra na Procuradoria-Geral sobre seu sistema de "compliance", mesmo sendo a Siemens parte investigada em São Paulo.

Ao todo, a investigação sobre os contratos feitos no sistema metroviário paulistano abarca 20 empresas que participaram dos procedimentos licitatórios suspeitos, entre elas subsidiárias da francesa Alstom, da canadense Bombardier, da espanhola CAF e da japonesa Mitsui. Segundo estimativas feitas pelo site de notícias G1, os valores atualizados dos contratos suspeitos chegam a quase R$ 2 bilhões, incluindo os cinco contratos firmados no período compreendido entre os anos de 2000 e 2007.

2. Das investigações

As investigações sobre o esquema em tela estão concentradas em cinco contratos firmados pelas autoridades de São Paulo e do Distrito Federal que tinha por objetivo a melhoria no sistema de transporte coletivo local, sendo elas: 1- Compra de Trens e equipamentos para o Trecho 1 da Linha 5-Lilás do Metrô de São Paulo, firmado em agosto de 2000; 2- Compra de Trens e equipamentos para expansão da Linha 2-Verde do Metrô de São Paulo, firmado em maio de 2005; 3- Manutenção de trens das séries S2000, S2100 e S3000 da CPTM em São Paulo, firmado entre 2001 e 2002; 4- Modernização da Linha 12-Safira da CPTM em São Paulo, novembro de 2004 e; 5- Manutenção do Metrô do Distrito Federal, em maio de 2007.

Em todas elas, o CADE é a autoridade responsável, em âmbito administrativo, pela apuração e pela repressão de eventuais práticas infracionais à ordem econômica, sendo o órgão que tem concentrado o recebimento de todas as provas produzidas, inclusive aquelas advindas do conglomerado delator, Siemens.

No entanto, o CADE não é o único órgão envolvido no caso, sendo que a Polícia Federal e o Ministério Público também têm atuado de maneira a assessorar do melhor modo na apuração do caso. A Polícia Federal tem auxiliado sobremaneira na inquirição das testemunhas do caso, como na inquirição do atual presidente da Siemens, o senhor Paulo Ricardo Stark, feita em 21 de agosto de 2013, como noticiou o Estadão. Já o Ministério Público tem auxiliado na avaliação dos contratos em vigor, verificando se não há irregularidades junto ao TCU - Tribunal de Contas da União, com noticiou o mesmo jornal.

Não há dúvida de que os fatos apurados espraiam-se para além da violação à norma de direito concorrencial, esbarrando em diversas condutas, diplomas legais, competências administrativas e judiciais de todos os níveis. As ações investigadas podem caracterizar fraude à licitação, mas também, conforme se apure, ato de corrupção ou improbidade administrativa. Como a lei 12.846/13 foi publicada posteriormente aos fatos, ela não se aplica para punir a pessoa jurídica pelo ato de corrupção.

3. Pagamento de propina

Como visto, os contratos até então objeto de investigação são provenientes de licitações feitas entre os anos de 2000 e 2007, entretanto se levarmos em consideração as prévias deliberações e pactos firmados entre as empresas investigadas com o objetivo de fraudar as licitações e a própria natureza licitatória, que segue um longo procedimento administrativo para a contratação, certamente o tempo de início das práticas anticoncorrenciais poderia retroceder para meados dos anos de 1997 e 1998.

Em todo este período, São Paulo foi governado por um mesmo partido político, o PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira, respectivamente nos governos de Mario Covas, Geraldo Alckmin e José Serra. No entanto, o que a princípio não se mostraria mais que uma ingrata coincidência, tornou-se objeto de investigação a medida que, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo, em 2/8/13, a Siemens apresentou documentos ao CADE comprovando que o governo do Estado de São Paulo teria conhecimento das práticas para direcionar as licitações e que teria recebido, inclusive, suborno para acobertar o caso.

Em nota, o PSDB afirmou que "nunca compactuou, nem nunca há de compactuar, com o erro e com a falta de conduta ética" e que ao governo de São Paulo "interessa buscar ressarcimento e punir os eventuais responsáveis pela suposta formação de cartel".

O PSDB, ainda, acusa o CADE de agir como "instrumento de polícia política" para prejudicar as administrações do PSDB, afirmando em nota, segundo o site de notícias G1, que "causa estranheza, no entanto, que o CADE se negue a fornecer o conteúdo das investigações para que a Corregedoria de São Paulo faça seu trabalho" e criticou o órgão por fazer "vazamentos seletivos" com o "claro objetivo de confundir e de produzir efeitos políticos e eleitorais".

Com uma economia e política cada vez mais globalizada, casos como este são reiteradamente comentados ao redor do mundo, causando grande repercussão negativa e manchando a imagem institucional do país no exterior. O caso foi notícia nos principais jornais do mundo, incluindo no The Wall Street Journal, que aborda principalmente os recorrentes casos de propina em países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil.

4. Últimos acontecimentos

As investigações, como visto, estão em grande evolução e a cada informação prestada ou documento apresentado é descoberto um novo esquema ou, pelo menos, mais alguma ramificação do esquema já investigado.

Em 15/8/13, em acordo com as informações do site de notícias G1, o CADE apresentou um relatório sobre a análise de e-mails que comprovariam um pacto não concretizado onde os executivos da Siemens impuseram à Alstom, como condição para fazer parte de um cartel na licitação para manutenção do Metrô DF, em 2005, a futura subcontratação da empresa alemã na licitação da Linha 4 - Amarela do Metrô de São Paulo.

A situação do metrô do Distrito Federal também suscita dúvidas quanto à austeridade do procedimento para a sua manutenção. Segundo informações veiculadas nos site de notícias do Novo Jornal, do Estadão e até do irlandês The Irish Times, existiriam casos de pagamento de propina ao governo do PSDB por intermédio de contas de seus integrantes na Suíça, em contrapartida do aval para o procedimento licitatório. O dinheiro das propinas teria sido pago por meio de offshore no Uruguai, sendo que, para justificar a saída do dinheiro, o esquema contrataria empresas de consultoria no Brasil.

Reportagem veiculada pelo Estadão, em 23/8/13, noticia que em uma carta de 2008 à matriz na Alemanha, um ex-executivo da Siemens afirmava que a formação de cartel e pagamento de propina a agentes públicos não eram exclusivos da área de transportes, mas também nos setores de energia e de equipamentos médicos da empresa.

Diante do cenário apresentado, e a partir da vigência da lei 12.846/13, a tendência é que cada vez mais empresas participantes de esquemas similares a este procurem as autoridades públicas, levando todas as informações que possuem em troca de tratamento diferenciado para imposição das sanções e penalidades. Da mesma forma, é esperado que, com a adoção de programas de compliance, as empresas consigam aumentar o controle de relações comerciais potencialmente problemáticas, e evitem incorrer nas ações penalizadas no âmbito da lei anticorrupção (lei 12.846/13) e demais legislações que promovam o respeito aos princípios da administração pública.

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* Rafael Alencar Jordão, advogado, com a colaboração de Rafael Mendes Gomes, sócio, do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro,Menezes Côrtes, Rennó, Aragão Advogados.

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