Em tema de perda de direitos políticos, em razão de sentença judicial, a última palavra só pode ser mesmo do Judiciário, sob pena de perder-se o princípio da supremacia da Justiça. Reza a lei Maior no art. 15 que: É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos seguintes casos: (omissis) III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. (São direitos políticos: votar, ser votado, exercer cargo público ou mandato eletivo). Outra questão é a cassação de mandato legislativo, em razão de condenação judicial. Aqui se têm duas situações a depender dos efeitos da sentença. Reza o CP; Art. 92 – São também efeitos da condenação: I – a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo – a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública. Por isso a CF, no art. 55, traz incisos com redações absolutamente diversas. Art. 55 – Perderá o mandato o deputado ou senador – III – que deixar de comparecer à terça parte das sessões ordinárias; IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos (aplicável ao caso em exame); V- quando o decretar a Justiça Eleitoral nos casos previstos nesta Constituição (crimes eleitorais); VI – que sofrer condenação em sentença transitada em julgado. Há redundância? Não. Os parágrafos esclarecerão o ponto. Quando se trata de condenação privativa da liberdade de um ano ou mais e o crime tiver sido contra a administração pública, praticado com abuso de poder, aplica-se o parágrafo 3º do art. 55. "Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou partido político". Aí a função do Congresso é meramente declaratória, ouvido o parlamentar em aspectos formais (existência de recurso, sentença não publicada). Não há votação. É ato da Mesa, homologatório da decisão judicial. É dever do Legislativo, caso contrário teria o poder de negar eficácia às decisões judiciais definitivas.
Outra é a lógica do parágrafo 2º do art. 55: "Nos casos dos incisos I, II e VI a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado, por voto secreto e maioria absoluta (metade mais um dos membros da casa) assegurada ampla defesa". Aqui, o verbo não é "declarar" mas "decidir". Aqui não é a Mesa que age, mas o plenário que decide por maioria absoluta e voto secreto. O parágrafo 2º do art. 55 é para condenações que não impõem a perda dos direitos políticos, de mandato ou função pública. São outras condutas, como por exemplo crimes culposos de atropelamento sem vítimas, difamação, lesões corporais e assim por diante. Caberá então ao Legislativo ajuizar se a natureza do delito e a pena cominada são graves a ponto de levar à cassação do mandato. Portanto é a própria Constituição que indica as hipóteses em que a sentença criminal, nos seus efeitos específicos, já implica perda do mandato eletivo (arts. 15 e 55, 3º, combinados, acrescidos dos arts. 91 e 92 do CP). O intérprete olha o conjunto em vez da norma isolada.
Não obstante a clareza da Constituição, leguleios acham que somente o Congresso Nacional pode cassar mandatos, contrassenso jurídico. Como o cidadão comum admitirá um parlamentar corrupto, condenado, votando leis? Mas isso poderá ocorrer no caso do deputado Donadon se o Congresso, o voto é secreto, não cassar o seu mandato (o STF já lhe tirou os direitos políticos). O Congresso errou induzido por falas mal-entendidas. Adotou o rito do art. 55 § 2º e não o do § 3º: Trata-se de erro clamoroso, a requerer imediata reclamação ao STF (desrespeito ao devido processo constitucional de cassação de mandatos parlamentares). Para prevenir erros a PEC 18/13 estabelece a perda automática do mandato de parlamentar nas hipóteses de improbidade administrativa ou de condenação por crime contra a administração pública, quando o processo transitar em julgado. Havendo determinação da perda de mandato pelo Judiciário, como pena, a cassação deve ser declarada pela Mesa Diretora. Caso não haja definição do Judiciário sobre o mandato parlamentar nas condenações criminais a cassação será decidida pela Câmara dos
A literatura portuguesa nos remete ao Conselheiro Acácio, um sujeito solene a dizer com pompa e circunstância as coisas mais óbvias: "O destino de todo ser vivo é a morte". É o caso da nossa emenda. Diz com a dignidade de um acréscimo à Constituição o que nela já se contém. Fosse em Portugal seria rejeitada por falta de objeto. No Brasil, é até desejável, para evitar danos à CF e descrença popular.
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*Sacha Calmon é advogado e sócio do escritório Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados.