Introdução
O presente estudo visa trazer à baila discussão sobre tema comumente abordado pelo judiciário trabalhista, qual seja, a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do empregado, fundamentada na justa causa por infração cometida pelo empregador (art. 483, da CLT), conhecida como rescisão indireta.
Referido tema possui extrema relevância ao meio jurídico, pois trata-se de modalidade extintiva do contrato de trabalho, equiparada à figura da justa causa, que, também de maneira abrupta, põe fim ao contrato existente entre empregador e empregado.
Portanto, se faz necessária à análise dos aspectos jurídicos que envolvem esse tipo de rescisão contratual, bem como o contumaz desvirtuamento do preceito legal que a fundamenta.
Sobre o tema
Do desvirtuamento da rescisão indireta do contrato de trabalho.
A rescisão indireta do contrato de trabalho é fundamentada no art. 483, da CLT, criado pelo legislador para proteger o empregado de eventuais desmandos de seu empregador. Tal artigo é taxativo, pois em suas alíneas de "a" a "g" descreve as situações em que o empregado pode considerar rescindido o contrato de trabalho, por culpa exclusiva da empresa.
Ocorre que tal instituto previsto em nosso ordenamento jurídico tem sido desvirtuado nas demandas trabalhistas, inibindo, por sua própria concepção, a simples rescisão do contrato de trabalho por pedido de demissão, pois esta última se trata de modalidade de rescisão que acarreta considerável redução ao empregado quando do recebimento das verbas rescisórias, diferentemente da rescisão indireta.
Assim, muitos empregados, ao se verem insatisfeitos com a empresa para qual prestam seu labor, e evitando a redução das verbas rescisórias pelo pedido de demissão, tem se valido de pedidos infundados de rescisão indireta para obterem vantagem, ludibriando o Poder Judiciário com provas precárias.
Entretanto, se faz necessário estabelecer parâmetros para o acolhimento desse tipo de pedido, exigindo-se o preenchimento de todos os requisitos legais, posto que esse modelo de rescisão contratual equipara-se à aplicação da justa causa por ato infracional do empregado.
Da mesma forma com que se exige da empresa prova efetiva das infrações causadas pelo empregado quando da aplicação de uma justa causa, a premissa estabelecida deve ser a mesma quando da necessidade de prova por infringências cometidas pela empresa.
Não à toa, o legislador utilizou-se de artigos legais subsequentes e do mesmo capítulo na CLT ao tratar de ambas as infringências. Se pelo empregado, as infringências acarretam sua demissão por justa causa (art. 482, da CLT); se pelo empregador, as infringências acarretam a rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483, da CLT).
Destarte, partindo-se da premissa de que a prova deve ser robusta e irrefutável para a manutenção da justa causa em juízo, também assim deverá ser considerada para a comprovação da rescisão indireta do contrato de trabalho, ou estar-se-ão prevalecendo à insegurança jurídica e o desvirtuamento de preceito legal.
Saliente-se, por oportuno, que a jurisprudência é farta no sentido de ser necessária prova robusta para o reconhecimento da rescisão indireta, in verbis:
"RESCISÃO INDIRETA. Falta grave cometida pelo empregador. Prova. A alegação de falta grave cometida pelo empregador, de forma a ensejar despedida indireta, configura fato constitutivo do direito, por força dos artigos 818 da CLT c/c 333, inc. I, do CPC, carreando à reclamante o ônus probatório. A ausência de provas robustas acerca da conduta lesiva afasta a rescisão indireta de que trata o art. 483 da CLT.". Grifos nossos.
Acórdão 200700777015, PROCESSO TRT/SP Nº: 02279-2004-032-02-00-1, RECURSO ORDINÁRIO – RELATOR(A): PAULO AUGUSTO CAMARA, publicação 02/03/2007.
"RESCISÃO INDIRETA. A culpa da reclamada autorizadora da rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do artigo 483 da CLT, deve ser cabalmente comprovada, ônus do qual não se desincumbiu a reclamante. Aplicação do disposto nos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC. Recurso improvido ESTABILIDADE GESTANTE. A reintegração no emprego é incompatível com o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho. Recurso improvido. HORAS EXTRAS. Não demonstradas diferenças a favor da recorrente. Recurso improvido.". Grifos nossos.
(Acórdão 20071076748, PROCESSO TRT/SP Nº: 00893200530302009, RECURSO ORDINÁRIO – 03ª VT de Guarujá – publicação 18/01/2008).
Nem a hipossuficiência do empregado, por si só, possui o condão, nesses casos, de inverter o ônus da prova ao empregador, pois, devem preservar a relação de emprego, bem como a necessidade da prova ser produzida por quem alega o fato constitutivo de seu direito, de acordo com o art. 818, da CLT, c/c art. 333, inciso I, do CPC, aplicável de maneira subsidiária ao processo do trabalho.
Por fim, ainda equiparando-se tal modalidade de rescisão do contrato de trabalho à justa causa, é importante que se levem em consideração a figura da punição imediata, sob o risco de considerar-se o perdão tácito também nos casos de rescisão indireta, como comumente se exige para aplicação da justa causa ao empregado.
Conhecida juridicamente pela doutrina e jurisprudência como imediatidade --- que consiste numa punição rápida após o conhecimento dos fatos graves que ensejam a demissão por justa causa --- tal exigência também deve ser levada em consideração quando da aplicação da rescisão indireta, sob o risco de configurar-se o perdão tácito. Sempre, claro, utilizando-se da mesma premissa tanto para a rescisão contratual por culpa do empregador, como na rescisão por culpa do empregado.
Tal entendimento, inclusive, é corroborado pela nossa melhor doutrina, a exemplo do ilustre jurista dr. Sérgio Pinto Martins, que acerca do tema em questão, na página 372, da 23ª edição de sua obra "Direito do Trabalho", de 2007, menciona:
"A irregularidade cometida pelo empregador deve ser de tal monta que abale ou torne impossível a continuidade do contrato. Se o empregado tolera repetidamente pequenas infrações cometidas pelo empregador, não se poderá falar em rescisão indireta, devendo o juiz preservar a relação de emprego, pois, principalmente em épocas de crise, é difícil conseguir nova colocação no mercado de trabalho". Grifos nossos.
Conclusão
Diante do exposto, referido estudo retrata o receio de desvirtuamento do preceito legal, insculpido no art. 483, da CLT, que prevê a rescisão indireta do contrato de trabalho, de maneira taxativa, em casos de infração grave cometida pelo empregador.
Isso porque, tal situação jurídica, ainda que prevista em lei, não pode ser utilizada como forma corriqueira de extinção contratual, ou como substituta do pedido de demissão, pois prescinde de imediatidade, bem como de prova robusta e irrefutável de quem a alega em juízo.
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* Marco Antonio Tomei é advogado do escritório CMMM – Carmona Maya, Martins e Medeiros Advogados.