Em diversas situações, seria de grande importância a ampliação do intercâmbio de informações entre duas proeminentes áreas de conhecimento e atuação: Direito e medicina. Ocorre que, algumas vezes, os magistrados defrontam-se com casos complexos, em que subsídios técnicos podem contribuir sobremaneira para uma justa decisão. Por seu lado, é importante que os médicos tenham ciência do seu papel em disseminar de forma clara e acessível as informações atualizadas sobre graves problemas de saúde que assolam a população, bem como suas origens e implicações. O impacto do tabagismo na saúde humana, apesar de largamente difundido, ainda provoca controvérsias nas análises realizadas no meio jurídico, notadamente nos debates travados no âmbito do Poder Judiciário, em processos judiciais relacionados à matéria. Não são fáceis, com efeito, o conhecimento e a interpretação, pelo profissional do Direito, dos diversos aspectos médicos do tabagismo e de sua repercussão sobre a saúde das pessoas.
Por sua vez, os profissionais da área médica também têm dificuldades em compreender as questões jurídicas concernentes ao assunto. Diante dessa situação, impõe-se aprimorar e ampliar o diálogo entre as áreas técnicas do Direito e da saúde. Com esse relevante objetivo, a AMB - Associação Médica Brasileira coordenou e agora faz o lançamento da publicação denominada "Evidências científicas sobre tabagismo para subsídio ao Poder Judiciário", que traz informações atualizadas, consolidadas do ponto de vista científico e fundamentadas em evidências clínicas, numa linguagem direta e esclarecedora sobre os diversos aspectos que permeiam a questão. O documento foi resultado do esforço de um grupo de trabalho, constituído por 12 médicos e uma psicóloga, especialistas em tabagismo, e quatro consultores jurídicos, sob a coordenação da AMB e de sua comissão de combate ao tabagismo, com a orientação do setor Projeto Diretrizes. Como o objetivo era revisar aspectos relacionados ao tabagismo e suas consequências para a saúde, que pudesse subsidiar o Poder Judiciário no trato do tema, houve a preocupação em produzir documento que atendesse e conciliasse os seguintes enfoques: a) incluir os mais recentes aspectos consolidados do ponto de vista cientifico e fundamentados em evidências científicas; b) destacar os vários aspectos mais relevantes para subsidiar o Poder Judiciário; e c) atender às normas adotadas pelo Projeto Diretrizes da AMB.
Foram 18 meses de trabalho, para que, não somente, o profissional do direito pudesse interpretar os aspectos médicos do tabagismo mas, também, o profissional da área médica compreendesse as questões jurídicas concernentes ao assunto. Dado o nível de conhecimento existente hoje, não se pode ignorar o poder aditivo da nicotina e o devastador impacto do tabagismo para a saúde e sua associação com o desencadeamento e agravamento de doenças, seja para o fumante ativo ou passivo. Compreender as nuances que levam uma pessoa a se tornar usuária e dependente conduz também à reflexão sobre a responsabilidade civil da indústria do tabaco ao promover e comercializar esse tipo de produto. Levantamento recente no Brasil evidencia que a indústria do tabaco tem saído vitoriosa em todas as ações judiciais em que é acionada por familiares ou vítimas do tabagismo. As decisões, por vezes, denotam haver dúvidas sobre o poder aditivo da nicotina, sobre o mecanismo da dependência ou sobre o papel do tabagismo no desencadeamento ou agravamento de doenças. Para evitar esse tipo de questionamento, discutem-se 45 diferentes tópicos no documento da AMB, abrangendo a diferenciação entre hábito, vício e dependência; quais os tipos de cânceres provocados pelo fumo do tabaco; riscos da exposição à fumaça do tabaco; efeitos do tabagismo nos diversos órgãos e sistemas do organismo humano; danos à saúde da mulher, entre outros. Garantir que as informações disponíveis hoje estejam acessíveis aos magistrados e auxiliem no processo decisório é o principal motivador desse trabalho.
Ensejamos que seja o precursor de diversos outros sobre temas que suscitem o debate e maior intercâmbio entre as duas áreas. A medicina, em defesa da saúde e da vida, promove o acesso ao conhecimento em defesa da Justiça.
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* Walter José Faiad de Moura é advogado e vice-presidente do Instituto Brasilcon, e Antonio Pedro Mirra é médico e coordenador da comissão de controle do tabagismo, da AMB - Associação Médica Brasileira.