Recentemente foi aprovado, no Senado, o PL 39/13 (PLC 6.826/10, na Câmara dos Deputados), conhecido como "lei anticorrupção".
O projeto inspira-se em normas internacionais e é resultado dos compromissos de combate à corrupção assumidos pelo Brasil em organismos como a ONU, OEA – Organização dos Estados Americanos e OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Neste contexto normativo internacional, os programas de compliance tornaram-se segmento relevante na atividade empresarial, entendidos como instrumentos de controle corporativo interno, criados para garantir o cumprimento de exigências legais e regulamentares, além de detectar e tratar as inconformidades ou práticas ilícitas.
Como reflexo desta tendência global surgiu, por iniciativa do Poder Executivo, o referido PL cujos principais aspectos são:
As pessoas jurídicas serão responsabilizadas, administrativa e civilmente, pelos atos praticados por qualquer agente ou órgão que as represente, em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não, quando tais atos prejudiquem a Administração Pública, nacional ou estrangeira.
Considerar lesivos os atos praticados por pessoas jurídicas que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da Administração Pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, tais como: prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; comprovadamente financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos.
Levar em consideração na aplicação das sanções previstas na lei, "a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica", ou seja, empresas com mecanismos de compliance terão penas reduzidas.
Contudo, faltam diretrizes sobre quais elementos devem existir nos programas de compliance para que estes sejam aptos a proporcionar benefícios para empresas, bem como faltam disposições claras sobre a extensão do benefício que poderá ser obtido pelas empresas com a cooperação.
O PL, além de contemplar as condutas praticadas contra a Administração Pública estrangeira, enfrentará, aparentemente, conflito com a lei de improbidade (8.429/92), a lei de licitações (8.666/93) e a lei de defesa da concorrência (12.529/11). Por exemplo, na lei de licitações, as sanções pelas condutas ilícitas são aplicáveis somente em face das pessoas físicas. Igualmente, a legislação atual imputa responsabilidade subjetiva aos agentes (ou seja, deve ser comprovada a culpa dos envolvidos), ou ainda, muitas das infrações previstas no PL já estão presentes na lei de improbidade (8.429/92), na lei de licitações e na lei de defesa da concorrência. Portanto, não está claro qual norma deverá ser aplicada diante de uma situação que possa representar uma infração tanto ao previsto no PL quanto à legislação existente.
Considerando que o PL prevê a responsabilização objetiva, civil e administrativa, de pessoas físicas e jurídicas, visando o combate à corrupção, é imperioso que sejam tipificadas, exaustivamente, as condutas ilícitas, bem como sejam taxativamente definidas as competências das autoridades responsáveis pelos procedimentos administrativos sancionatórios, sob pena de, ao contrário de fomentar as boas práticas corporativas, venha a norma a se tornar um instrumento (polarizado, maniqueísta e ineficiente) de "combate" a todo aquele que contrate com a Administração Pública, aumentando os riscos e, portanto, os custos de tais contratações.
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* Evane Beiguelman Kramer é advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.