A física quântica nos legou inúmeras formas de abordagens para o estudo das partículas subatômicas. Dentre estas, chama-nos à atenção o experimento do gato de Schrödinger.
Tout court, dada as contradições das partículas subatômicas, o imaginário experimento demonstra que o gato pode estar vivo ou morto. É uma ideia realmente estranha, como também é estranho as "contradições" existente neste "cansado Estado Democrático de Direito nosso de cada dia".
A pós-modernidade e sua complexidade inerente, para além de nos introduzir numa Macondo e seu realismo fantástico, nos coloca de frente a diversos "gatos de Schrödinger" diariamente neste Brasil cansado de guerra.
A gênese deste estado de coisas não é nova; basta lermos o que escreveu Faoro em 1958, no seu estupendo "Os donos do poder". Mas a criatividade dos donos do poder é realmente bizarra.
Mas como quem governa o mundo não é verdade, mas as ilusões, nas palavras de Kierkegaard, o país viu, boquiaberto, a manutenção do mandato do deputado Federal Donadon, mesmo sendo ele um condenado criminal com trânsito em julgado.
Longe de querer interpretar a decisão pelas lentes da moralidade no tocante à conduta dos deputados, já que o STF o "permitiu" que a última palavra quanto à perda do mandato fosse de seus pares, a possibilidade de manutenção do mandato era real.
A questão fundamental é que o sistema jurídico pariu um gato de Schrödinger: condenado pelo STF em decisão definitiva e mandato mantido por força de decisão da Câmara de Deputados; Condenado por peculato pelo STF e reafirmada sua reputação ilibada pela Câmara dos Deputados.
Não se pode, de antemão, remeter à votação uma questão cujo resultado pode ser X ou Y, e, de logo, afirmar que só uma delas é compatível com a CF, especificamente com o princípio da moralidade.
A lógica jurídica e a higidez do sistema não permite que a questão fosse colocada em votação, pois não é licito decidir entre uma hipótese de acordo com a CF e outra contrária; o gato de Schrödinger, na situação concreta, revela uma inconstitucionalidade.
Ora, se havia a possibilidade de um resultado (da votação) inconstitucional, a questão da perda do mandato sequer poderia ter sido submetida à votação na Câmara dos Deputados; deveria o STF, utilizando da técnica de interpretação conforme a Constituição, conferir sentido ao dispositivo constitucional que trata da perda do mandato do deputado Federal em harmonia com o sistema jurídico e à força normativa da CF.
Tudo isso revela a falta de compromisso com a integridade e coerência do sistema jurídico.
Errou o STF ao não decidir, de logo, nos termos do art. 92, I, do CP, a respeito da perda do mandato, como efeito anexo da condenação pois, nas palavras de Gustav Radbruch1, "La justicia, para poder derivar de ella las normas jurídicas, tiene que complementar-se con otro factor: finalidad o adecuación a un fin".
__________
1 Introducción a la filosofía del Derecho. Fondo de Cultura Economica, 1951, p. 35.
__________
* Luiz Antonio Costa de Santana é advogado professor da UNEB e UNIVASF.